XEC: há uma nova variante do SARS-CoV-2 que se poderá tornar dominante nos próximos meses
O país regista, em média, entre 40 e 60 casos diários de covid-19. O PÚBLICO reuniu algumas perguntas (e respostas) sobre a situação actual em Portugal e no mundo.
Depois de Portugal ter registado uma onda de casos de covid-19 na Primavera/Verão, a média de casos diários tem vindo a diminuir desde meados de Agosto (e continua com uma tendência decrescente). Mas o Inverno está aí à porta e há já uma nova subvariante do SARS-CoV-2 – é a XEC – que os especialistas prevêem que se possa tornar dominante nos próximos meses.
Anos após ouvirmos falar dos sintomas da covid-19, das medidas de protecção e das variantes, será que algo mudou? A vacina que está a ser administrada aos grupos de risco confere protecção contra a variante que domina actualmente no país? O PÚBLICO reuniu as respostas a estas perguntas (e algumas outras) sobre a covid-19 em Portugal e no mundo.
O número de casos de covid-19 tem vindo a aumentar nas últimas semanas?
Não. Portugal registou uma onda de casos de covid-19 que começou no princípio de Maio e se prolongou até meados de Agosto, com um pico no princípio de Julho – altura em que o país tinha, em média, cerca de 400 notificações de casos de covid-19 por dia.
O número de casos foi diminuindo entre meados de Agosto e Setembro e, actualmente, regista-se uma média de 40 a 60 casos por dia no país. “Neste momento, estamos em fase descendente e as taxas de variação diária [dos casos de covid-19] continuam ligeiramente negativas, o que quer dizer que continuamos a descer”, começa por explicar ao PÚBLICO Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências (FCUL) da Universidade de Lisboa.
No entanto, Carmo Gomes alerta que estas são apenas “as notificações dos casos conhecidos”, ou seja, das pessoas que fazem testes e que reportam a informação às autoridades de saúde ou que são hospitalizadas. Trata-se, portanto, de uma “grande subestimação”. “Acredito que para termos uma ideia da realidade teríamos, no mínimo, de multiplicar estas notificações por dez”, diz o epidemiologista.
Luís Graça, professor de Imunologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL) e investigador do Instituto de Medicina Molecular (IMM), confirma que, “neste momento, estamos numa situação em que não há um impacto significativo do vírus em circulação e, por isso, é o momento adequado para nos prepararmos [através da vacinação] para um expectável aumento de circulação do vírus que acontece habitualmente quando há maior população em ambientes fechados e no Inverno”.
E os óbitos?
O número de óbitos por covid-19 em Portugal teve um pico em Julho, altura em que se registaram entre dez e 14 mortes por dia. Neste momento, os óbitos diários rondam os dois a quatro.
Segundo Carmo Gomes, estima-se que em Portugal já morreram aproximadamente 29 mil pessoas por covid-19 desde o início da pandemia. “É claro que agora morre muito menos gente do que morria em 2021. Mas continua a morrer gente, nomeadamente pessoas mais idosas.”
Que subvariantes do vírus circulam e qual é a dominante?
A onda entre Maio e Agosto foi dominada por uma subvariante do SARS-CoV-2 chamada “KP.3.1.1”, “que dominou em praticamente todo o mundo” e que continua a dominar.
Tal como em Portugal, os outros países registaram também uma onda na Primavera/Verão, embora os picos tenham ocorrido em alturas ligeiramente diferentes, mas sempre dominados por variantes que começavam por KP, explica Carmo Gomes. “Começou pela KP.1, depois apareceram a KP.2 e a KP.3 – e esta última teve uma descendente, a tal KP.3.1.1, que acabou por ser a mais dominante em todo o lado”, diz o epidemiologista, salientando que todas estas subvariantes são Ómicron. “Estas KP vieram substituir uma outra Ómicron, que era a JN.1, que tinha causado a onda de Inverno [do ano passado].”
