Rússia diz que há uma tentativa de revolução na Geórgia. UE admite sanções contra Governo

Milhares de pessoas protestaram no sábado pela decisão de adiamento de negociações de adesão à UE.

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Milhares de pessoas saíram à rua para protestar contra a decisão do Governo de adiar negociações para adesão à UE Irakli Gedenidze / REUTERS
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Dmitry Medvedev, responsável pela segurança russa, disse, este domingo, que está a decorrer uma tentativa de revolução na Geórgia, onde eclodiram protestos contra a decisão do Governo de suspender as conversações sobre a adesão à União Europeia. Por seu lado, a chefe da diplomacia europeia, Kaja Kallas, admitiu sanções ou outro tipo de penalizações contra o Governo da Geórgia pela violência policial dos últimos dias. Na mesma linha segue Ursula von der Leyen, que deixa a porta "aberta" para que Tbilissi retome as negociações de adesão à UE.

O antigo Presidente russo Dmitry Medvedev afirmou, através do Telegram, que a Geórgia está “a seguir rapidamente o caminho da Ucrânia, em direcção ao abismo escuro. Normalmente, este tipo de coisas acaba muito mal.”

Já neste domingo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, através das redes sociais lamentou que o actual Governo georgiano tenha congelado as negociações de adesão à UE pelo menos até 2028. “Lamentamos que a liderança georgiana se tenha afastado da União Europeia e dos seus valores. A UE apoia o povo da Geórgia e a sua escolha de um futuro europeu. A porta da UE continua aberta. O regresso da Geórgia ao caminho da UE está nas mãos da liderança georgiana”,escreveu a responsável europeia.

A nova representante da diplomacia europeia, Kaja Kallas, admitiu também neste domingo aplicar sanções contra a Geórgia pela repressão dos protestos pró-europeus nas últimas noites. “No que respeita à Geórgia, a União Europeia está, obviamente, ao lado do povo georgiano na sua escolha do futuro europeu. É evidente que o recurso à violência contra manifestantes pacíficos não é aceitável e que o Governo da Geórgia deve respeitar a vontade do povo georgiano, mas também a Constituição da Geórgia”, declarou a alta representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Kaja Kallas, de acordo com a agência Lusa.

Kaja Kallas disse ainda que, “claramente, o Governo da Geórgia não está a respeitar a vontade do povo no que diz respeito ao futuro europeu, e não se pode deixar passar isso”.

O primeiro-ministro da Geórgia, Kobakhidze, rejeitou as críticas que já chegaram também de representantes norte-americanos.

“Apesar da violência sistemática mais pesada aplicada ontem pelos grupos violentos e pelos seus instrutores estrangeiros, a polícia actuou a um nível mais elevado do que a polícia americana e europeia e conseguiu proteger o Estado de mais uma tentativa de violação da ordem constitucional”, afirmou numa conferência de imprensa, sem apresentar provas de envolvimento estrangeiro, diz a Reuters.

Luta interna

A tensão que se vive na rua é reflexo da disputa interna entre o primeiro-ministro e a Presidente. O primeiro-ministro da Geórgia, Irakli Kobakhidze, afirmou no domingo que a Presidente Salome Zourabichvili terá de abandonar o cargo no final do seu mandato, este mês, apesar de ter declarado que se recusaria a fazê-lo.

A Presidente Salome Zourabichvili, que se opõe ao Governo e apoia a adesão à UE, mas cujos poderes são principalmente cerimoniais, disse que não deixaria o cargo quando o seu mandato terminasse, no próximo mês, porque o novo parlamento era ilegítimo e não tinha autoridade para nomear o seu sucessor.

O Sonho Georgiano obteve quase 54% dos votos nas eleições de 26 de Outubro, derrotando uma oposição que diz que a votação foi manipulada. Tanto o partido no poder como a comissão eleitoral da Geórgia afirmam que as eleições foram livres e justas. Os países ocidentais apelaram a uma investigação.

