COP29: Congresso dos EUA quer pressionar Azerbaijão a respeitar direitos humanos
Antes da Cimeira do Clima das Nações Unidas em Baku, a repressão neste regime autoritário tem aumentado, denunciam várias fontes. União Europeia compra mais de metade do gás que o Azerbaijão produz.
Cerca de 60 congressistas norte-americanos enviaram uma carta ao secretário de Estado Antony Blinken pedindo-lhe que pressione o Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, a garantir o cumprimento dos direitos humanos no seu país e a libertar os prisioneiros políticos antes da Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP29), que decorre em Bacu, de 11 a 22 de Novembro.
A reunião anual dos signatários da Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas realiza-se este ano em Bacu, o que significa que a COP29 será uma grande montra para este país produtor de gás natural, com o qual a União Europeia reforçou os seus contratos de fornecimento de gás, após o corte com a Rússia, no seguimento da invasão da Ucrânia por Moscovo, em 2022.
O acordo é para aumentar as exportações de gás para a UE dos 11 mil milhões de metros cúbicos por ano fornecidos em 2022 para 20 mil milhões até 2027. A expectativa é que em 2024 a produção seja 10% superior à de 2022, 13 mil milhões de metros cúbicos de gás – e se conseguir chegar a esta meta, será a primeira vez que o Azerbaijão exporta mais de metade do seu gás para a Europa. Uma tomada de posição da UE seria, por isso, igualmente importante.
Em 2022, a produção de gás natural e petróleo representava 47,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do Azerbaijão e mais de 92,5% das receitas de exportação, segundo dados da Administração de Comércio Internacional dos EUA.
O objectivo do país é aumentar a produção de gás natural, embora o petróleo esteja em recuo. Em Abril, o Presidente Aliyev afirmou, numa conferência sobre a crise climática em Berlim, que o petróleo e o gás serão necessários durante "muitos mais anos". "Como chefe do país que é rico em combustíveis fósseis, é claro que vamos defender o direito de esses países a continuarem a investir e a produzir, porque o mundo precisa disso", afirmou num discurso. "Ter jazidas de petróleo e gás não é culpa nossa. É uma dádiva de Deus", frisou.
"Peacewashing"
Mas o Azerbaijão não é uma democracia, tem um Governo autoritário, sob as ordens do Presidente Ilham Aliyev. Em Setembro, a União para a Liberdade dos Presos Políticos do Azerbaijão anunciou uma actualização à sua lista: há 319 pessoas detidas por delitos de opinião, mais 16 do que em Junho.
São bem conhecidas prisões e outras medidas de repressão contra a população arménia. Após a tomada total e dissolução do enclave de Nagorno Karabakh, que incluiu o encerramento do corredor de Lachin, a única ligação que permitia a entrada de civis e bens naquele território em 2023, juntamente com bombardeamento intensivo. Houve uma fuga em massa dos arménios de Nagorno Karabakh, por receio de limpeza étnica feita pelos soldados azeris, em que mais de 100 mil pessoas deixaram a sua casa.
Há vários relatos de detenções arbitrárias, tortura e castigos cruéis, desumanos ou degradantes dos prisioneiros e civis pelas forças de segurança. Interferência na privacidade, na liberdade de expressão e de comunicação, corrupção governamental grave, crimes contra pessoas LGBTI e trabalho infantil. Isto segundo o mais recente relatório sobre os direitos humanos no mundo do Departamento de Estado norte-americano.
Os dez senadores e 48 membros da Câmara dos Representantes instam Blinken a forçar o Azerbaijão a tomar “medidas tangíveis para aderir às leis e normas internacionais”, depois de ter assumido o controlo total da região separatista [arménia] de Nagorno-Karabakh, num conflito longo que no mais recente episódio se iniciou em 2020 e se prolongou até 2023.
"Instamos o Departamento de Estado a pressionar para que haja a libertação imediata e incondicional de todo os prisioneiros políticos, reféns e prisioneiros de guerra, incluindo de etnia arménia, para permitir que exista um ambiente mais favorável ao sucesso da diplomacia durante a COP29", lê-se na carta, citada pela Reuters.
Esta carta surge depois de um grupo de seis activistas arménios terem prestado testemunho na comissão de direitos humanos do Congresso norte-americano, em Setembro, relatando um vasto rol de abusos praticados pelo Azerbaijão e sugerindo alguns passos que os Estados Unidos poderiam dar para apoiar a Arménia e o seu povo, relata a Radio Free Europe/Radio Liberty.
O Azerbaijão quer aproveitar a cimeira do clima da ONU para apelar à paz mundial, pedindo uma trégua que se inicie uma semana antes e até uma semana depois da conferência em todas as guerras. Este posicionamento do país como amante da paz está a ser visto como um acto de hipocrisia, por causa do cadastro de incumprimento dos direitos humanos do regime e da brutalidade da guerra que iniciou em 2020 contra a Arménia, por causa de Nagorno-Karabakh.