O relatório mais recente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa), divulgado na semana passada, destaca que “a notificação de casos de infecção por SARS-CoV-2 estabilizou”. “Entre as semanas 32 e 35 de 2024 [referentes a Agosto], a linhagem BA.2.86 manteve-se dominante (99%), com a circulação sobretudo da respectiva sublinhagem KP.3 e descendentes, destacando-se o considerável aumento da circulação da sublinhagem KP.3.1.1 (76,2%)”, refere o relatório.
A vacina que está a ser administrada actualmente confere protecção contra a variante dominante?
A campanha de vacinação sazonal contra a covid-19 e a gripe arrancou em Portugal na sexta-feira passada, dia 20 de Setembro, nas unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e nas farmácias comunitárias para as pessoas elegíveis (a partir dos 60 anos, com doenças de risco ou profissionais de saúde, entre outros).
A Direcção-Geral da Saúde (DGS) refere, em resposta ao PÚBLICO por email, que “as vacinas contra a covid-19 [Comirnaty Ómicron JN.1] para esta campanha contêm a sublinhagem JN.1, conforme as recomendações da Agência Europeia do Medicamento”. E adianta que, “ainda no decurso da presente campanha, prevê-se a possível introdução de uma vacina que inclua subvariantes da JN.1, nomeadamente a KP.2, mediante autorização da Comissão Europeia”.
Manuel Carmo Gomes garante que as vacinas que estão agora a ser utilizadas em Portugal “reforçam a protecção contra doença grave”. “A protecção contra infecção, porém, deve ser ligeiramente inferior à vacina que inclui a KP.2, uma vez que a KP.2 está evolutivamente mais próxima da KP.3.1.1”, acrescenta o epidemiologista, salientando que, segundo os fabricantes, “não houve tempo para produzir em massa vacinas com KP.2 que estivessem disponíveis já em Setembro na Europa”.
Luís Graça, que é membro da Comissão Técnica de Vacinação, acrescenta que a vacina contra a covid-19 que está a ser utilizada, de ARN-mensageiro, “é baseada numa variante que não é a dominante neste momento”. Mas esta, frisa, “não é a primeira vez que isso acontece”. “No passado, quando a variante em circulação era a Ómicron BA.5, a vacina que foi administrada era baseada em BA.1 e BA.2, porque a evolução do vírus, por vezes, é mais rápida do que a adaptação das vacinas.”
“Aquilo que tem sido observado ao longo destes anos é que, apesar de as diferentes variantes poderem condicionar um maior escape [do sistema imunitário] à infecção propriamente dita, habitualmente a protecção que é conferida pelas vacinas contra doença grave e contra morte mantém-se mais estável, independentemente do tipo de variantes que são utilizadas na vacina e do tipo de variantes que estão em circulação”, destaca o imunologista. “É melhor as pessoas estarem vacinadas do que não estarem vacinadas e à espera que seja exactamente a vacina adequada à variante que está em circulação.”
Por sua vez, Manuel Carmo Gomes alerta que “o vírus evolui e, entre quatro e seis meses, aparece uma subvariante nova”, não havendo “maneira de fabricar vacinas que estejam mesmo em cima do acontecimento”. “A vacina normalmente é fabricada para a ‘mãe’ dessa nova subvariante que aparece. Se continuarmos a ter sorte, a nova que aparece não é muito diferente da ‘mãe’, mas isso pode acontecer.”
Porque é que só os grupos de risco são vacinados contra a covid-19?
Uma vez que a vacina contra a covid-19 não é comercializada – ao contrário, por exemplo, da vacina contra a gripe –, apenas é administrada às pessoas para as quais está recomendada.
“Tal como aconteceu no início da pandemia, em que se começou por vacinar as pessoas que tinham um risco maior de complicações e depois se alargou para pessoas sem doenças e mais jovens, também, neste momento, nos reforços da vacina a prioridade é dada às pessoas que mais benefício e maior urgência têm em ser vacinadas”, explica Luís Graça.
Nos anos anteriores, após a vacinação dos grupos prioritários, a vacina contra a covid-19 foi disponibilizada às “pessoas que voluntariamente entendem que têm um benefício pessoal em serem vacinadas”, afirma o membro da Comissão Técnica de Vacinação. Mas essa, diz, é uma decisão que compete às autoridades de saúde.
