O bom, o mau e os vilões do acordo sobre financiamento da COP29

Ninguém sai satisfeito da cimeira do clima de Bacu, pela falta de ambição no financiamento e na forma como os países poderão coordenar acções rumo ao abandono dos combustíveis fósseis.

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Mukhtar Babayev, presidente da COP29, foi um dos protagonistas do falhanço diplomático do Azerbaijão na cimeira do clima deste ano Maxim Shemetov / REUTERS
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A cimeira do clima da ONU (COP29), que teve lugar em Bacu, no Azerbaijão, conseguiu chegar ao esperado acordo sobre o financiamento do clima na madrugada de domingo, após duas semanas de negociações tensas e já mais de 30 horas depois do prazo.

Os diferentes documentos aprovados, em particular a meta de financiamento, não deixaram ninguém satisfeito, seja pela falta de ambição nos valores - uma "COP do financiamento" em que só se falou de dinheiro na recta final -, seja pela falta de clareza sobre como os países poderão coordenar acções rumo à “transição para o abandono dos combustíveis fósseis”.

Quem sai particularmente mal na fotografia é a diplomacia do Azerbaijão, que assumiu a presidência desta COP29. Acusada inicialmente de uma gestão algo trapalhona, acabou a ser acusada de favorecer determinados grupos de países durante o processo, em detrimento das nações mais pobres e menos desenvolvidas.

A esperança agora está posta no Brasil, anfitrião da COP30, que terá lugar no próximo ano em Belém, em plena região amazónica. Por agora, contudo, é ainda preciso digerir as decisões difíceis que foram aprovadas nesta cimeira do clima de Bacu.

O que era esperado?

O principal ponto da agenda da cimeira era a definição do Novo Objectivo Colectivo Quantificado (NCQG, na sigla em inglês), que substituiria a actual meta em vigor, de 100 mil milhões de euros por ano - um valor definido em 2009, na COP15 de Copenhaga, que foi considerado um dos grandes falhanços na história das conferências do clima e não resultou sequer num acordo final por consenso.

Na agenda estavam também decisões sobre o objectivo global de adaptação (a capacidade de os países se prepararem para o impacto das alterações climáticas), os mercados de carbono, o plano de trabalho sobre mitigação (as acções necessárias para reduzir a emissão de gases com efeito de estufa), o programa de trabalho para a transição justa, os passos a seguir na sequência do balanço global (GST) aprovado no Dubai e ainda a renovação do programa de trabalho sobre igualdade de género.

Uma nota sobre o contexto: a COP deste ano foi a terceira consecutiva a realizar-se num país produtor de combustíveis fósseis e com má reputação em matéria de direitos humanos. O Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, chegou mesmo a afirmar perante os líderes mundiais presentes (em menor número do que o habitual) que os recursos de petróleo e gás eram “uma dádiva de Deus”. Tudo isto no rescaldo das eleições norte-americanas que elegeram Donald Trump, politico que prometeu voltar a retirar os EUA do Acordo de Paris.

O que é que foi aprovado?

A primeira ronda de aplausos no plenário de encerramento da COP29 foi para a aprovação dos acordos sobre as regras para mercados de compra e venda de créditos de carbono, previstos nos artigos 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris, e que estava a ser preparado desde 2021, quando o processo arrancou oficialmente na COP26, em Glasgow.

Também o acordo para estender por mais dez anos o programa de trabalho de Lima, dedicado à igualdade de género, arrancou aplausos, depois de vários dias de discussões em que algumas partes mais conservadores, como a Arábia Saudita, países africanos e a representação da Santa Sé, tentaram retirar “linguagem do século XXI” (na expressão do comissário europeu Wopke Hoekstra).

O plenário aprovou ainda mais orientações sobre a definição de indicadores para avaliar os progressos no sentido do Objectivo Global de Adaptação.

O que falhou?

A COP29 conseguiu estabelecer um objectivo de 300 mil milhões de dólares (cerca de 290 mil milhões de euros) por ano até 2035, com os países desenvolvidos a assumirem a liderança e os países em desenvolvimento (subentenda-se China e países produtores de petróleo) a serem incentivados a fazer contribuições numa base voluntária. Este valor poderá ser proveniente de uma grande variedade de fontes, públicas e privadas, bilaterais e multilaterais, incluindo “fontes alternativas”, como instrumentos de troca de dívidas.

O problema? Muitos países em desenvolvimento (e também analistas económicos) vêm há vários anos a alertar que esses montantes são demasiado baixos e que há espaço orçamental para subir a fasquia. Não há sequer garantias dadas pelos países ricos (incluindo os da União Europeia e os EUA) de que os 300 mil milhões serão sob a forma de subvenções, em vez de empréstimos que afundam ainda mais estes países em dívidas. Foi ainda definido um montante de 1,3 biliões de dólares (cerca de 1,25 biliões de euros) que se espera serem “mobilizados” no total, incluindo investimento privado, e que será ainda trabalhado no chamado “Roteiro de Bacu a Belém para 1.3T”.

No encerramento da COP29, foram ainda aprovadas as orientações sobre futuros diálogos globais e eventos centrados no investimento no âmbito do Programa de Trabalho sobre Mitigação, mas sem referências aos combustíveis fósseis ou uma linguagem mais clara em relação à transição para energias renováveis.

“Gostaríamos de ter visto mais ambição na vertente da mitigação, mas tal não foi possível face ao bloqueio dos países produtores de combustíveis fósseis. Ainda assim, não retrocedemos e conseguimos manter vivas as metas alcançadas na COP28, que são uma base para futuras negociações”, afirmou a ministra do Ambiente e Energia Maria da Graça Carvalho, num comunicado enviado no domingo.

O que ficou para a próxima COP?

Não foi possível chegar a acordo sobre o diálogo relativo à aplicação dos resultados do balanço global (GST) e sobre o programa de trabalho para uma transição justa - ambas as decisões ficarão para a COP30, em Belém, com as respectivas negociações a prosseguir nas sessões técnicas dos chamados órgãos subsidiários, em Bona (Alemanha), no final da Primavera.

Entretanto, em Fevereiro de 2025, chega ao fim o prazo dado aos países para apresentarem os seus planos climáticos até 2035, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês). Esse processo sai prejudicado pela incapacidade de definir em Bacu os passos a seguir pelos países para abandonar os combustíveis fósseis e triplicar a capacidade de produção de energia renovável nesta década.

A ministra brasileira do Ambiente, Marina Silva, foi uma das vozes que ao longo da última semana tomou a dianteira para reclamar mais ambição. Em declarações na noite de sábado, reforçou a importância de os países entregarem planos robustos e suficientemente ambiciosos para “lidar com um dos maiores desafios da humanidade”.