Condenação de Mário Machado é “vitória contra a extrema-direita”. Neonazi considera recorrer

Defesa está a considerar recorrer para o Constitucional. “Acho que não há inconstitucionalidade nenhuma”, afirma Garcia Pereira, advogado da queixosa, falando em “incitamento ao ódio”.

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Mário Machado numa manifestação do grupo neonazi 1143 Nuno Ferreira Santos
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O militante neonazi Mário Machado viu esta segunda-feira, 9 de Dezembro, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmar a condenação a dois anos e dez meses de prisão efectiva por ter incentivado a “prostituição forçada” de várias mulheres de esquerda, numa publicação no X (antigo Twitter), em 2022. José Manuel Castro, advogado do condenado, disse ao PÚBLICO que a defesa está a considerar recorrer para o Tribunal Constitucional. “Eu acho que não há inconstitucionalidade nenhuma”, afirma, por seu lado, António Garcia Pereira, o advogado da queixosa, Renata Cambra, antiga dirigente do Movimento Alternativa Socialista (MAS).

O caso remonta a 17 de Fevereiro de 2022, quando Mário Machado defendeu a “prostituição forçada das gajas do Bloco”, numa publicação no X (antigo Twitter). O amigo Ricardo Pais, condenado em Maio a pena suspensa de um ano e oito meses, respondeu: “Concordo. Incluam as do PCP, MRPP, MAS e PS”, e a conversa continuou. Machado acrescentou “Tudo, tipo arrastão” e Ricardo Pais voltou a retorquir: “A Renata Cambra terá tratamento VIP” e “Servirão para motivar as tropas”. Esta interacção levou Renata Cambra a apresentar uma queixa.

A condenação dos arguidos tinha sido proferida em Maio e a defesa recorreu apenas da decisão relativa à sentença de Mário Machado. Esta segunda-feira, dia em que a decisão de Maio foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, Renata Cambra disse ao PÚBLICO que a pena pode ser reivindicada como “uma vitória”, mas com “a consciência de que continua a ser necessário travar a extrema-direita nas ruas porque, historicamente, é assim que se derrotam estes movimentos”. “Os movimentos como o 1143 [do qual faz parte o condenado] têm tentado tomar um pouco o espaço das ruas, tornando-as mais inseguras, principalmente para mulheres, para minorias oprimidas”.

“Uma pena que não fosse privativa da liberdade não teria qualquer espécie de eficácia”, considerou António Garcia Pereira. Não só pelo “enciclopédico registo criminal” do militante neonazi Mário Machado, mas pelo “comportamento” de ambos os condenados. “Não houve nunca um mínimo vislumbre de arrependimento” nem “um mínimo de empatia com as vítimas”, disse o advogado da queixosa ao PÚBLICO.

Já em Maio, a juíza do Juízo Local Criminal de Lisboa Paula Martins tinha apontado a mesma "falta de empatia", revelando que os arguidos tinham mesmo sorrido em alguns momentos enquanto Renata Cambra relatava o sofrimento causado pelas mensagens trocadas publicamente.

António Garcia Pereira sublinhou que os actos julgados “não têm nada a ver com liberdade de expressão”, mas “com condutas de incitamento ao ódio, que não são toleráveis numa sociedade democrática e num Estado de direito”.

Como as penas dos condenados não atingem os cinco anos, a defesa não pode recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. Mas o advogado José Manuel Castro disse ao PÚBLICO que consideram recorrer da decisão para o Tribunal Constitucional. Ainda não há certeza que esse será o próximo passo porque precisam de “estudar o acórdão” antes. Garcia Pereira garante que um recurso desse tipo “não tem fundamento nenhum”. “Se essa manobra for tentada, estará destinada ao insucesso”, vaticinou.

Renata Cambra não tem dúvidas: esse eventual recurso só faria “alargar a suspensão da pena por mais alguns meses”. A queixosa sublinha que a Constituição prevê “o crime de incitamento ao ódio e à violência” e é “inegável” a forma como foi tratada (e “como foram tratadas outras mulheres”, com um “apelo à prostituição forçada” — acto que descreve como “humilhante” e “violento”).

Do acórdão constam ainda as declarações de seis testemunhas, e​ntre as quais as socialistas Ana Gomes e Isabel Moreira. Quando questionada pelo Ministério Público se se tinha sentido visada pela interacção entre Mário Machado e Ricardo Pais na rede social X (antigo Twitter), Ana Gomes respondeu: “Senti-me pessoalmente ofendida enquanto activista e militante do Partido Socialista".

Esta é mais uma linha no cadastro de Mário Machado, já anteriormente condenado por roubo, sequestro, ameaça, coacção e posse ilegal de arma.

Ricardo Pais não tem antecedentes criminais e foi condenado, além da pena suspensa, a um plano de reinserção social focado nas temáticas dos direitos humanos, da liberdade e da autodeterminação sexual de todos os cidadãos e da igualdade de género. Terá ainda de pagar 750 euros à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV).

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