A DGS destaca que “as doses de reforço contra a covid-19 são disponibilizadas aos grupos elegíveis”, sendo estes “os grupos que mais beneficiam da vacinação contra covid-19, nomeadamente para prevenção de doença grave e morte”.
Uma pessoa que não pertença aos grupos de risco mas que tenha prescrição médica pode tomar a vacina contra a covid-19?
Na resposta ao PÚBLICO por email, a DGS explica que, de acordo com a Norma n.º 08/2024, “para além dos critérios de elegibilidade mencionados, em situações excepcionais e clinicamente fundamentadas, pode haver referenciação médica, com base numa avaliação de benefício/risco análoga à das patologias de risco abrangidas pela norma”.
Após a vacinação dos grupos prioritários, a vacina contra a covid-19 será disponibilizada a todas as pessoas que a queiram tomar?
A DGS garante ainda ao PÚBLICO que está a monitorizar a evolução da campanha de vacinação sazonal e acrescenta que, caso surja “uma decisão favorável” nesse sentido, “a disponibilização de vacinas contra a covid-19 a grupos populacionais adicionais será devidamente comunicada pelos canais habituais”.
Nunca tinha tido covid-19 e fui agora infectado. Porquê?
Além do abrandar das medidas de protecção, segundo Luís Graça, “existe uma progressão dos vírus para novas variantes que, muitas vezes, estão associadas a evitar a protecção que é conferida por anticorpos que foram produzidos durante a vacinação ou durante infecções que as pessoas tiveram no passado sem saber”.
Os estudos populacionais indicam, segundo o imunologista, que mais de 90% das pessoas abaixo dos 40 anos foram infectadas pelo SARS-CoV-2, sabendo ou não que o foram. “Mas com o passar do tempo há uma diminuição da protecção dos anticorpos e há este surgimento de variantes que também conseguem ultrapassar as defesas desses anticorpos, o que faz com que vá aumentando a probabilidade de as pessoas, ao longo do tempo, passarem a ser infectadas”, explica.
Embora o risco de infecção possa aumentar, “nomeadamente em pessoas jovens que já foram infectadas ou vacinadas há muito tempo e que não tiveram reforços”, Luís Graça sublinha que “a protecção que é conferida contra doença grave é mais persistente e não varia tanto com as novas variantes, o que faz com que não haja uma recomendação de oferecer reforços a pessoas fora dos grupos que efectivamente têm um risco mais claro de poder desenvolver doença grave”.
O que poderá trazer o futuro em termos de variantes?
Manuel Carmo Gomes revela que se “perfila no horizonte uma nova variante do vírus, também Ómicron, que apareceu na Alemanha”. Chama-se “XEC” e “é um pouco diferente da KP.3.1.1, visto que tem umas mutações que aparentemente lhe estão a dar vantagem competitiva em praticamente todo o lado”.
Segundo o professor da FCUL, a XEC já circula na América do Norte, na Europa e em “todo o lado”. “Ninguém tem a certeza, mas pelo sucesso que a XEC está a ter relativamente à KP.3.1.1 é previsível que venha a ser a futura variante dominante. Se isso acontecer, a XEC provavelmente irá dominar no Inverno”, afirma o epidemiologista, embora destaque que “este vírus é cheio de surpresas”.
A Aliança Global para as Vacinas (GAVI) faz notar, numa publicação no seu site, que desde que foi registada pela primeira vez, no início de Agosto de 2024, na Alemanha e em alguns outros países europeus”, a XEC “tem continuado a espalhar-se, com mais de 600 casos identificados em 27 países da Europa, América do Norte e Ásia”. Esta é uma “variante recombinante”, diz-se, acrescentando a GAVI que as variantes recombinantes “podem ocorrer naturalmente quando uma pessoa é infectada simultaneamente com duas variantes diferentes” do SARS-CoV-2.
Embora as autoridades de saúde ainda não disponham de dados suficientes para compreender que tipo de doença a XEC é susceptível de causar, a GAVI destaca que “esta nova variante será provavelmente semelhante a outras variantes em termos da doença causada, dada a sua informação genética semelhante”.
