Biblioteca Municipal Raul Brandão: Sombra Silêncio

“A promoção da leitura e das literacias não são questões do passado; são centrais no presente e serão fundamentais no futuro.”

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A Biblioteca Municipal Raul Brandão ocupa a histórica Casa dos Carneiro, edifício do século XIX que pertenceu à família vimaranense Semães. Situada no coração do centro histórico de Guimarães, classificado como Património Mundial pela UNESCO, a biblioteca foi inaugurada a 7 de março de 1992, em homenagem ao escritor Raul Brandão, que viveu na cidade entre 1886 e 1901.

Atualmente, a biblioteca desenvolve uma ampla variedade de atividades para diferentes públicos. A chefe de Divisão de Bibliotecas, Juliana Fernandes, destacou algumas iniciativas: “Para as famílias, temos o Sábado Mágico, um programa de animação continuada que promove ações de promoção da leitura, aliando o livro às artes, ao conhecimento e ao convívio entre gerações.” Juliana realça o Convence-me – Festival de Leitura, uma colaboração com a Rede de Bibliotecas Escolares de Guimarães que visa estimular hábitos de leitura e desafiar os alunos a “convencerem o público a ler um livro à sua escolha, através de argumentos e estratégias originais”. Além disso, há também A Semana Concelhia da Leitura, uma iniciativa que envolve todas as bibliotecas dos agrupamentos de escolas, “desenvolvendo ações de promoção da leitura com um tema comum”, e os Instantes Criativos, uma competição que desafia os alunos a criarem microtextos e ilustrações, valorizando formas de expressão literária e artística.

Para a comunidade em geral, a Biblioteca Municipal Raul Brandão organiza, durante o mês de março, o Húmus Festival Literário, que se “assume como um momento marcante de celebração da vida e obra de Raul Brandão”, explica a chefe de divisão. Juliana finalizou com a referência ao Bibliocafé, que leva livros a diversos locais, nomeadamente cafetarias e hospitais, promovendo a aproximação ao mundo da leitura, e ao BibDrive, um serviço para empréstimos de livros ao domicílio. “Entendemos que aqueles que, por diferentes condicionalismos, têm mais dificuldade em aceder às estruturas de leitura, deveriam ter as mesmas oportunidades”, acrescentou Juliana, que fundamenta a sua filosofia profissional na seguinte frase: “‘Um homem, quando não procura um livro, ou é porque não tem dinheiro, ou porque não está perto dele’. A frase não é minha, mas li-a há algum tempo e, para mim, é uma filosofia que aplico na minha prática profissional”.

A sugestão de leitura foi Sombra Silêncio, uma obra do professor Carlos Poças Falcão, que tive o prazer de conhecer e com quem troquei impressões durante a minha visita à biblioteca.

“É o meu primeiro e talvez único livro em que não pensei de antemão na estrutura. Ou seja, é uma coletânea de poemas; os outros que tinha publicado até aqui tinham realmente toda essa ideia de coesão e de coerência interna, um fio condutor muito bem pensado. Este reúne poemas que fui escrevendo ao longo do tempo e que nunca foram integrados em livro, e por isso não têm aquela coesão interna dos outros. Mas, surpreendentemente, reconheço que tenho a minha voz, que lhe dá também um fio de unidade”, explica o professor.

– E encontrar uma voz às vezes é tão difícil… – observei.

– Sobre essa questão de encontrar a voz, há uma coisa interessante: desde a adolescência, como qualquer adolescente, tive os meus derrames poéticos. Simplesmente ia escrevendo poemas, mas tudo soava a falso. Até que um dia escrevi um poema que constitui o primeiro poema do meu livro Número Perfeito. E, uma vez terminado aquele poema pequeno, de dez versos apenas, disse: ‘É isto, está aqui a minha voz, o meu estilo, o meu modo de fazer poesia’. Senti essa perceção perfeitamente nítida e, a partir daí, realmente, com variações formais, segui sempre essa voz.

– E o título Sombra Silêncio?

– Um título parece uma coisa simples, mas é sempre algo complicado. Eu tinha um poema com este título e achei que ia de encontro à minha postura essencial, não só perante a poesia, mas também perante o mundo e à minha autorreflexividade existencial, que é na verdade o de ‘sombra’. Não no sentido negativo de escuridão, mas no sentido de recato, frescura, abrigo, paz e silêncio que se interligam. Além de que tem uma certa sonoridade que, para um poeta, vale sempre muito.