“O Azerbaijão quer apresentar-se como um pacificador. Mas isto contrasta fortemente contra o historial do país de agressão militar, abusos de direitos humanos e violações da lei internacional, que o fazem enfrentar acusações de genocídio. O Azerbaijão está a usar a COP29 para fazer ‘greenwashing’ e ‘peacewashing’ da sua imagem global, quando na verdade ainda tem ambições de expansão do território”, escreveu no site The Conversation Brian Brivati, professor na Universidade de Kingston, no Reino Unido, especialista em direitos humanos.
Detenção sem julgamento
Com a aproximação da COP29, intensificou-se também a repressão de activistas, sejam eles de causas ambientais ou outras, e também de jornalistas, têm denunciado várias organizações.
A Federação Europeia de Jornalistas denunciou em Agosto a prisão de 23 jornalistas e trabalhadores de meios de comunicação presos de forma injustificada no Azerbaijão.
A Human Rights Watch denuncia a detenção (prolongada) ou condenação de pelo menos 31 jornalistas independentes, activistas da sociedade civil e académicos durante o último ano no Azerbaijão, “ao abrigo de várias acusações criminais falsas”. Quase todos continuam detidos, embora não tenham sido julgados – e não serão sujeitos a julgamento nem libertados antes da COP29.
“Na esperança de evitarem exames minuciosos, esperam que não ter de julgar nenhum destes processos antes de terminar a COP29”, disse à Radio France Internationale (RFI) Ibad Bayramov, filho do economista Gubad Ibadoghlu, professor na London School of Economics e crítico do poder de Bacu, preso quando durante uma visita à família, na capital azeri, a 23 de Julho de 2023.
“O processo do meu pai foi deliberadamente suspenso, enquanto outros viram as detenções provisórias a que estão sujeitos prolongadas até depois da COP29”, acrescentou. É acusado de “fabrico de moeda falsa e extremismo”. A Amnistia Internacional diz que são manifestamente acusações falsas, represálias pelo seu trabalho de luta contra a corrupção e críticas ao regime azeri. Mas o economista de 53 anos arrisca uma pena de 17 anos de prisão.
A prisão de Gubad Ibadoghlu foi aparatosa. Carros da polícia chocaram contra a viatura em que seguia o economista tiraram-no à força do automóvel. Esteve preso sem acesso a água potável durante nove meses, sem alimentação correcta e suficiente, nem cuidados médicos ou medicamentos, contou o seu filho à RFI.
Graças à pressão internacional, acabou por sair da prisão em Abril de 2024 ara ficar em prisão domiciliária. “Mas sofre de uma doença cardíaca e precisa de uma cirurgia que não se faz no Azerbaijão”, disse Zhala Bayramova, também filha de Ibadoghlu.
Activistas de temas ambientais têm sentido a mão pesada das autoridades durante o último ano. Em Junho de 2023, habitantes de Soyudlu, no Ocidente do Azerbaijão, manifestaram-se contra a poluição tóxica de uma mina de ouro e os planos para constituir um repositório ao ar livre de resíduos mineiros. A polícia antimotim acabou violentamente com o protesto, ferindo centenas de pessoas, relatou a HRW. Durante várias semanas, a polícia restringiu o acesso a esta localidade, expulsou jornalistas e confiscou-lhes os telefones.
A COP29 é uma montra para o regime, mas pode ser também uma montra para os activistas contra o regime, por isso Anar Mammadli, um defensor dos direitos humanos com longos anos de actividade, criou a Iniciativa pela Justiça Climática para exigir liberdades civis e justiça ambiental no Azerbaijão, diz a HRW. Mas foi detido em Abril passado, dois meses depois de criar este organismo, sob a acusação de “conspiração para introduzir ilegalmente dinheiro no país”, e pode ser condenado a oito anos de prisão, segundo a RFI – mas não foi julgado também.
Reduzir combustíveis fósseis? Não...
“Não se pode subestimar o potencial efeito dissuasor da resposta do Governo às poucas iniciativas de activismo climático”, diz a HRW. “Quem se atrever a criticar a indústria de combustíveis fósseis, quando esta garante mais de metade do rendimento nacional, assume enormes riscos”, sublinha o grupo de defesa dos direitos humanos com sede nos Estados Unidos.
O Azerbaijão é anfitrião da COP29, e apresentou em Setembro o seu programa e 14 iniciativas para a conferência. Mas não menciona aquilo que foi um marco da conferência do ano passado, nos Emirados Árabes Unidos: foi a primeira vez que os países concordaram em mencionar a redução do uso dos combustíveis fósseis – e não o fim, essa distinção é muito importante.
Este documento foi revelado dias depois de terem sido dados a conhecer os patrocinadores da COP29, entre os quais se encontra SOCAR Green – uma empresa subsidiária da petrolífera estatal do Azerbaijão, conhecida por fazer essencialmente “greenwashing”, ou dar um "verniz" de ecologia a iniciativas que de ecológicas pouco têm.
“A presidência da COP29 está a causar sérias preocupações quanto a ter qualquer compromisso sério com a transição energética. Ao anunciar o braço de fazer greenwashing da SOCAR como patrocinador da COP29 e apresentar 14 iniciativas que evitar qualquer menção de combustíveis fósseis e põem em segundo plano o compromisso de triplicar as energias renováveis [até 2030], o Azerbaijão demonstra de novo ignorância e falta de liderança”, afirmou Andreas Sieber, director-adjunto da organização 350.org.