Um buraco peculiarmente grande apareceu nas nuvens perto da fábrica russa Norilsk Nickel, um dos maiores produtores mundiais de níquel e um grande poluidor do ar. O cientista Velle Toll ficou intrigado com as imagens de satélite, mas não perdeu muito tempo a pensar no assunto. No entanto, à medida que o investigador e um seu aluno de pós-graduação analisavam mais dados, repararam noutros buracos estranhos nas nuvens – todos em redor de grandes instalações industriais poluentes.
Mais de três anos depois, Velle Toll e os seus colegas descobriram o mecanismo que conduz a esses buracos: a neve.
Especificamente, as partículas de poluição das fábricas de metal e das centrais eléctricas actuam como sementes que ajudam o gelo a formar-se nas nuvens, participando no início da queda de neve e na formação de buracos. Estas nuvens de gelo induzidas por poluentes são também mais finas, cobrem menos área e reflectem menos luz solar para o espaço – afectando potencialmente, pelo menos, os ambientes locais, segundo um estudo publicado na revista Science.
A equipa encontrou plumas únicas de nuvens de gelo perto de 67 fábricas de metal e cimento, fábricas de papel e centrais eléctricas na América do Norte, Europa e Ásia, nomeadamente no Canadá e na Rússia.
“Foi surpreendente que ninguém tivesse descoberto este fenómeno. Não é assim tão raro”, afirma Toll, autor principal do estudo. Embora até ele admita que foi um “golpe de sorte” o facto de se ter apercebido do estranho avistamento.
Inicialmente, estava a analisar imagens de satélite para estudar a forma como a poluição das fábricas e dos navios afecta as nuvens, que são normalmente constituídas por gotículas líquidas. Investigações anteriores mostravam que os poluentes industriais tendem a aumentar o número de gotículas líquidas nas nuvens, tornando-as mais brilhantes e aumentando a luz solar que é reflectida para o espaço. Alguns chegaram mesmo a lançar esta ideia de aumento do brilho das nuvens como uma forma de combater as alterações climáticas e arrefecer a Terra.
Mas a investigação sobre a forma como estes poluentes promovem o gelo nas nuvens é menos sólida.
A teoria científica e as medições laboratoriais indicam que podem iniciar a formação de gelo, mas ninguém descobriu provas observacionais directas deste processo – até agora.
Quando Velle Toll percebeu que estes buracos mereciam um estudo mais aprofundado, o investigador e a sua equipa recorreram a 21 anos de imagens de satélite e a dados de radares meteorológicos terrestres. Pesquisaram centenas de milhares de imagens para identificar buracos nas nuvens perto de pontos quentes industriais. Os dados de satélite permitiram identificar se as nuvens tinham líquido ou gelo, enquanto os dados terrestres podiam indicar a queda de neve.
Toll explica que tiveram de utilizar uma abordagem “à moda antiga” para inspeccionar manualmente todos os dados, em vez de um algoritmo de aprendizagem automático; não tinham dados para treinar o software, uma vez que se tratava de uma descoberta tão recente.
Em todos os pontos quentes industriais, a equipa descobriu que as nuvens aumentavam a acumulação diária de neve até 15 milímetros – o suficiente para cobrir uma pequena cidade, disse Toll.
A queda de neve, explicou Toll, está relacionada com os poluentes industriais. Num ambiente sem indústrias ou poluição humana, as gotículas líquidas das nuvens são arrefecidas a temperaturas inferiores a zero graus Celsius. Acrescente-se a poluição de indústrias de metais ou minerais e isso pode iniciar a formação de cristais de gelo. À medida que os cristais de gelo crescem, consomem as gotículas de líquido na nuvem. Se crescerem o suficiente, neva. Os poluentes que ajudaram a formar a neve também caem com os flocos.
Segundo Toll, nem todos os poluentes são boas partículas formadoras de gelo, mas é necessária mais investigação para descobrir quais os que desempenham um papel mais importante.
As partículas de gelo também alteraram as propriedades das nuvens. Enquanto as gotículas líquidas tornavam as nuvens mais brilhantes, o estudo mostrou que as nuvens de gelo reflectiam menos 13,7% da luz solar e absorviam mais radiação infravermelha.
Velle Toll explicou que os cristais de gelo são maiores do que as gotículas líquidas e não reflectem tanta luz solar, pelo que a nuvem parece “mais escura”. Este facto pode diminuir o arrefecimento observado pelas nuvens líquidas, afirmou.
Depois de a neve ter caído, as nuvens também ficaram mais pequenas, aumentando a quantidade de luz solar que chega à superfície. A equipa descobriu que a cobertura de nuvens perto destes pontos quentes industriais era cerca de 8,3% menor e 18% mais fina. O estudo revelou apenas efeitos locais na entrada da luz solar, mas seria necessário observar alterações em maior escala para se verificar um impacto climático mais alargado.
“Embora este estudo mostre que as plumas serão afectadas, não é de todo claro que os efeitos observados nessas plumas se repercutam em escalas espaciais maiores, onde o clima poderá ser afectado”, comenta Joyce Penner, cientista atmosférica da Universidade de Michigan que não participou no estudo.
O cientista atmosférico Yuan Wang, que também não participou no estudo, disse estar surpreendido com o facto de os autores conseguirem identificar com precisão os pontos quentes de aerossóis industriais e associá-los à formação de nuvens de gelo.
“Este estudo faz avançar a nossa compreensão, ao ilustrar que tipos de aerossóis produzidos pelo homem podem servir como partículas que ajudam na formação de gelo e onde encontrá-los”, disse ainda Wang, professor na Universidade de Stanford. Segundo este cientista, o estudo também revela outro processo que deve ser considerado nos modelos meteorológicos e climáticos.
Os modelos devem ter em conta “os efeitos das actividades humanas na precipitação, na radiação e nas previsões climáticas”.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post