Andy Mann: “O meu trabalho é atingir os decisores no coração” para proteger o oceano

Através de documentários, Andy Mann quer ajudar as pessoas a construírem uma ligação com os oceanos. O seu trabalho já ajudou a criar reservas marinhas, incluindo nos Açores e nas Selvagens.

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Andy Mann é um homem em missão: ele quer ajudar a criar reservas marinhas nos vários oceanos do planeta. O primeiro grande sucesso do realizador de documentários e fotógrafo norte-americano veio em 2013, quando venceu o Prémio Bússola de Cristal, da Sociedade Geográfica da Rússia, pelo papel que teve na criação do parque nacional da Terra de Francisco José, um arquipélago russo em pleno Árctico.

Encontramos Andy Mann na Madeira, onde foi convidado para filmar a pequena colónia de lobos-marinhos (Monachus monachus) que habita a ilha das Desertas, a convite do hotel Reid’s Palace, que tem uma parceria com o Instituto das Florestas e Conservação da Natureza para a protecção daqueles animais (ver reportagem).

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O fotógrafo Andy Mann nas ilhas Desertas, no arquipélago na Madeira

Nascido na Virgínia, o norte-americano tinha uma paixão pelo oceano e chegou a estudar biologia marinha durante alguns anos. Mas acabou por se mudar para o Colorado, onde se apaixonou pela escalada. Nesse contexto, começou a filmar os amigos e a criar documentários, até ser convidado pela National Geograhic para fazer a importante reportagem sobre a Terra de Francisco José. “Foi aí que se fechou um círculo na minha vida e encontrei um propósito para o meu trabalho”, explica ao PÚBLICO.

Desde então, o fotógrafo da National Geographic não parou de ganhar prémios e registar imagens dos oceanos e do trabalho dos biólogos marinhos que, longe dos olhos do mundo, vão estudando a vida marinha. É com esse material que vai produzindo documentários e fotografias para mostrar o universo azul que existe na Terra, tão longe da maioria das pessoas, com o objectivo de desencadear movimentos de protecção das regiões marinhas. Já conseguiu sucessos no Pacífico, nas ilhas Selvagens, Madeira, e nos Açores.

A próxima viagem e documentário são na Antárctida, onde também quer criar uma reserva marinha: “É isso que as histórias podem fazer, mantêm estes assuntos relevantes.”

Qual a importância de fazer documentários sobre os oceanos?
A questão acerca do oceano é que ele está fora da nossa vista. As pessoas não vêem o que se passa e decididamente não vêem o que acontece abaixo da superfície, a não ser que as pessoas que estão lá documentem isso. As imagens destes locais são importantes porque na maior parte dos casos é a única forma de alguém ter uma ligação emocional com o lugar. Isso é que é importante, é trazer estas histórias às pessoas para elas criarem uma ligação. Ao longo dos anos, tornei-me mais estratégico na forma de contar as histórias, ao tentar mostrar sempre o lado mais instigante da história. Essa é a minha ferramenta, contar a história da forma mais eficaz.

E como é que se é eficaz?
Trabalhando com especialistas em política da conservação, as pessoas que sabem como é que se constroem áreas de protecção marinhas e de espécies. Isso faz-se a partir de leis, tratados, decretos, convénios, que são os diferentes mecanismos para proteger o planeta. O meu objectivo é ter uma vitória na conservação da natureza. No final das contas, do que vou ter mais orgulho no futuro é de quantas campanhas em que estive envolvido com as minhas histórias levaram a criar zonas de protecção permanentes. Para isso, trabalho com especialistas em política de conservação e especialistas em campanhas, e sou parceiro com organizações não governamentais em todo o mundo. Para saber o que se passa, estou constantemente a ter reuniões com ministros, presidentes e primeiros-ministros e a compreender quais são as suas ambições, as suas vontades políticas, e a ver, a partir do meu ângulo, como posso ajudar a criar os recursos que são necessários para ajudar a chegar a iniciativa a bom porto.

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O fotógrafo Andy Mann com uma fotografia sua de um lobo-marinho por trás

Qual é o papel dos seus documentários nesse processo?
Às vezes, começo por documentar o que os biólogos de campo estão a fazer nos estudos e sondagens iniciais de uma área que queremos proteger, fazendo um documentário para eles. Antes de os financiadores ou de as grandes expedições de mergulho estarem envolvidos, há sempre alguém no campo a compreender aquele local. Essa é a informação que vai ser usada para informar onde é que um novo parque marinho deverá ir e qual é o estudo de base daquele parque, para depois podermos comparar e perceber se ele está a tornar-se mais saudável ou necessita de mais gestão. Além disso, é um grande serviço que se faz a estes biólogos, porque ninguém está lá a documentar o trabalho de campo. E assim eles podem usar esta ferramenta para obter financiamento, reportar aos seus financiadores, educar, fazer campanhas.

Depois, durante este processo, a fase seguinte é ou enfeitar a lapela de um governo [com um novo parque marinho] ou responsabilizá-lo [por ainda não o ter criado]. Por isso, eu vou e filmo um lugar lindíssimo, falo com todas as partes envolvidas, fico a conhecer as histórias, faço uma grande conferência de imprensa, convido a comunicação social e fico simplesmente a manter a chama viva. É isso que as histórias podem fazer, mantêm estes assuntos relevantes. Enquanto as pessoas se preocuparem e partilharem e isso fizer parte da conversa, a minha câmara irá sempre ter um poder.

