Um novo medicamento, Michelin em Portugal, mais professores na escola: 11 boas notícias de 2024
Fizemos o esforço de olhar para os últimos doze meses na perspectiva de encontrar as boas notícias. Nem sempre é um exercício fácil, mas se são boas, é preciso partilhá-las.
Em 2024, não houve só más notícias como guerras ou catástrofes. Da queda da abstenção nas legislativas ao plano para salvar os media, também houve acontecimentos dignos de uma avaliação positiva. Aqui estão alguns.
A queda da abstenção nas legislativas
Em 2024, os portugueses votaram mais e a abstenção caiu para 40,2%: o valor mais baixo numas eleições legislativas desde 2005. A diferença face às legislativas de 2022 foi ainda maior no caso dos eleitores residentes em Portugal (que votaram mais do que os residentes no estrangeiro). Neste grupo, a abstenção desce para 33,8%.
Contas feitas, olhando apenas para a taxa de abstenção registada em território nacional, é preciso recuar 28 anos, até às legislativas de Outubro de 1995, para encontrar um valor tão baixo (32,9% em território nacional). O aumento da participação levou vários líderes partidários a assinalar a "conquista" no ano em que se celebraram os 50 anos do 25 de Abril.
Mas, não obstante a abstenção ter descido, o voto de protesto subiu: o número de votos em branco aumentou de 1,13% para 1,39% face às legislativas de 2022. Já os votos nulos quase duplicaram de 1,5% para 2,93%. As eleições mais participadas de sempre continuam a ser as de 25 de Abril de 1975, ano em que a abstenção foi praticamente residual: 8,5%. L.B.
Os linces-ibéricos já não estão classificados como “em perigo”
A população de linces-ibéricos está em crescimento tanto em Portugal como em Espanha, o que fez com que o estatuto de conservação da espécie Lynx pardinus fosse alterado de “em perigo” para “vulnerável” em Junho de 2024.
O lince-ibérico já esteve classificado como “em perigo crítico” de extinção na Lista Vermelha elaborada pela União Internacional para a Conservação da Natureza, passando em 2015 para “em perigo”. Agora, é uma espécie “vulnerável”. Este caso de sucesso resulta de duas décadas de esforço transfronteiriço para recuperar o animal emblemático da Península Ibérica.
Mas se a população de linces-ibéricos está a aumentar, o mesmo não acontece com o lobo-ibérico. O Censo Nacional 2019-2021, divulgado há uma semana, indica que Portugal perdeu, pelo menos, cinco alcateias em duas décadas. A área de presença do lobo em Portugal reduziu-se 20% e o número de alcateias detectadas caiu para 58 em 20 anos (decréscimo de 8%), encontrando-se sobretudo a norte do rio Douro. Este mês, a Convenção de Berna, subscrita por Portugal, determinou a diminuição do estatuto de protecção do lobo na Europa. A proposta partiu da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que defende “uma abordagem equilibrada entre a preservação da vida selvagem e a protecção dos nossos meios de subsistência [criação de gado]”. Portanto, há motivos para celebrar, mas o felino selvagem continua em risco. A.A.S.
Foi criada a maior área marinha protegida do Atlântico Norte
Em Outubro, Portugal criou a maior rede de Áreas Marinhas Protegidas (AMP) do Atlântico Norte, conferindo protecção a 30% das águas à volta do arquipélago dos Açores, cobrindo um total de 287 mil quilómetros quadrados dos seus ecossistemas marinhos únicos.
O estatuto de protecção será diferenciado: 15% das águas em torno deste arquipélago português estão agora totalmente protegidas (não são permitidas actividades extractivas ou destrutivas), com outros 15% designados como “altamente protegidos”, permitindo apenas métodos de pesca tradicionais de baixo impacto.
Mas apesar da criação desta enorme Área Marinha Protegida, Portugal ainda está muito longe de atingir a meta de proteger 30% do oceano — 10% de forma estrita — até 2030, de acordo com o Quadro Global para a Biodiversidade de Kunming-Montreal assinado em 2021. Além disso, de acordo com a associação ambientalista Zero, 98% das AMP portuguesas “carecem de planos de gestão, fiscalização e monitorização” — ou seja, existem apenas no papel, sem protecção efectiva. A.F.
O Complemento Solidário para Idosos foi alargado
Foram muitas, este ano, as boas notícias para os idosos com rendimentos mais baixos e que, por isso, são beneficiários do Complemento Solidário para Idosos (CSI). Desde logo, porque viram por duas vezes aumentado o valor de referência que lhes permite ter acesso a esta prestação social — primeiro no início do ano, ainda pelo Governo socialista, depois pelo executivo liderado por Luís Montenegro, quando se fixou nos 600 euros mensais.
