Com 26 anos, Javier comprou dois apartamentos em Madrid — mas ofereceu-os a pessoas sem abrigo

Em 2022, Javier Cascón gastou todas as poupanças para comprar o primeiro imóvel (e não foi suficiente). Em Fevereiro comprou outro e, enquanto dá tecto a outros, vive em casa de amigos.

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Javier comprou dois apartamentos para pessoas sem-abrigo Javier Cascón/Instagram
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Javier Cascón, 26 anos, conseguiu comprar dois apartamentos em Madrid nos últimos dois anos, mas nunca teve intenção de os habitar. O plano era comprar os imóveis a pronto (ou pedir empréstimo, se fosse preciso) para serem utilizados por pessoas em situação de sem abrigo até encontrarem um trabalho e conseguirem alguma independência financeira. Também pagaria as contas da água, electricidade e restantes despesas.

Em entrevista ao La Vanguardia, o jovem explica que a mãe sempre o aconselhou a poupar para comprar casa própria. Javier levou a sugestão de poupar tão a sério que, diz, há pelo menos cinco anos que não compra roupa nova ou bens materiais. E seguiu o conselho da mãe — só que não para o mesmo propósito.

Teve a ideia de oferecer casas a pessoas em situação de sem abrigo aos 20 anos, quando começou a trabalhar na Fundação Lázaro (que trabalha com grupos de risco) e atendia chamadas de pessoas que viviam na rua e procuravam ajuda e um sítio para passar a noite. “Tive quatro empregos ao mesmo tempo [para conseguir comprar a primeira casa]”, recordou ao mesmo jornal.

“Trabalhava de manhã num centro de saúde, na administração, à tarde num hospital e durante a semana, online, na Fundação Lázaro. Aos fins-de-semana era empregado de uma churrasqueira”, afirmou. Nos tempos livres, distribuía publicidade, tomava conta de crianças, passeava cães e trabalhava num dos supermercados Carrefour.

No total, escreve o jornal La Razón, trabalhava 13 horas por dia e amealhou 20 mil euros, mas, como não era suficiente para comprar ou dar entrada para uma casa, decidiu escrever um livro e utilizar o dinheiro das vendas para comprar o primeiro imóvel.

Anunciou o livro nas redes sociais e disse que em menos de um ano iria comprar a primeira casa para pessoas em situação de sem abrigo. E assim foi. Amen sin tilde (Amen sem acento, em tradução livre), publicado em Setembro de 2021, vendeu 1420 exemplares até agora.

Em Setembro de 2022, Javier tornou-se proprietário de um imóvel de 33 metros quadrados no Bairro Pinar de Chamartín, no Norte de Madrid. Pertencia ao pai de um amigo e custou-lhe 75 mil euros.

“Dei-lhe adiantado 30 mil euros [todas as poupanças que tinha], disse-lhe que antes do final do ano lhe pagaria mais 20 mil e que os restantes 25 mil lhe seriam dados no ano seguinte”, recordou ao La Vanguardia. O andar está a ser utilizado por duas pessoas que viviam na rua.

Em Fevereiro deste ano comprou um segundo apartamento maior e mais caro na capital espanhola: tem 50 metros quadrados e custou-lhe perto de 100 mil euros. Neste caso, teve de pedir um empréstimo e tem uma dívida com o banco de 63 mil euros.

Plano de vida: comprar terceira casa para viver com pessoas sem abrigo

Como gastou todas as poupanças na compra dos apartamentos, Javier não tem outra solução a não ser viver em casa de outras pessoas. Desde Setembro, mês em que se casou, que vive com a mulher em casa de uns amigos e, garante, assim será até conseguir comprar uma terceira casa — que tenciona partilhar com mais pessoas que não têm onde viver.

“Vou morrer daqui a 30, 40 ou 50 anos e não vou levar nada comigo”, explica, quando questionado sobre a decisão de comprar para dar aos outros. Numa publicação nas redes sociais garante que tem mais do que precisa.

“O nosso objectivo, tanto da minha mulher como o meu, é viver com pessoas em situação sem abrigo. E vamos fazer isso quando encontrarmos uma casa ou apartamento um pouco maior do que os que temos”, revelou à imprensa espanhola. Por enquanto, revela, a ideia do casal é viver no México durante um ou dois anos, já que a Fundação Lázaro tem um prédio neste país onde os funcionários partilham casa com pessoas em situação de sem abrigo.

Segundo o La Razón, a fundação já deu casa a cerca 600 pessoas que viviam na rua desde 2006, ano em que foi criada.

Em relação aos dois apartamentos que comprou em Espanha, já lá viveram 13 pessoas, que, diz, “ficam o tempo que precisarem” e a custo zero. Duas das inquilinas que vivem numa delas já conseguiram trabalho e insistem em pagar 100 euros de estadia, porque, repetem ao senhorio, “a vida real tem um custo”.

Além de lhes dar um tecto, Javier e os amigos criaram dois grupos no WhatsApp para ajudar outras pessoas em situação de risco e sem documentos em Espanha. Utilizam-nos para partilhar anúncios de emprego e oferecem-se para ajudar a fazer currículos. Cada grupo tem 200 membros.

Antes de comprar casas, Javier distribuía refeições a quem vivia na rua e, aos 18 anos, criou uma associação com um amigo que vendia quadros pintados por pessoas em situação de sem abrigo, para que tivessem dinheiro.

O livro Amen sin tilde tornou-se um projecto de vida e Javier tem mais de 4 mil seguidores no Instagram que acompanham o trabalho que faz. Com as receitas das vendas, pôs de lado 15 mil euros para pagar cursos de formação profissional a pessoas sem casa e 5 mil euros para quem quiser optar por cursos universitários, escreveu nas redes sociais, em Dezembro de 2023.

“Da mesma forma que não deixaria os meus pais ou o meu irmão viver na rua, também não deixo estas pessoas. São meus irmãos, embora não de sangue e gostaria que se, no futuro, estivesse na mesma situação, alguém me desse a mão”, afirmou.

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