Mulheres e ambiente: há novas pistas sobre ligação com saúde e violência doméstica
Dois estudos publicados esta semana trazem novas pistas para o impacto muitas vezes esquivo do ambiente e das alterações climáticas na saúde das mulheres.
Alterações climáticas, ambiente saudável, saúde, igualdade de género – está tudo ligado. Dois estudos publicados nesta quarta-feira trazem mais dados sobre como o contexto ambiental e o impacto das alterações climáticas tem efeitos não apenas na saúde de todas as pessoas, mas especificamente na vida das mulheres.
Um estudo liderado por investigadores do University College de Londres, publicado na revista científica PLOS Climate, revelou que "choques climáticos" como tempestades, cheias ou deslizamentos de terra “têm uma associação longitudinal com a incidência de violência em relações de intimidade”.
“As ligações entre choques climáticos e a violência em relações de intimidade têm sido desafiantes de ilustrar de formas que sejam compreendidas de forma clara pelos governantes”, admitem os autores, sublinhando a importância do estudo, que traz novas provas empíricas de que os choques climáticos num determinado país estão associados à prevalência, a nível nacional, de violência física e sexual por parte de parceiros íntimos quando analisados dois anos depois.
Outro estudo publicado na quarta-feira na PLOS One traz ainda outra dimensão sobre a ligação entre um planeta estável e o bem-estar da população, em particular das mulheres. A partir da análise de dados sobre a qualidade de vida de milhares de pessoas em 35 países, um grupo de investigadores concluiu que a percepção de qualidade de vida ambiental é o maior determinante para estimar a saúde das mulheres.
Aliás, analisar a percepção sobre a qualidade de vida também nos domínios social e espiritual, além do ambiental – questões que podem ser integradas, por exemplo, nos questionários dos médicos de família –, podem ser um factor-chave para compreender a qualidade de vida e a saúde das mulheres.
Impacto pouco conhecido
É já ponto assente que as desigualdades de género têm influência na qualidade de vida das mulheres, mas quando surgem outras variáveis à mistura, como o impacto das alterações climáticas, torna-se mais complicado encontrar indicadores claros que possam servir de referência para as políticas públicas. “Apesar dos apelos para que as desigualdades de género sejam tidas em conta nas estratégias relacionadas com desastres climáticos, as provas empíricas do impacto das alterações climáticas na violência doméstica a nível global ainda são parcas”, descrevem os investigadores que analisaram a ligação entre fenómenos extremos e violência na intimidade.
Isso também se passa no cruzamento entre clima e saúde: “O impacto das alterações climáticas nas sociedades humanas é hoje bem reconhecido. Contudo, pouco se sabe sobre como as alterações climáticas mudam as condições de saúde ao longo do tempo”, lê-se no artigo científico.
Para este estudo, foram analisados, por um lado, 363 inquéritos (representativos a nível nacional) de 156 países, para estimar a prevalência da violência por parceiro íntimo. Estes dados foram analisados em comparação com os dados sobre choques climáticos da Base de Dados de Fenómenos de Emergência. Recorrendo a ferramentas estatísticas, os investigadores identificaram uma "associação desfasada" entre alguns fenómenos climáticos extremos e a violência por parceiros íntimos, ou seja, a violência ocorria dois anos após o evento climático.
Apesar de a análise conseguir inferir uma relação bastante forte entre os dois fenómenos a partir de bases de dados robustas, os investigadores notam que os dados não foram recolhidos especificamente para traçar uma relação de causalidade, pelo que devem ser usados tendo em conta essa limitação. No entanto, o facto de a relação entre os fenómenos climáticos extremos e a ocorrência de violência doméstica nos anos seguintes parecer estar em linha com uma outra relação já muito estudada, a dos factores económicos da violência, traz um grau de acrescido de segurança a estes resultados.
