E tu, quantos imigrantes conheces?

Antes do Natal, um barómetro sobre imigração foi divulgado. O resultado mostrou em números a tal “percepção”. Em contraponto, políticos e CEOs de big techs pouco se importam com a realidade.

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No Dia Internacional dos Migrantes, 18 de Dezembro, foi divulgado um barómetro sobre a imigração. As perguntas procuraram abranger leis, direitos, percepções e sentimentos de forma a entender o que o português médio acha da situação actual do seu país perante os imigrantes. A pesquisa é longa e possui vários gráficos, recomendo a leitura completa. Aqui vou usar os meus caracteres para levantar alguns pontos e fazer observações.

Quando questionados sobre a quantidade de imigrantes que vivem em Portugal, 27,5% dos entrevistados acreditam ser 30% ou mais, ou seja, a cada 100 habitantes, mais de 30 seriam imigrantes. O número real gira entre 9 e 11 imigrantes a cada cem pessoas. O mais curioso é que quando questionados sobre o contacto com imigrantes, seja no trabalho ou no convívio diário, 52% têm pouco ou nenhum contacto.

Gosto de levantar esta questão aos portugueses: “Quantos imigrantes conheces? Mas conhecer mesmo, saber a profissão, se tem família, onde nasceu e cresceu, que clube torce”. Conforme a pesquisa, apenas 10% têm um contacto próximo com estrangeiros. Já conversou com um deles no Uber? “Mas ele não fala português.” E você não fala inglês? Não fala em reuniões de trabalho ou em festivais?

Quando olhamos para o milhão e 44 mil imigrantes que aqui vivem, é ainda mais interessante ver que apenas 73 mil, 9%, são do subcontinente indiano. Grupo que dois terços dos entrevistados gostariam que diminuíssem. Seguidos pelos brasileiros (51%) e chineses (50%).

Nas questões sobre quais imigrantes contribuem mais ou menos e são mais "vantajosos" para Portugal, é relevante observar que os portugueses vêem os imigrantes racializados um perigo simbólico para cultura portuguesa, os culpam pelos baixos salários e o aumento da criminalidade (sobre essa falácia já escrevi aqui). Em contrapartida, apreciam a imigração dos países ocidentais. Sem culpabilizar esses imigrantes gold pelo aumento dos preços de habitação, por exemplo.

Tudo isso reflecte muito sobre as tais “percepções”. O fato de enxergamos na rua, mercadinhos e nos serviços de app mais imigrantes do subcontinente indiano, não significa que eles estão em maioria. A investigação mostra que o português tem consciência da falta de familiares e da situação habitacional que esse grupo sofre, só não conecta esses fatos com o reflexo quotidiano. Grande parte desses imigrantes são homens, que dividem um quarto com muitas outras pessoas e muitas vezes estão sem família. Logo estarão pelas ruas, socializando, como pessoas normais o fazem. O uso político e mediático que usam dessa situação já é outra coisa.

Um deputado, desses que não devia ter muito destaque, grunhiu em um programa que não importa os dados, “o povo vê as ruas e sabe o que sente". Vimos que a percepção do povo é que temos mais de três milhões de imigrantes em Portugal, três vezes mais que o real, e é por isso que existem pesquisas e estudos.

Problema é que a European Social Survey (ESS), junto com o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, fizeram um estudo em 2020 que constatou que 62% dos portugueses apresentam alguma crença racista. Seja ela biológica, que alguns grupos étnicos são mais inteligentes e/ou trabalhadoras que outras, seja cultural, que existem culturas melhores que as outras. Esse número coloca Portugal entre os países mais racistas da UE.

Analisando esses dados e observando a situação actual em que vivemos, alguns chamam de “pós-verdade”, onde qualquer informação pode ser desmentida sem dados, com vídeos e imagens falsas feitos com IA, algo que já acontece no Brasil e EUA, por exemplo. E após a eleição de Trump, Zuckenberg, dono da Meta, retirou o fact-check assim como Musk havia feito, deixando para que os utilizadores fizessem a própria verificação. Temos um ambiente fértil para teorias da conspiração como a da “Grande substituição”, onde muçulmanos e árabes substituirão a população europeia. Além de falsas notícias que visam aumentar o pânico moral e marginalizar ainda mais minorias, seja ela religiosa, étnica, de género ou opção sexual.

É cada vez mais importante nos munirmos de dados e informação para contrapor discursos que criem as tais “sensações” e que negam a verdade. Colar criminalidade com imigração, além de uma mentira, máscara o aumento de violência doméstica, o aumento da repressão policial nos bairros e contribui para o aumento da violência, essa verdadeira, mas contra imigrantes.

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