O que será o Hamas pós-Sinwar

Analistas apontam dois cenários: uma rendição dos combatentes em Gaza, considerada menos provável, ou a continuação da luta com uma substituição da liderança. Mas o movimento não vai acabar.

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Criança com imagem de Yahya Sinwar em manifestação em apoio de Gaza (e do Líbano) em Amã, na Jordânia Jehad Shelbak / REUTERS
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A morte do líder do Hamas, considerado o cérebro dos ataques de 7 de Outubro, Yahya Sinwar, permitiu a Israel apresentar, mais de um ano depois de 7 de Outubro, uma vitória. Isso não significa, no entanto, que possa dizer que cumpriu o objectivo declarado de “acabar com o Hamas”.

Ainda assim, a morte de Sinwar, que era o chefe da Faixa de Gaza e ainda, desde Agosto, de todo o movimento, é um duro golpe para o Hamas, já que ele era um comandante no terreno, um estratega, e um líder simbólico com importância para além de Gaza.

A “colmeia” da liderança do Hamas está agora bastante vazia, com a morte não só de Sinwar, mas também dos dois comandantes militares: Mohammed Deif e Marwan Issa, como disse Michael Milshteino, israelita especialista em Hamas, à emissora norte-americana CNN. Apesar disso, a hipótese de o movimento simplesmente reconhecer uma derrota e de se render na Faixa de Gaza “é o cenário menos provável” para o especialista do Instituto para Política e Estratégia da Universidade Reichman.

O mais provável é que seja encontrada uma nova liderança, estando na linha de sucessão, em Gaza, o irmão de Sinwar, Mohammed, que, no entanto, é um comandante militar e não um estratega como era Sinwar e que, por isso, assumirá provavelmente o poder apenas no território. Para a liderança política, é mais provável alguém que viva no Qatar, que poderia ser Khalil al-Hayya, o “número dois” do gabinete político, da linha de Sinwar (mais intransigente nas negociações, mais próximo do Irão), ou Khaled Meshaal, um antigo líder (e que antes disso sobreviveu a uma tentativa de envenenamento da Mossad), considerado mais pragmático, e que não defende a aproximação ao Irão.

O que quer que aconteça, no entanto, “não podemos esperar, ou até sonhar, que haja um desmoronamento total” do Hamas, declarou Milshtein, desta vez ao Washington Post.

Uma morte em combate

Khalil al-Hayya foi quem fez nesta sexta-feira a declaração oficial do Hamas sobre a morte de Sinwar: “O comandante Yahya Sinwar encontrou a glória como mártir, destemido até ao último momento da sua vida.” Quanto a um acordo com Israel, Al-Hayya disse que os reféns só voltariam a Israel “depois do fim da agressão contra Gaza, de uma retirada completa e da libertação dos nossos prisioneiros”.

O responsável do Hamas referia-se a imagens de um drone israelita, que captou os últimos momentos da vida de Sinwar – num sofá, numa casa destruída cheia de pó, ferido depois de atingido, sem uma mão, a cara coberta, mas ainda atira um pau contra o drone que faz o reconhecimento do local.

O político palestiniano Mustafa Barghouti chamava a atenção para o potencial desta imagem numa entrevista com Christiane Amanpour na CNN, dizendo que Israel pretendia uma “fotografia de vitória” mas acabou por mostrar um combatente que não desistiu.

“Ele não estava a esconder-se num túnel como Israel dizia, não estava no meio de civis palestinianos, fazendo deles escudos humanos, nem de reféns israelitas. Ele estava a lutar, e essa imagem vai transformá-lo num herói para a maioria dos palestinianos e a maioria dos árabes”, declarou Barghouti, um político crítico do Hamas e da Fatah e que já foi candidato presidencial.

Alguns analistas israelitas dizem que é possível um vácuo, em que alguns habitantes de Gaza se oponham ao Hamas e que líderes locais venham a ganhar poder. Mas o movimento continua a ter potencial para dificultar a tarefa de qualquer autoridade que se siga, ou até mesmo “acabar com qualquer substituto”, disse Yaakov Amidror, antigo conselheiro de segurança nacional de Israel, ao Washington Post.

“O Hamas ainda é a força mais importante em Gaza e não há outra alternativa”, resumiu Milshtein à CNN.

O próprio Sinwar poderá ter deixado alguma indicação do que deveria ser feito no caso da sua morte, especulou o analista Ahmed Fouad Alkhatib, do Atlantic Council, no site da instituição. Nos próximos dias ou semanas, as escolhas do movimento irão permitir ter uma ideia da direcção que vai tomar.

Guerrilha sem comando

Na prática, o Hamas continua a ter no terreno em Gaza milhares de combatentes que, diz a revista britânica Economist, estão no que o Exército israelita chama “modo de guerrilha”, lutando sem indicações de comandantes, porque muitos foram sendo mortos.

Além da questão de “se o sucessor de Sinwar irá querer chegar a acordo ou ‘lutar até à morte’, não é claro se um novo líder do Hamas será sequer capaz de chegar a todos os reféns e os seus captores, tomar decisões sobre isso e impedir a anarquia”, escreve Jonathan Lis no Haaretz.

O jornalista da emissora israelita Kan especialista em assuntos árabes, Roi Kais, escreveu na rede social X (antigo Twitter) que as informações do lado de Israel em relação à atitude do Hamas “não estavam a sinalizar flexibilidade”.

O mesmo do lado de Israel, disse ainda Kais, já que “não há sinais de mudança na posição de Netanyahu, quer em relação ao fim da guerra ou da retirada de Gaza”.

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