Redução da protecção do lobo na Europa aprovada em Estrasburgo

Proposta da União Europeia para baixar a protecção do lobo no continente foi aprovada, esta terça-feira, pela Comissão da Convenção de Berna. Investigadores e ambientalistas lamentam a decisão.

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A modificação do estatuto de protecção do lobo na Convenção de Berna deverá entrar em vigor dentro de três meses Copyright Raimund Linke/GettyImages
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A proposta da União Europeia para baixar a protecção do lobo foi aprovada, esta terça-feira de manhã, numa reunião da Comissão Permanente da Convenção de Berna em Estrasburgo, na França. Em causa está a alteração do estatuto de conservação do lobo (Canis lupus) de “espécie da fauna estritamente protegida”, ao abrigo do Anexo II da Convenção, para “espécie da fauna protegida” (Anexo III).

A redução da protecção do lobo “acrescentaria flexibilidade”, segundo a proposta da União Europeia, para responder aos “crescentes desafios socioeconómicos no que respeita à coexistência com as actividades humanas”, ou seja, “os danos causados ao gado, que atingiram níveis significativos, afectando cada vez mais regiões”. A iniciativa responde, em certa medida, aos apelos de grupos ligados ao sector agrícola e à caça face ao crescimento das populações de lobos.

“São notícias importantes para as nossas comunidades rurais e agrícolas. A Convenção de Berna decidiu ajustar o estatuto de protecção dos lobos. Porque precisamos de uma abordagem equilibrada entre a preservação da vida selvagem e a protecção dos nossos meios de subsistência”, afirmou ​Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, numa nota. A responsável, cujo pónei foi morto por um lobo, liderou a proposta de redução da protecção da espécie Canis lupus. ​

A World Wide Fund For Nature (WWF), uma das maiores organizações internacionais para a conservação da natureza, considera a decisão “um grave passo em falso, desprovido de qualquer base científica sólida”. Um grupo europeu de especialistas em lobos e outros grandes carnívoros já havia criticado a proposta, argumentando que esta se baseia em razões políticas e não científicas.

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Em causa está a alteração do estatuto de conservação do lobo de “espécie da fauna estritamente protegida” para “espécie da fauna protegida” Tambako the Jaguar/GettyImages

“Ao votarem no sentido de enfraquecer a protecção do lobo ao abrigo da Convenção de Berna, os Estados-Membros da União Europeia ignoraram os apelos de mais de 300 organizações da sociedade civil, da Iniciativa para os Grandes Carnívoros na Europa e de centenas de milhares de cidadãos que apelam a uma acção baseada na ciência para promover a coexistência com os grandes carnívoros”, afirma a WWF num comunicado.

Esta modificação do estatuto do lobo deverá entrar em vigor dentro de três meses, a menos que pelo menos um terço dos 50 membros na Convenção de Berna do Conselho da Europa (ou seja, 17) apresente objecções. “Se menos de um terço das partes se opuser, a decisão entrará em vigor apenas para as partes que não se opuserem”, refere uma nota de imprensa do Conselho da Europa. A decisão final será divulgada esta sexta-feira.

A União Europeia, uma vez que representa o bloco de 27 Estados-membros, teve um peso decisivo na deliberação ao apresentar 27 votos a favor da proposta. Recorde-se que o Parlamento Europeu já havia decidido em Setembro, por maioria qualificada, apoiar a proposta da Comissão Europeia para reduzir a protecção do lobo no continente. Portugal votou a favor do documento, mas referiu que pretende manter inalterado o regime de protecção ao lobo-ibérico em território nacional.

Recurso no Tribunal Europeu

“A União Europeia deveria ter vergonha de forçar a aprovação de uma proposta para reduzir a protecção dos lobos, apesar de a Bósnia ter proposto um adiamento da votação para o próximo ano. A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, iniciou esta ‘saga’ no anterior mandato, ignorando tanto a ciência como a democracia”, afirma Gaia Angelini, presidente da organização não-governamental Green Impact, citada numa nota de imprensa. A Green Impact garante estar a preparar um recurso para o Tribunal de Justiça Europeu com o intuito de anular da decisão.

A Convenção sobre a Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa – conhecida apenas como Convenção de Berna –, em vigor desde 1982, consiste num tratado internacional do Conselho da Europa no domínio relativo à protecção da natureza. Embora abranja grande parte do património natural do continente europeu, há quatro países africanos que também subscreveram o documento (Burkina Faso, Marrocos, Senegal e Tunísia).

De acordo com o comunicado, cinco países votaram contra a proposta de redução da protecção do lobo: Reino Unido, Mónaco, Montenegro, Albânia e Bósnia-Herzegovina. A Tunísia e a Turquia abstiveram-se. Um grupo de trabalho foi criado para discutir as alterações necessárias para a mudança do lobo do Apêndice II para III – um tema que deverá ser debatido esta quarta-feira à tarde.

Como os lobos são protegidos na União Europeia ao abrigo da Directiva Habitats, esta alteração na Convenção de Berna vai implicar uma mudança subsequente na própria directiva. Ainda não está claro como esta operação vai ser feita do ponto de vista jurídico nem as implicações em cada um dos Estados-membros.

“Congratulamo-nos com a notícia de que a proposta da União Europeia foi recebida positivamente como uma iniciativa para equilibrar a conservação e a gestão das espécies. É importante salientar que isto representa uma oportunidade para que a Directiva Habitats tenha em conta este êxito em matéria de conservação. Ainda existem alguns obstáculos jurídicos, mas agora é possível ultrapassá-los”, observou Laurens Hoedemaker, presidente da Federação Europeia dos Caçadores, num comunicado.

Esta alteração da Directiva Habitats é uma experiência inédita. “Isto é algo que não sabemos realmente como vai ser feito. É a primeira vez, desde que a Directiva Habitats entrou em vigor, em 1992, que uma decisão como esta é tomada”, afirmou o biólogo Juan Carlos Blanco, especialista da Iniciativa para os Grandes Carnívoros na Europa (LCIE, na sigla em inglês), numa entrevista ao PÚBLICO.

A LCIE é um grupo de especialistas da União Internacional para a Conservação da Natureza dedicado aos lobos e outros predadores de topo. A organização já havia manifestado, há algumas semanas, “preocupação” com a proposta da União Europeia. Para os investigadores, a redução genérica da protecção do lobo no continente “não parece justificada” à luz da ciência.

“A LCIE não se opõe ao rebaixamento do estatuto de protecção de espécies (ou populações). No entanto, a proposta actual levanta sérias questões, nomeadamente à luz do importante princípio de que as decisões sobre a conservação e gestão da vida selvagem sejam baseadas em ciência sólida, e não (apenas) em razões políticas”, lê-se no comunicado divulgado pelo grupo de especialistas em Novembro.

A Suíça já havia apresentado em 2022 uma proposta semelhante à da União Europeia, ou seja, em prol do rebaixamento da protecção do lobo no continente. Contudo, nessa ocasião, a proposta foi rejeitada.

Em 2019, a Noruega também tentou alterar o estatuto de protecção do ganso-de-barbicha (Branta leucopsis) do Anexo II para o Anexo III da Convenção de Berna. A proposta também foi declinada.