Como se filmou Senna, a série mais vista na Netflix este fim-de-semana

Série luxuosa da Netflix é a maior aposta brasileira da plataforma de streaming, que reconstruiu carros e simulou corridas icónicas da Fórmula 1. Vitórias, polémicas e amores recuperados.

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Gabriel Leone como Ayrton Senna na série Senna da Netflix Alan Roskyn/Netflix
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O minuto inicial do primeiro episódio de Senna não deixa mentir – esta é uma das grandes apostas da Netflix não apenas no Brasil, mas um pouco por todo o mundo. O logótipo do gigante do streaming foi reformulado especialmente para a série, com o "N" vermelho acoplado ao farol de um carro de corridas e o seu característico som de "tudum" misturado com o ronco de um motor.

Esse detalhe, somado à opulência do que se vê em cena logo em seguida, traduzem o investimento feito no projecto e que a empresa não costuma divulgar. Não se gastou pouco para narrar a história de um dos maiores ídolos do desporto brasileiro, Ayrton Senna.

Carros da Fórmula 1 foram cuidadosamente recriados, sets de filmagem foram erguidos no Brasil, na Argentina e no Uruguai, e uma equipa de efeitos visuais espalhada pelo mundo foi convocada para trabalhar as cenas de corrida, replicando a adrenalina que este desporto exige.

"Este é um projecto que acalentamos há anos, porque era nosso desejo produzir uma obra brasileira que tivesse uma repercussão gigante em todo o mundo, a maior do nosso audiovisual", disseram os produtores Caio e Fabiano Gullane numa rápida pausa durante as filmagens no Autódromo de Buenos Aires, em Agosto do ano passado.

"Cada projecto é um protótipo, e este é ainda mais, por causa das dimensões", acrescentaram os produtores frente a uma dúzia de jornalistas brasileiros, latinos e europeus. "É uma série que vai levar a cinematografia e o talento audiovisual do brasileiro e dos sul-americanos para fora".

As cenas gravadas naquele dia eram corridas que pretendem fazer as vezes de grandes prémios disputados por Senna em 1990 nos autódromos de Villeneuve, no Canadá, de Silverstone, em Inglaterra, e de Spa-Francorchamps, na Bélgica. O circuito de Interlagos também está incluído nestes planos de filmagens. Todos os circuitos são recriados numa mesma pista graças aos vários ecrãs verdes que a cobriam, possibilitando à equipa de efeitos visuais alterar a vegetação, as bancadas e as placas dos patrocinadores.

Posicionado perto de uma curva do autódromo, o grupo de jornalistas acompanhou a rodagem de uma cena de ultrapassagem. Os roncos altos dos motores chegavam primeiro à área de segurança até que, por alguns poucos segundos, era possível avistar os dois carros de Fórmula 1 a enfrentar-se perigosamente, a cerca de 300 quilómetros por hora. O duelo repetiu-se várias e várias vezes, até se conseguir o take perfeito.

Meses de planeamento

A concepção da cena, porém, não foi feita à mesma velocidade. O realizador Vicente Amorim contou, quando já tinha finalizado os seis episódios da série, que cada corrida foi projectada plano a plano, com cerca de um ano de antecedência. Um rascunho digital era criado no computador para que departamentos como o de direcção de arte e de efeitos visuais estivessem alinhados, cientes do que seria feito no local e do que entraria na fase de pós-produção.

"Assim, o cheiro de borracha queimada fica no ecrã", diz Amorim. "Nada foi feito na base da tentativa e erro, houve muito planeamento e trabalho. O que dá autenticidade às corridas é o facto de que todas aconteceram realmente. Os carros estavam na pista e, em pano de fundo, outros carros eram [depois] inseridos digitalmente."

Ayrton Senna festeja vitória no Mónaco em 1993 STRINGER / REUTERS
Piloto brasileiro era conhecido por dar atenção aos mais pequenos detalhes Luciano Mellace / REUTERS
Ayrton Senna seguido de perto por Michael Schumacher e Hakkinen Toshiyuki Aizawa / REUTERS
Com o rival Alain Prost, no ano em que o francês deixou a Fórmula 1 Stringer / REUTERS
Ayrton Senna era um dos pilotos mais rápidos com condições atmosféricas adversas Russel Boyce / REUTERS
Ayrton Senna registou 65 pole positions e venceu 41 corridas ao longo da carreira na Fórmula 1 Reuters Staff / REUTERS
Piloto venceu Mundial de pilotos por três vezes Mal Langsdon / REUTERS
Estado do veículo de Ayrton Senna após colisão no Grande Prémio de São Marino em 1994 Str OLD / REUTERS
Funeral do piloto realizou-se em São Paulo Stringer / REUTERS
Pais e irmã de Ayrton Senna ao lado do caixão do piloto Stringer / REUTERS
Equipa do Corithians entrou em campo com réplicas do capacete de Ayrton Senna para marcar o 20.º aniversário da morte do piloto Bruno Kelly / REUTERS
Fã de Fórmula 1 brasileiro fez tatuagem em memória do piloto Alessandro Garofalo / REUTERS
Lewis Hamilton usou capacete com as cores do de Ayrton Senna Action Images
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Ayrton Senna festeja vitória no Mónaco em 1993 STRINGER / REUTERS