Parece que desenvolveu uma técnica…
Sim. Algumas vezes tento apenas obter uma entrevista com um decisor político, para que ele avance com compromissos à frente da câmara, e responsabilizá-lo por isso. De certa forma, é lamentável, mas há aquela expressão [nos Estados Unidos] que diz que “a roda que guincha mais é a que tem de levar o lubrificante”. Os políticos estão atarefados, os legisladores estão atarefados, estão a lidar com questões de educação, saúde, de infra-estruturas para a economia. Quando é que vão ter tempo para pensar no oceano? Se houver gente suficiente a visitar-nos, a envolver-se e a questionar sobre o oceano, então o tema vai para o topo da sua lista.

E nesse processo procura que o documentário mantenha o fascínio pela natureza ou está apenas preocupado com a eficácia para atingir o seu objectivo?
Ambas as coisas. Acho que, de uma forma natural, toda a gente se importa com o planeta e quer fazer o que é certo. Para muitos decisores, as propostas que eles vêem são tabelas, gráficos e dados científicos, o que os atinge no cérebro. O meu trabalho é atingi-los no coração, fazer abrir o coração deles. É uma via diferente. O que tento fazer é inspirá-los e mostrar-lhes o que está em risco, a beleza que existe debaixo de água, o quão único isso é para a sua cultura, a sua história e a sua economia azul. E esperar que eles sintam algum tipo de ligação e se apercebam da grande importância que [o oceano] tem.

Que sucessos já obteve?
A minha primeira grande vitória na conservação foi o meu primeiro artigo na National Geographic. Fomos até à Terra de Francisco José,[um arquipélago na Rússia], fizemos um documentário para a National Geographic, escrevemos um artigo para a revista, criámos muitos activos para a campanha. Depois, um ano mais tarde, a Rússia anunciou o maior parque nacional do Árctico do mundo, que abrange todo o arquipélago. Nós fomos premiados com o Prémio Bússola de Cristal da Sociedade Geográfica da Rússia pelas narrativas que produzimos.

Ajudei a criar o maior parque marinho interconectado do mundo, transfronteiriço entre o Panamá, as Galápagos, o Equador e a Colômbia. É muito grande porque tentámos criar quatro áreas marinhas protegidas que partilham fronteiras, porque os peixes não conhecem fronteiras, não sabem quando estão a entrar ou a sair de um parque.

Tenho estado a trabalhar muito na Macaronésia. Trabalhei numa campanha em 2015 para criar a maior reserva marinha protegida do Atlântico Norte à volta das ilhas Selvagens. E na semana passada, os Açores anunciaram a segunda maior série de parques marinhos no Atlântico Norte. Andei a trabalhar nisso nos últimos oito anos.

Nos Açores, qual foi o seu papel?
Nos Açores filmei a expedição que a Fundação Oceano Azul fez e os primeiros estudos de base cuja informação foi usada na proposta, que resultou agora na protecção [da área marinha] quase dez anos depois. Por isso, fizemos um filme para a National Geographic que passou na televisão nacional em Portugal. Fiz vários pequenos filmes para as redes sociais e para comunicados de imprensa. Criei todo um pacote para a expedição, porque há muitas formas diferentes das pessoas absorverem histórias hoje em dia.

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O fotógrafo da National Geographic Andy Mann

Há um sentido de urgência, dado a rapidez do que está a acontecer em termos de alterações climáticas e da perda de biodiversidade. Acha que o seu trabalho faz diferença?
Espero que o meu trabalho faça diferença. Há uma porta escancarada e é responsabilidade de todos de se envolverem na questão das alterações climáticas e da protecção do planeta, com o que cada um tiver para oferecer. Para mim, isso é contar histórias, fazer filmes e fotografar, e é isso que eu posso trazer para ajudar. A conservação está a acontecer cada vez mais. Está a tornar-se um tema maior, isso dá-me esperança: que as pessoas comecem realmente a importar-se com isto. Mas este é o momento. De certa forma, é um privilégio estar vivo agora, porque hoje sabemos o que está a acontecer ao nosso planeta. Mesmo há 25 anos, a compreensão do nosso impacto não estava tão bem fundamentada como agora. Apesar de estarmos atrasados na protecção do planeta e da situação ser grave, é também entusiasmante porque agora percebemos cada vez mais acerca do nosso impacto e do que é preciso fazer.

Qual vai ser a sua próxima missão?
O que penso que seria o maior acto de conservação na história humana seria criar uma área protegida à volta da península da Antárctida. Esse é realmente o último reino selvagem da Terra. E apesar de haver um Tratado da Antárctida que protege a terra, não há nada a proteger o mar à volta e a maioria dos animais da Antárctida são animais marinhos. Esta é a minha segunda viagem à Antárctida que vai decorrer em Dezembro, e estive a trabalhar nesta campanha para proteger a península da Antárctida ao longo de sete ou oito anos. Vou navegar pela passagem de Drake com um grupo de documentaristas. Vamos passar duas semanas a filmar e produzir imagens daquele ambiente em mudança. Depois, quando voltarmos, vamos reunir-nos com estrategos de campanhas, decisores políticos e começar a construir estas histórias para atingir os legisladores.

Que imagens quer captar na Antárctida?
Adoro estar na água com focas-leopardo, filmar as belas colónias de pinguins, cujas populações estão a começar a diminuir, os lindíssimos icebergues. Estou à procura da calma, da misteriosa e gelada paisagem da Antárctida, que me enche a alma. De alguma forma, não sei o que vou captar. Enquanto contador de histórias, acredito que é a história que deve surgir em ti e não a partir de ti. Quanto mais expectativas e imagens tiver na mente, mais estarei a criar a história. Por isso, vou para lá com os olhos e ouvidos abertos e à procura daquilo que realmente me fizer sentir algo.

O PÚBLICO viajou a convite do hotel Reid's Palace.