"Não haverá Maidan na Geórgia”

O partido no poder fez campanha para manter o país em paz e acusa a oposição de tentar arrastar a Geórgia para uma guerra com a Rússia, em nome do Ocidente.

O primeiro-ministro Kobakhidze acusou os opositores à suspensão da adesão à UE de estarem a planear uma revolta, à semelhança dos protestos de Maidan, na Ucrânia, em 2014, que depuseram um Presidente pró-russo.

“Algumas pessoas querem que esse cenário se repita na Geórgia. Mas não haverá Maidan na Geórgia”, disse Kobakhidze.

A imprensa georgiana noticiou que os diplomatas mais graduados do país nos Estados Unidos, Itália, Países Baixos e Lituânia se demitiram em protesto contra a suspensão das conversações com a UE.

Mais de 200 diplomatas no activo assinaram uma carta aberta condenando a posição do Governo. Centenas de funcionários dos ministérios da Defesa, da Justiça e da Educação da Geórgia, bem como do banco central também assinaram cartas abertas condenando a decisão de congelar as negociações de adesão à UE.

Kobakhidze confirmou que o embaixador em Washington faz parte do grupo de diplomatas de alto nível que se demitiram. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Geórgia afirmou, em comunicado, que os Estados estrangeiros estavam a tentar “interferir no funcionamento das instituições de um Estado soberano”, o que era inaceitável.

Milhares nas ruas em protestos

No domingo, pela quarta noite consecutiva, a capital da Geórgia foi palco de uma manifestação e havia notícias de que a oposição à decisão do governo de suspender as negociações de adesão à União Europeia se estava a espalhar por todo o país.

No dia anterior, a polícia de choque respondeu disparando canhões de água e gás lacrimogéneo contra as multidões. As manifestações foram de longe as maiores desde que o partido no poder, cada vez mais antiocidental, foi reeleito no mês passado, numa votação que a oposição pró-UE diz ter sido manipulada.

A certa altura, deflagrou um pequeno incêndio no edifício do parlamento, possivelmente provocado por fogo-de-artifício. Os manifestantes queimaram uma efígie do homem mais rico da Geórgia, o fundador do partido no poder, Bidzina Ivanishvili, nas escadas do parlamento.

Os meios de comunicação social georgianos noticiaram outros protestos em vilas e cidades de todo o país.

No sábado, o primeiro-ministro Irakli Kobakhidze acusou a oposição pró-UE de estar a planear uma revolução. O Serviço de Segurança do Estado afirmou que os partidos políticos estavam a tentar “derrubar o Governo pela força”.

O país, que foi durante muito tempo um dos Estados mais firmemente pró-ocidentais a emergir do desmembramento da União Soviética, mas que ultimamente se tem aproximado da órbita de Moscovo, entrou em crise na quinta-feira, quando o partido no poder, o Sonho Georgiano, declarou que ia suspender as conversações de adesão à União Europeia nos próximos quatro anos. Acusou a UE de estar a chantagear a Geórgia.

A adesão à UE é um tópico popular e consensual na Geórgia, que tem o objectivo de aderir ao bloco consagrado na sua Constituição.

Em frente ao edifício do parlamento da capital, onde as bandeiras da UE e da Geórgia estavam penduradas lado a lado, a manifestante Tina Kupreishvili disse que queria que a Geórgia mantivesse o seu compromisso constitucional de adesão à UE.

“O povo da Geórgia está a tentar proteger a sua Constituição, a tentar proteger o seu país e o Estado, e está a tentar dizer ao nosso Governo que o Estado de direito é tudo”, disse à Reuters.

O Ministério do Interior afirmou no sábado ter detido 107 pessoas na capital, Tbilissi​, durante um protesto na noite de sexta-feira, em que os manifestantes construíram barricadas ao longo da Avenida Rustaveli e lançaram fogo-de-artifício contra a polícia de choque, que utilizou canhões de água e gás lacrimogéneo para os dispersar.

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