Mas esta não foi a única boa notícia. A Aliança Democrática pôs em prática uma medida pedida há muito e recomendada pela própria OCDE: que o rendimento dos filhos dos idosos deixasse de ser considerado para efeitos de avaliação da atribuição desta prestação social. Além disso, os beneficiários do CSI têm agora acesso a medicação gratuita, desde que prescrita por um médico.
O resultado foi um aumento de mais de 62 mil beneficiários, em Outubro, comparando com o ano anterior, mas ainda falta garantir que todos os que têm direito a esta prestação social a recebem de facto, já que o desconhecimento, a vergonha e iliteracia ainda deixam de fora do CSI muitos idosos (o número dos que não beneficiam e podiam beneficiar é desconhecido). P.C.
Lista de espera para cirurgias oncológicas foi reduzida
Foi um compromisso assumido pelo executivo desde o início: reduzir as listas de espera na saúde, dando prioridade aos doentes oncológicos. Para tal, o Governo criou o OncoStop 2024, um plano para reduzir a lista de espera para cirurgias oncológicas e uma das medidas prioritárias do Plano de Emergência e Transformação na Saúde.
No final de Maio, quando foi lançado o OncoStop, havia 2434 utentes à espera que já tinham ultrapassado os tempos máximos de resposta garantidos (TMRG). O programa terminou em Agosto e o director executivo do SNS garantia então que já não existiam doentes oncológicos à espera de cirurgia acima dos TMRG. O objectivo tinha sido alcançado. Mas recordemos: a lista é dinâmica e, apesar de os hospitais terem batido recordes de cirurgias este ano, isso não foi suficiente para inverter a crónica tendência para o aumento do volume das listas de espera cirúrgicas.
Segundo dados divulgados pelo Observador este mês, o número de doentes a aguardar uma cirurgia oncológica acima do TMRG baixou para menos metade desde Maio, mas há ainda cerca de mil pessoas a aguardar operação para lá deste limite. No final de Novembro eram 1082. D.C.
Nasceu um plano para os media
Em Outubro, seis meses depois de ter tomado posse, o Governo apresentou o seu plano de acção para os media, na tentativa de dar a mão a um sector que atravessa dificuldades há vários anos. O pacote, composto por 30 medidas, foi avaliado pelo executivo em 55,2 milhões de euros e incluía propostas distribuídas por quatro pilares: regulação do sector, serviço público concessionado; incentivos ao sector; e combate à desinformação e literacia mediática.
Assinaturas gratuitas para estudantes do ensino secundário e bonificadas para os restantes portugueses, incentivos à contratação de jornalistas, apoio à distribuição de publicações periódicas em todos os concelhos do país e investimento na capacitação dos jornalistas na área da inteligência artificial são exemplos de algumas das 30 medidas anunciadas.
Na mesma altura, foi comunicado que a RTP, enquanto canal público de televisão, eliminaria de forma gradual a publicidade ao longo dos próximos três anos – uma medida que custará à volta de 22 milhões de euros e que não será compensada com um aumento da contribuição audiovisual. Contudo, a proposta acabou por ser travada pelo Parlamento.
Foi uma boa notícia saber que o Governo está preocupado com os media e que tem ideias para os apoiar, mas é preciso que este plano cumpra outro objectivo: convencer os portugueses de que não há notícias grátis. S.S.
Ao fim de 26 anos, há um novo operador de telecomunicações
A Digi chegou ao mercado em Novembro e os reguladores das Comunicações e da Concorrência dizem que é uma boa notícia para os consumidores. Os operadores que já cá estavam — Meo, Nos e Vodafone — garantem que a concorrência agressiva pelos preços vai retirar rentabilidade ao sector e reflectir-se, lá mais à frente, em menos investimento, qualidade de serviço e inovação.
A Digi, que defende que “a concorrência traz valor aos consumidores e aos accionistas”, lançou-se com ofertas moduláveis (ou seja, serviços que podem juntar-se ou funcionar em separado, sem ser necessário contratar pacotes), sem fidelização, ou com fidelizações reduzidas no caso da fibra, e preços muito mais baixos. Para já, esta entrada teve como efeito algo que parecia impossível: os operadores de sempre reformularam as ofertas das suas marcas secundárias, ou seja, Uzo (Meo), Amigo (Vodafone) e Woo (Nos), e juntaram-lhes a TV paga, melhoraram as ofertas de Internet e reduziram ou retiraram fidelizações, aproximando as respectivas propostas das da rival romena.
O tempo dirá quem tem razão, mas, no imediato, é certo que os consumidores têm mais por onde escolher. A.B.
Mais professores entraram para os quadros
Olhando para os últimos anos, 2024 foi um daqueles em que vimos entrar mais professores para os quadros do Ministério da Educação. Por via do concurso externo, realizado antes de o ano lectivo arrancar, quase 6600 docentes que estavam a contrato entraram na carreira. Juntam-se mais 1800 que se vincularam no âmbito do concurso extraordinário que o Governo lançou para suprir a falta de docentes nas regiões da Grande Lisboa, do Alentejo e do Algarve. Por comparação, em 2023, tinham entrado no quadro quase 8000, a maioria via vinculação dinâmica, um instrumento criado pelo anterior Governo no âmbito do regime de gestão e recrutamento de professores. Já então, o ex-ministro da Educação João Costa admitia que era “a maior vinculação dos últimos 18 anos”.