Ligações por descobrir
Este estudo vem juntar-se a outros que demonstram a necessidade de conhecer melhor os impactos sociais não económicos dos chamados “choques climáticos”, por forma a direccionar para estas áreas um conjunto de políticas que possam salvaguardar de forma adequada os riscos que se conhecem não apenas no curto, mas também no médio prazo.
Os investigadores defendem que é preciso uma muito maior atenção às questões de género no desenho de políticas de resposta aos desastres climáticos, tendo em conta que este efeito pode mesmo estar a anular parte do impacto positivo de medidas no terreno, caso estas ignorem a dimensão de género. “Apesar de o desenho de políticas sobre alterações climáticas sensíveis ao género estar a ser cada vez mais exigido, o progresso tem sido lento”, notam os autores.
Esta análise comprova também dados recolhidos em estudos sobre como fenómenos climáticos como ciclones, tufões e furacões, assim como cheias e deslizamentos de terra, têm impacto na prevalência de violência em relações de intimidade.
Mas não em todos os tipos de fenómenos: não foi encontrada, por exemplo, uma relação significativa da prevalência de violência doméstica com fenómenos como temperaturas extremas e ondas de calor, grandes incêndios e secas (relação que tinha sido identificada em outros estudos). Isto, contudo, pode explicar-se pelo facto de este estudo analisar uma distância temporal específica, de dois anos depois do fenómeno climático, e muitas incidências de violência doméstica manifestam-se em períodos mais curtos.
Impacto do ambiente na qualidade de vida
No estudo publicado na PLOS One sobre a ligação entre um ambiente estável e a saúde das mulheres (que é mais forte do que o impacto na saúde dos homens), a conclusão é semelhante: as ligações identificadas mostram a urgência de ter a dimensão de género em atenção no desenho de políticas públicas.
Investigadoras do Canadá e do Reino Unido analisaram dados sobre a qualidade de vida utilizando quatro inquéritos a 17.608 adultos em 35 países e concluíram que a percepção de qualidade de vida a nível ambiental é o maior determinante para estimar não apenas a qualidade de vida mas, em particular, a saúde das mulheres. Os resultados da análise, financiada pela Organização Mundial da Saúde, mostram que a qualidade de vida ambiental explica 46% da qualidade de vida e saúde global das mulheres, sendo o ambiente doméstico o que mais contribui para este resultado.
Contudo, esta percepção de qualidade de vida ambiental – ou seja, a forma como avalia aspectos como o impacto da poluição ou o acesso a espaços verdes – varia ao longo da idade: as mulheres com menos de 45 anos reportam uma qualidade ambiental bastante inferior do que as mais velhas.
“Acções ambientais de jovens adultas que chamam a atenção pública para as alterações climáticas e os danos ao ambiente podem ser motivados pela sua qualidade de vida ambiental mais pobre e incentivar o desejo de a melhorar”, escrevem. “Muito boa qualidade de vida ambiental entre as mulheres mais velhas pode explicar a razão pela qual trabalham para reter, para as futuras gerações, esta dimensão que tanto valorizam.”
Responsabilidade de ninguém?
As investigadoras lamentam que o género pareça ser “um problema de todos e uma responsabilidade de ninguém”, depois de identificarem alguma relutância das tutelas governamentais de aplicar orçamentos com uma perspectiva de género, de forma a prevenir estas disparidades.
“A qualidade de vida é profundamente afectada pela saúde, e vice-versa”, escrevem as investigadoras. E o primeiro sinal de desigualdade surge logo aí: os dados mostram que os homens, em geral, reportam uma qualidade de vida média melhor do que as mulheres.
“Cuidados de saúde neutros em termos de género é algo que não existe”, afirmava um relatório recente da Rockefeller Foundation, citado no artigo. Contudo, as tendências para diferenças fisiológicas e sociais entre homens e mulheres têm sido ignorados numa larga maioria de estudos na área da saúde (por exemplo, estudos apenas com homens que alegam resultados universais), pelo que ainda é difícil encontrar estudos - ou sequer dados - para identificar ou explicar relações de causalidade.