Se há algo que a União Europeia domina como ninguém é a arte de criar conselhos. Conselho Europeu, Conselho da União Europeia, Conselho da Europa — três instituições tão parecidas no nome quanto diferentes na função. Para o cidadão comum, são apenas camadas de burocracia que tornam a UE uma espécie de matrioska institucional: por mais que tentemos compreender, há sempre um novo conselho a surgir. António Costa, recém-eleito presidente do Conselho Europeu, terá agora a missão de dar sentido a esta teia confusa, racionalizando uma arquitectura que parece desenhada para testar os limites da paciência humana.
Explicar esta sopa de conselhos já é um desafio por si só. O Conselho Europeu é o palco das grandes decisões, onde os chefes de Estado e de governo da UE se reúnem para traçar linhas estratégicas. O Conselho da União Europeia, por sua vez, é o fórum onde os ministros dos diferentes Estados-membros debatem e aprovam legislação. E o Conselho da Europa? Não tem sequer ligação à UE, lidando com questões diplomáticas e sociais e com o famoso Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Confuso? Não se preocupe, não está sozinho.
António Costa parece ter percebido que, antes de mais nada, é preciso simplificar. Uma das suas promessas mais ambiciosas é reduzir as cimeiras do Conselho Europeu de dois para apenas um dia. Não será uma tarefa simples: as reuniões dos líderes europeus já se tornaram célebres pelas suas maratonas intermináveis, onde cada vírgula num comunicado final é discutida como se estivesse em jogo o destino do continente.
Para Costa, menos é mais — menos horas em debate, mais eficiência na tomada de decisões. Mas será que os líderes europeus estão prontos para abrir mão do drama das longas noites em Bruxelas?
Uma das medidas propostas para tornar o processo mais ágil é reforçar o papel do COREPER, o comité de embaixadores da UE responsável por preparar as reuniões do Conselho. A ideia é que estes representantes façam o trabalho de casa, deixando os líderes livres para se focarem em questões substantivas. É um plano pragmático, mas que pode roubar aos cidadãos europeus um dos espectáculos mais fascinantes da política comunitária: ver Macron e Scholz a debater durante horas sobre um simples adjectivo em “conclusões estratégicas”.
Costa quer também trazer um toque português à governação europeia, propondo encontros informais, descritos como “retiros estratégicos”, onde os líderes poderão debater sem a pressão de produzir resultados imediatos. Imagine um grupo de políticos poderosos a partilhar ideias num ambiente descontraído. Parece idílico, mas a dúvida permanece: estas reuniões resultarão em algo concreto ou limitar-se-ão a generalidades como “precisamos de mais competitividade” e “a defesa europeia é uma prioridade”?
A verdade é que António Costa não terá vida fácil. Assume a presidência do Conselho Europeu num contexto de tensões crescentes entre a França e a Alemanha, uma Hungria cada vez mais indisciplinada sob a liderança de Viktor Orbán, e o regresso de Donald Trump à Casa Branca, uma notícia que promete agitar a política global como uma sequela de filme apocalíptico. Para complicar, o Conselho Europeu continua a ser dominado por líderes de centro-direita, alinhados com o Partido Popular Europeu, o que coloca Costa, um socialista, numa posição política delicada.
Mas, se há algo que o histórico de António Costa demonstra, é a sua capacidade de gerir o caos. Desde os tempos da geringonça, em Portugal, até às negociações europeias em que foi peça-chave, Costa mostrou ser um pragmático capaz de transformar obstáculos em oportunidades. Resta saber se esta habilidade será suficiente para transformar o Conselho Europeu numa máquina eficiente — e, mais importante, compreensível.
Para Costa, a tarefa promete ser árdua, mas há uma lição que já aprendeu: em Bruxelas, as grandes mudanças não se fazem de rompante, mas sim ao ritmo das discussões intermináveis, do consenso hesitante e, claro, dos conselhos infinitos.