A verdade é que muitos destes docentes que conseguiram entrar na carreira já estariam a dar aulas como contratados. Não se sabe quantos novos professores terão chegado às escolas. O ministro da Educação, Fernando Alexandre, chegou a afirmar que seriam cerca de 4000 novos docentes a dar aulas pela primeira vez, mas não deu mais detalhes.
O ano de 2024 foi também o ano da última década em que mais professores e educadores de infância se aposentaram: foram quase 4000, um número só superado em 2013, quando saíram para a reforma 4600 docentes. Só no mês de Dezembro, foram cerca de 500, de acordo com a lista da Caixa Geral de Aposentações. É o mês com o número de aposentações mais alto do ano, o que obrigará as escolas a encontrarem substitutos para estes docentes — uma tarefa que, em todo o país, se tem tornado cada vez mais difícil. C.F.M.
Já temos Michelin em Portugal, mas os restaurantes lutam com dificuldades
Ter um Guia Michelin autónomo do de Espanha e dedicado exclusivamente a Portugal era uma ambição falada desde há muito no universo da gastronomia e da restauração. Concretizou-se em 2024, com uma gala em Albufeira, no Algarve. Não foi a chuva de estrelas que alguns esperavam e, sobretudo, ainda não foi desta vez que Portugal conseguiu ter um restaurante com três estrelas. Mas foi um princípio, e o investimento de cerca de 400 mil euros feito pelo Turismo de Portugal serviu também para dar visibilidade ao país e à sua gastronomia, com a visita de jornalistas especializados no tema, vindos de vários pontos do mundo.
Mas 2024 foi também o ano em que se falou de uma crise na restauração em Portugal depois do anúncio do encerramento de restaurantes como o Boi-Cavalo e o mexicano Izcalli, ambos em Lisboa. É difícil dizer que se trata realmente de uma crise, porque há novos restaurantes a abrir a um ritmo muito acelerado. A vida parece particularmente difícil para os pequenos projectos de cozinha de autor, entalados entre os estrelas Michelin e as propostas de comida mais fácil (e mais barata), das hamburguerias às pizzarias, passando pelo muito popular ramen. A.P.C.
400 mil processos pendentes na imigração começaram a ser despachados
A abertura do primeiro centro de atendimento da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) no centro Hindu, em Lisboa, a 9 de Setembro, foi uma boa notícia para quem tinha o seu processo pendente, alguns com anos, entre os 400 mil que estavam por despachar. Com o início de funcionamento da estrutura de missão, foram atendidos 150 mil estrangeiros, dando início à etapa final para a regularização.
O fim da manifestação de interesse — um mecanismo da lei que permitia a quem já estava a trabalhar e a descontar para a Segurança Social pedir uma autorização de residência — foi apregoado como uma medida que acabaria com a política de “portas escancaradas” do Governo PS, mas resta saber quais os seus verdadeiros impactos naquilo que pretendem combater, a imigração irregular, já que os trabalhadores deixam de ter uma via — e um incentivo — para se regularizarem. Além disso, fica por apurar até que ponto a alternativa apresentada pelo Governo — o pedido de visto nos respectivos postos consulares — vai ser mesmo uma alternativa dadas as diversas queixas que existem sobre o seu deficiente funcionamento e cobertura. J.G.H.
Novo medicamento é eficaz a prevenir o VIH
Há quem diga que “é o mais próximo que alguma vez estivemos de uma vacina contra o VIH”: chama-se lenacapavir e é um medicamento injectável que mostrou proteger as pessoas durante seis meses contra a infecção — aquele que foi considerado o avanço científico de 2024 para a revista Science.
Embora já esteja no mercado há dois anos como um tratamento para pessoas que vivem com VIH e que não conseguiam obter resultados com outros fármacos, e apesar dos resultados bastante promissores em ensaios clínicos como profilaxia pré-exposição, o lenacapavir ainda não está disponível amplamente para ser usado como forma de prevenção.
Hui Yang, director de operações de abastecimento do Fundo Global de Luta contra a Sida, a Tuberculose e a Malária, revelou, em declarações recentes à agência Reuters, que este medicamento poderá chegar aos países mais pobres do mundo até ao final de 2025 ou no início de 2026 para ser usado como um fármaco preventivo de longa duração contra o VIH.
Mas, para tal, é ainda necessário que o medicamento injectável, produzido pela empresa Gilead Sciences, receba primeiro aprovações das autoridades de saúde, como a FDA nos EUA, e a Organização Mundial da Saúde. F.A.M.