A Região do Douro, o Vitis e as pedras de xisto
O Douro vai perdendo a beleza dos seus socalcos quando substitui as pedras de xisto por esteios de madeira ou metal a cada edição do Vitis, o Programa de Apoio à Reestruturação e Reconversão da Vinha.
A Região do Douro tem grandes vinhedos, principalmente a montante do rio e a maioria dos lavradores têm propriedades de poucos hectares, nomeadamente no Baixo Corgo. Os jovens migram para o litoral do país e emigram para os vários países da Europa, e a mão-de-obra necessária cai para valores muito baixos e está cada vez mais dependente de pessoas com mais de sessenta anos de idade. E os produtos a usar no tratamento da vinha têm encarecido, e muito, mas o preço do quilo de uvas está, isto é, estava nos melhores anos, em 0,50 euros o quilo (0,50 x 750 Kg = 375 € a pipa — 550 L) quanto ao vinho de consumo, e em 1,20 euros 0 quilo (1,20 x 750 Kg = 900 € a pipa) para o mosto generoso (vinho do Porto).
Os estudos realizados na nossa UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) apontam para o valor de 1 euro a pagar pelo quilo de uva — vinho de consumo, para poder viver da produção, investir e não empobrecer. Na Galiza o quilo de uva Alvarinho está nos 2,5 euros, e na maioria das regiões francesas acima dos 5 euros.
Foram autorizadas surribas no Alto Douro em zonas sem vinha, aumentando os quantitativos vinícolas e agora estão a limitar a produção por hectare em vinhedos reconvertidos segundo as orientações dos institutos agrícolas do Ministério da Agricultura.
Nem sequer a pequena agricultura, alguma dela, ligada em cooperação nas várias adegas cooperativas consegue desenvolver o seu crescimento, e o pensamento que o grande António Sérgio apresentou na defesa da causa do cooperativismo, e agora é patrocinado pela Cooperativa António Sérgio Para a Economia Social (CASES), não avança, porque não basta haver instrução, é preciso educar nesse sentido.
Neste contexto tem havido reconversão, que nunca assentou em maquinaria que trabalhasse em bardos estreitos e inclinados e, com o apoio das várias edições do Vitis (Programa de Apoio à Reestruturação e Reconversão da Vinha), tem sido dirigida à alteração dos perfis do solo em socalcos, para patamares sem declive e com bardos largos para usar máquinas. Portanto, é preciso arrancar as videiras, tirar os esteios, que maioritariamente são pedras de xisto, surribar socalcos para patamares, e então plantar enxertos — prontos, colocar novos esteios e embardar.
Mas, à medida que fomos utilizando os Vitis, ao longo destes anos, fomo-nos deparando, para lá das demais dificuldades — falta de mão-de-obra, subida dos custos de granjeio, estagnação dos preços na venda das uvas e do vinho —, com a perda da beleza dos socalcos cujos bardos deixaram de ser sustentados pelas pedras de xisto, substituídas por esteios de madeira ou metal, a cada nova reconversão.
O preço de colocar novos esteios de xisto — como é exigido pelas regras do Vitis — não é comportável, são 8 euros mais IVA por esteio, e no caso dos de madeira 3 euros mais IVA, um constrangimento ao qual se juntam uma redução na quantidade fornecida pelas pedreiras, que estão a vender para a Alemanha e Inglaterra, e a dificuldade logística e objectiva de os camiões fazerem chegar às quintas durienses carradas pesando toneladas.
Uma grande parte da lavoura tem pedras de xisto compradas há anos, que era o que utilizava, e foi aumentando a sua quantidade ao passo que aquelas perdiam a sua utilidade, pois nas reconversões feitas teve de as pôr de lado sob pena de perder parte do apoio, uma penalização que neste Vitis 2025/2026 está nos 20%. Face aos preços actuais da reconversão de um hectare de vinha, mais elevados do que no passado, o apoio, que neste Vitis é mais generoso (até 33 mil euros por conversão do hectare), é verdade, está longe de cobrir as despesas do lavrador. E, com a tal perda de 20%, é incomportável ao mesmo manter as pedras de xisto de outrora, juntando-se ainda o desgosto de ter de encostar as pedras que tem, e que tinham os tamanhos adequados, e as deixar para a eternidade a um canto da propriedade.
É uma tristeza nossa, e vai sendo triste, a queda da Região do Douro em todos os aspectos, até na sua beleza, que no Outono no meio do azul das pedras de xisto surgia em tons de amarelo, ocre e vermelho.
Quando o senhor secretário de Estado da Agricultura (o engenheiro João Moura, que assina um artigo recente no jornal do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto sobre o "novo ciclo" que defende para a região — Douro, é história com futuro) e o senhor presidente do conselho directivo do Instituto da Vinha e do Vinho, por acaso, passarem por esta Região do Douro, poderão constatar o que acabo de escrever. Não sei quais serão as possibilidades políticas de o Governo, os seus ministros, os seus secretários de Estado e os presidentes dos institutos públicos poderem operar alterações a estes condicionamentos no uso dos esteios de xisto, para que os lavradores que os têm, em óptimo estado de conservação, os venham a usar novamente sem perder valor no apoio.
Senhores governantes, as pedras de xisto têm contribuído para esta linda Região do Douro, não a deixem perder esta beleza, que ela fique para o futuro da área demarcada pelo Marquês de Pombal.
António Strecht, produtor de uva no Douro