É um privilégio ouvir o poeta explicar a sua obra e a voz.

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Carlos Poças Falcão DR

Eis o poema que dá o título ao livro:

O fotógrafo esquece (não precisa de lembrar) / que a luz satura o mundo. / Os corpos e as paisagens revelam-se-lhe expostos / e mesmo a opacidade (luminescência interna) / é feita para os olhos, num aparecer de formas, / de sombras e desejo.

Mas se a foto escreve luz, já a luz escreve sombra. / A própria fotografia é ao modo de uma sombra / sombra que se solta como folha de um outono.

Fotografar as sombras é uma arte de mistérios: / a imagem não suporta demasiada luz / e a escuridão profunda não se deixa imaginar.

O fotógrafo trabalha num recorte de penumbras / captando (capturando) espectros luminosos, / silêncios fugidios, movimentos, corpos tensos / expostos numa sombra de uma sombra de uma sombra.

Como não nos fascinar com as palavras, os seus significados e os sentimentos que transmitem? Como podemos não ler?

Em Guimarães, conversei ainda com Adelina Pinto, vereadora da Educação. “Hoje, contrariamente àquilo que as pessoas muitas vezes imaginam, as bibliotecas são lugares que continuam a ter um papel crucial, apesar de termos tudo num ecrã. Acredito que são cada vez mais importantes e não podem ser substituídas por nenhum ecrã. A promoção da leitura e das literacias não são questões do passado; são centrais no presente e serão fundamentais no futuro. O nosso trabalho, enquanto políticos e, no meu caso, como vereador responsável pela área das bibliotecas e da educação, é investir na leitura e nas literacias”, expôs a vereadora no seu gabinete, diante de uma estante repleta de livros.

A autarca mostrou-se ainda muito preocupada com a “proliferação de demagogia e fake news”, que considera estarem relacionados com o fato de muitas pessoas não lerem ou lerem de forma superficial. “As escolas fazem o seu trabalho, mas não basta. Não podemos abandonar as escolas à sua sorte, deixando que cada uma decida o que é importante. Temos de formar cidadãos, e a alfabetização é absolutamente essencial para o futuro. Por isso, as bibliotecas municipais devem trabalhar de forma próxima e em rede com as bibliotecas escolares, garantindo que todas as crianças do nosso território tenham acesso à leitura e aos livros. É por isso que estamos constantemente a abrir novas bibliotecas escolares e a equipar todas as escolas de Guimarães com estas instalações. As crianças e jovens passam muito tempo na escola, e a biblioteca deve ser um espaço de lazer onde as crianças possam explorar livremente os livros e os recursos disponíveis”, prosseguiu.

A oratória foi outra das temáticas abordadas por Adelina Pinto: “O vocabulário dos jovens é frequentemente pobre; sem a leitura, não é possível enriquecê-lo. E a leitura não pode ser deixada ao acaso. O trabalho técnico das bibliotecas, como o catálogo e os empréstimos, já é estável e funcionam bem. A prioridade agora é abrir as portas ao território, promovendo diversos tipos de literacia, seja de informação, tecnológica, visual, entre outras, e assim ultrapassar os perigos da desinformação e demagogia. E é por isso que reconhecemos a importância de abrir estas portas à população adulta, muitas vezes pouco qualificada, que necessita de acompanhamento para se adaptar aos novos tempos. É para toda esta população que mantemos as nossas portas abertas, fortalecendo assim o papel de cidade educadora”, terminou.

A propósito do testemunho de Adelina Pinto, finalizo com o poema Manifesto mínimo, sugerido por Carlos Poças Falcão:

Neste humanismo abafa-se – e não sem um tremor armamo-nos dos verbos de um programa insubmisso:

calar e apagar, desconectar, desaparecer.

Manda a democracia que falemos? Nós calamos.

Exige o espectáculo mais brilho? Apagamo-nos.

Devemos estar em rede e ao serviço? Desligamo-nos.

A Coisa Absurda chama-nos? Ah, não comparecemos!

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O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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