A “máquina da morte” de Bashar al-Assad: “Não se via nada assim desde os nazis”

O regime sírio matou mais de 100 mil pessoas no país desde 2013, garante Stephen Rapp, que lidera a comissão que recolhe provas dos crimes de guerra na Síria.

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MOHAMMED AL RIFAI / EPA
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Um procurador internacional de crimes de guerra disse, na terça-feira, que as provas recolhidas em valas comuns na Síria expuseram uma “máquina da morte” administrada pelo Estado sob a liderança de Bashar al-Assad, cujo regime caiu a 8 de Dezembro. Essa “máquina” teria torturado e assassinado mais de 100 mil pessoas desde 2013.

Depois de visitar duas valas comuns em Al-Qutayfah e Najha, perto de Damasco, Stephen Rapp, antigo embaixador dos EUA para crimes de guerra e actual director da Comissão Internacional para a Justiça Internacional e a Responsabilização, disse à Reuters: “Temos certamente mais de 100.000 pessoas desaparecidas e torturadas até à morte por esta máquina.”

“Não tenho muitas dúvidas em relação a estes números, tendo em conta o que vimos nessas valas comuns”, acrescentou Rapp, que lidera aquela organização não-governamental criada em 2011 que recolhe, extrai, analisa e arquiva provas materiais de violações dos direitos humanos cometidos na Síria.

“Quando se fala deste tipo de assassínio organizado pelo Estado e pelos seus órgãos, não se via nada assim desde os nazis”, garantiu Rapp, que liderou, nos tribunais, os processos de crimes de guerra do Ruanda e da Serra Leoa.

“Desde a polícia secreta que fazia desaparecer as pessoas das suas ruas e casas, aos carcereiros e interrogadores que as matavam à fome e as torturavam até à morte, aos camionistas e condutores de escavadoras que escondiam os seus corpos, milhares de pessoas trabalhavam neste sistema de assassínio”, explicou Rapp.

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“Temos certamente mais de 100.000 pessoas desaparecidas e torturadas até à morte por esta máquina”, diz Stephen Rapp junto a uma trincheira em Najha Ammar Awad/REUTERS

Os sírios que vivem perto de uma antiga base militar onde se situava um dos locais de detenção e o cemitério utilizado para esconder os corpos descreveram um fluxo constante de camiões frigoríficos que traziam corpos para serem despejados em longas trincheiras escavadas com escavadoras.

Em Al-Qutayfah, as pessoas recusaram-se a falar para as câmaras ou a usar os seus nomes, por receio de represálias, dizendo que ainda não tinham a certeza de que a zona era segura após a queda de Assad. “Este é o sítio dos horrores”, disse um deles.

No interior de um terreno cercado por muros de cimento, três crianças brincavam perto de um veículo militar de fabrico russo. O solo era plano e nivelado, com as marcas rectas e longas dos locais onde os corpos foram enterrados.

Imagens de satélite analisadas pela Reuters mostraram que a escavação em grande escala começou no local entre 2012 e 2014 e continuou até 2022. Várias imagens de satélite tiradas pela Maxar durante esse período mostram uma escavadora e grandes trincheiras visíveis no local, juntamente com três ou quatro grandes camiões.

Omar Hujeirati, um antigo líder dos protestos contra Assad que vive perto do cemitério de Najha, afirmou ter as suas suspeitas de que vários membros da sua família que desapareceram poderão estar ali, nas valas comuns. Pelo menos alguns dos que foram levados, incluindo dois filhos e quatro irmãos, foram detidos pelos seus protestos contra o Governo de Assad: “Foi esse meu pecado que fez com que levassem a minha família...” Atrás de si, uma longa trincheira agora exposta, onde os corpos terão sido aparentemente enterrados.

Segundo Hujeirati, os autores destes crimes devem ser responsabilizados através de um processo judicial claro. Caso contrário, as pessoas farão justiça pelas suas próprias mãos.

“Queremos os nossos direitos, de acordo com a lei síria, e não através de um processo de bastidores. Estes massacres e estes matadouros são inaceitáveis para qualquer pessoa com humanidade”, afirmou. “Queremos que venham organizações de renome para que isto não seja encoberto”. Reuters

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