Somos apenas tipos calmos

O meme parece esconder uma tristeza muito particular. Trata-se de uma tristeza que vai sendo descoberta por todos nós à medida que vamos vivendo, e que advém de uma incapacidade de fazer.

Foto
Meme Just a Chill Guy DR
Ouça este artigo
00:00
03:29

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

É provável que já tenhas visto o meme I’m Just A Chill Guy (Sou apenas um tipo calmo). Com adesão eminentemente masculina, anda a dominar a Internet. Acredito que o domínio esteja para acabar, porque tudo o que está aqui é de existência efémera. Já estamos habituados. Não nos podemos afeiçoar a nada.

O cão veste-se como um jovem adulto banal: camisola indistinta, calças para todos os dias e ténis já gastos e vistos. As mãos, que são patas, nos bolsos, porque está na boa; trata-se de um tipo calmo, quase nonchalant, que é indiferente a tudo. Diz-se que representa, quase na perfeição, os homens da era digital – isto, de acordo com os próprios homens que tentam perceber quem são e o que querem, enquanto passam os dias a fazer scroll incessantemente, absorvendo e muitas vezes recusando as suas próprias emoções.

O meme não tem como falhar. E é de criação simples. Basta pegar na ilustração do cão, que é da autoria de Phillip Banks, colá-la a um qualquer ambiente (é indiferente, precisamente!), e adicionar uma versão do tema Hanuki Wood, de Gia Margaret. Depois, basta pensar numa frase que demonstre um episódio simultaneamente abstracto e próprio, e tem-se um plano de um homem, aparentemente tranquilo, que não quer saber de nada.

Um exemplo: "Quando já estás atrasado para o trabalho, não sabes das chaves, tens 5% de bateria no telemóvel e a tua namorada grita contigo porque fazes sempre isto, mas és apenas um tipo calmo, que, por vezes, se esquece das coisas."

Trata-se de um meme, mas reúne em sim uma relevância muito particular, porque, como muitos outros memes, expõe comportamentos humanos, revelando a forma como os homens querem ser percepcionados – entre eles e pelas mulheres.

A ilustração tem um ano (foi partilhada pelo autor em Outubro de 2023), mas ganhou uma segunda vida quando um certo TikToker editou um vídeo que foi amplamente recebido, reproduzido vezes sem conta – e adaptado. Foi ele quem juntou o cão ao piano de Gia Margaret e preparou um pequeno áudio inspirado na voz de Brian Griffin, o cão da família Griffin em Family Guy (um personagem que, por coincidência ou não, também se mostra muito blasé).

O TikToker perdeu rapidamente a propriedade do meme. A forma espalhou-se por todos os cantos da Internet e é usada para sinalizar uma certa maneira de estar comum aos homens em diversos momentos do dia-a-dia e fases de vida. Agora, o meme é de todos, e todos são este cão de ar despreocupado. Ou então desejam ser como ele: indiferente a tudo, às coisas boas e às coisas más, sobretudo às coisas más, porque tudo o que existe é finito e passageiro, porque não vale muito a pena pensar sobre o que nos afecta ou inspira, e porque a vida custa menos quando a ignoramos.

Usado como arma de motivação e exercício para a paz, o meme parece esconder uma tristeza muito particular, o que não surpreende. Trata-se de uma tristeza que vai sendo descoberta por todos nós – e não apenas pelos homens – à medida que vamos vivendo, e que advém de uma incapacidade de fazer.

Ora, não somos os primeiros a encontrar benefícios no estoicismo, nem seremos os últimos a julgar que essa corrente simplifica a nossa existência. Em todo o caso, sabemos bem que nem sempre a vida se vive com as mãos nos bolsos – num ou noutro momento, claro que sim! Mas, já que nos deram mãos, devemos fazer alguma coisa com elas. De que nos vale saber o nosso próprio sentido da vida se ficamos especados a olhar para a passagem do tempo?

Não te importes muito com isto. Também eu sou apenas um tipo calmo, que procura respostas, mas que se distrai facilmente com o telemóvel.

Sugerir correcção
Comentar