A busca pelo actor que seria Ayrton Senna também foi demorada. Acabou nas mãos de Gabriel Leone, que coincidentemente saltou da rodagem de outro filme sobre automobilismo, Ferrari, o seu primeiro trabalho internacional, para a filmagem de Senna. Mas se no set estrangeiro ele pôde aprender o básico da condução de carros de corrida, nesta rodagem da Netflix não pôde acelerar — por questões de segurança.

Nos planos abertos, os carros são guiados por duplos. Nos fechados, Leone está no banco do piloto e, com um painel de LED ao fundo, finge que conduz. Mas o faz-de-conta foi o menor dos seus problemas. O actor passa boa parte da série de capacete e precisou de usar apenas o olhar que espreita pelo visor para expressar sentimentos como tensão, alegria, fúria, medo, tristeza e frustração.

"Foi um grande desafio, mas enquanto actor foi algo maravilhoso. Os 'close-ups', os olhos, são o coração das corridas. Por isso prestei muita atenção nos olhos do Ayrton [durante o processo de pesquisa], porque é ali que está a essência dele", diz Leone.

Essência que foi capaz, entre os anos 1980 e 1990, de unir brasileiros e muitos mais espectadores mundo fora frente à televisão. Como poucos, Senna foi quase uma unanimidade, capaz de levar um desporto de elites para os lares de brasileiros de qualquer classe social, credo, cor, género e região. Segundo Leone, Senna estreia-se num momento em que o Brasil precisa novamente de se unir, de se encontrar enquanto um só povo. "Ele foi uma grande unanimidade brasileira, o nosso grande ídolo, para além do desporto. Pensando a nível político-social, em tudo o que nós vivemos nos últimos tempos, ele é uma figura para relembrarmos."

Menos testosterona

Mesmo que Senna tenha feito ondular a bandeira do Brasil em todos os cantos do país, o automobilismo não vive exactamente uma onda de popularidade entre os brasileiros — ao contrário do que sucede no resto do mundo. Assim, para ganhar tracção no grande público brasileiro, Senna teve de mergulhar nos dramas pessoais do protagonista.

Trouxe também personagens como o locutor Galvão Bueno, a irmã Viviane Senna, os compatriotas Nelson Piquet e Rubens Barrichello, o rival Alain Prost e os amores Lilian Vasconcelos, Xuxa Meneghel e Adriane Galisteu.

Para essa área mais pessoal, Amorim teve a ajuda de Júlia Rezende, co-realizadora que diminuiu a testosterona da série. Há grande destaque para o primeiro casamento do piloto, bem como para os relacionamentos com as duas apresentadoras de televisão. Também entrou em cena uma jornalista para guiar toda a trama, interpretada pela inglesa Kaya Scodelario.

Ao longo do processo de pesquisa, Amorim e Rezende tiveram ajuda de Viviane Senna e de outros membros da família, que estiveram envolvidos na série desde a fase inicial. Questionado sobre se a proximidade não atrapalhara, o realizador afasta a ideia, porque não houve imposição de "amarras" por parte da família.

Tanto no set de filmagem, quanto neste momento de lançamento, porém, a preocupação da equipa em ressaltar o lado heróico, de colar à série a aura de grande homenagem ao tricampeão da Fórmula 1, é evidente. Ainda assim, há espaço para vermos um Senna temperamental, impulsivo, por vezes arrogante. Para Leone, não poderia ser diferente. "Na trajectória do herói, se ele não tem falhas, pontos de contacto com a humanidade, ele distancia-se das pessoas. Entra num lugar hierárquico que está acima. Ayrton era o oposto disso. Ele era absolutamente humano, e acho que, para além das vitórias, era isso que nos aproximava dele."

A Folha de S. Paulo viajou a convite da Netflix

Exclusivo PÚBLICO/Folha de S. Paulo

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