Sara Ocidental: Marrocos expulsou 300 jornalistas, juristas e activistas em dez anos

Chegaram de 21 países para observar julgamentos, escrever notícias, filmar documentários ou recolher dados. As autoridades marroquinas não permitiram a sua presença.

Foto
professor universitário japonês Akihisa Matsuno DR
Ouça este artigo
00:00
03:14

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

É cada vez mais difícil obter informação verdadeiramente independente sobre o que se passa no Sara Ocidental marroquino – Sara ocupado, para os independentistas; províncias do Sul, chama-lhes Rabat. Os jornalistas estrangeiros já quase deixaram de tentar viajar para a região, tal é a rapidez com que costumam ser expulsos, e quem tenta quebrar o bloqueio a partir de dentro enfrenta assédio e ameaças.

Há quase dez anos, os Repórteres Sem Fronteiras descreviam a situação nos territórios sob ocupação como um “deserto de notícias” e “um deserto para o jornalismo”, considerando que tentar ser jornalista no Sara Ocidental era um “acto de heroísmo” e denunciando a “perseguição e a repressão constante” dos sarauís que tentavam “fazer um jornalismo fora do domínio oficial marroquino” e que eram “frequentemente condenados a longas penas de prisão”. A situação não melhorou.

Entrar no Sara Ocidental não é difícil só para jornalistas: segundo um levantamento feito por uma associação francesa que será apresentado na 48ª Conferência Europeia de Apoio e Solidariedade com o Povo Sarauí (EUCOCO), que se realiza sexta-feira e sábado em Lisboa, desde 2014 foram expulsas do território disputado pelo menos 300 pessoas oriundos de 21 países, incluindo Portugal.

Para além destas expulsões, houve 19 pessoas em trânsito para o Sara que foram obrigadas a deixar Marrocos e há pessoas e organizações que estão simplesmente banidas, incluindo sete grandes organizações não-governamentais de seis países (entre elas a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional) e o próprio Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos (ou qualquer equipa do seu gabinete), “a quem Marrocos negou [este ano] o acesso pelo novo ano consecutivo”, nota o dossier compilado pela AFASPA (Associação Francesa de Amizade e de Solidariedade com os Povos de África).

No período analisado, a investigadora e activista dos direitos dos sarauís Isabel Lourenço foi expulsa dos territórios ocupados por Marrocos desde 1975 pelo menos duas vezes, uma quando tinha uma acreditação de observadora de uma fundação espanhola para assistir a um julgamento, outra quando se preparava para visitar presos político. A portuguesa é investigadora do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto e já esteve diversas vezes no território, ao mesmo tempo que participou na elaboração de relatórios sobre o impacto da ocupação nas crianças ou a situação dos presos políticos.

Entre jornalistas, principalmente franceses e espanhóis, também já foram expulsos vários grupos de jovens e estudantes universitários (dezenas deles noruegueses, muitos dinamarqueses e suecos, mas também norte-americanos e canadianos) ou até eurodeputados. E claro, muitos investigadores como Isabel Lourenço, que para além do seu trabalho académico também abraçaram a causa da autodeterminação sarauí.

Foi o que aconteceu em 2017 ao professor universitário japonês Akihisa Matsuno, que o PÚBLICO entrevistou em Lisboa, onde se encontra para participar na EUCOCO. Depois de uns dias em Marrocos, Matsuno e a sua mulher, a também investigadora Kiyoko Furusawa, viajaram para o Sara Ocidental e após apenas um dia foram obrigados a entrar num avião no aeroporto de El Aiún, a principal cidade da região, depois em Casablanca, e de novo ainda em Paris, no aeroporto Charles de Gaulle, onde estiveram sempre vigiados até serem conduzidos à porta de embarque do voo que os levaria a Tóquio, momento em que lhes foram devolvidos os passaportes apreendidos no aeroporto de El Aiún.

Sugerir correcção
Comentar