É previsível que continuem a ocorrer ondas de covid-19 todos os anos?
Sim. Segundo Carmo Gomes, “provavelmente, no futuro próximo, vamos ter duas ondas de covid-19 por ano – uma onda de Outono/Inverno e uma onda de Primavera/Verão”. Em primeiro lugar, tal deve-se ao facto de o vírus continuar a evoluir e não dar sinais de que as suas mutações vão parar. “Está sempre a evoluir no sentido de fugir ao nosso sistema imunitário.”
Outra razão está relacionada com a imunidade contra a infecção e a concentração de anticorpos que as pessoas têm a circular no sangue. “Quando somos infectados ou vacinados, passados poucos dias, temos uma concentração muito alta de anticorpos e isso protege-nos contra a infecção – na maioria das pessoas contra reinfecção – durante três, quatro ou cinco meses. Depende um pouco do estado imunitário da pessoa, mas dá-nos uma protecção que é limitada no tempo”, explica o epidemiologista. Significa isto que, se uma pessoa for, por exemplo, infectada na Primavera/Verão, provavelmente no Outono/Inverno – se não adoptar medidas de protecção e não se vacinar – é reinfectada. A boa notícia é que as pessoas continuam com protecção contra doença grave.
Por último, entra em jogo o atenuar das medidas de protecção. “A transmissão deste vírus é dominada pela inalação de partículas que estão em suspensão no ar. Portanto, basta uma pessoa que esteja infectada falar, espirrar ou tossir para emitir partículas do vírus e, se não houver circulação do ar, outra pessoa que esteja ali naquele local, mais tarde ou mais cedo, inala o vírus pelo simples facto de respirar. E se, nessa altura, essa outra pessoa tiver a sua concentração de anticorpos muito em baixo, porque já foi vacinada ou infectada há muito tempo, inala o vírus e fica infectada e tem sintomas”, explica Carmo Gomes, salientando a importância de evitar os espaços pouco arejados.
Além disso, lamenta o especialista, a cobertura vacinal das pessoas contra a covid-19 tem vindo a diminuir, tendo ficado, na sua opinião, no ano passado, aquém do desejável.
Os sintomas da covid-19 mantêm-se os mesmos?
Carmo Gomes começa por salientar que, actualmente, os sintomas da covid-19 “variam muito de pessoa para pessoa” e dependem de vários factores, entre os quais a dose de vírus que é inalada. “Uma coisa é inalar uma dose pequenina – por exemplo, se uma pessoa tiver uma máscara, pode inalar [o vírus], mas inala uma dose muito pequena e pode nem saber que foi infectada. Se a pessoa faz uma grande inalação de vírus, pode ter sintomas muito mais agressivos.”
O epidemiologista explica que “é difícil associar cada subvariante do vírus a um conjunto de sintomas”, até porque “estão a aparecer praticamente duas novas por ano”. Mas admite que, por exemplo, a perda de olfacto e paladar “eram muito mais características das variantes de 2020, 2021 e até parte de 2022”. “A Ómicron provoca mais sintomas respiratórios, dor de garganta ou cabeça, entre outros sintomas”, diz.
No início da pandemia, explica o especialista, “conseguia-se associar sintomas às variantes, porque realmente havia características muito próprias deste vírus”. “Mas, depois, a panóplia de sintomas tornou-se muito variável e não tem havido um levantamento sistemático.”
Na resposta ao PÚBLICO por email, a DGS afirma que os sintomas principais da covid-19 “correspondem a febre, tosse, fraqueza geral ou cansaço, alteração ou perda do paladar ou olfacto, dor de garganta, dor de cabeça, dores musculares e diarreia”. “Os casos mais graves podem causar falta de ar devido a pneumonia e síndrome de dificuldade respiratória aguda, bem como outras complicações, podendo levar à morte”, acrescenta.
E o período de incubação?
A Ómicron está associada a um período de incubação do vírus “muito rápido”, de aproximadamente três dias. Já a transmissão pode ocorrer entre o terceiro e o décimo dia após a infecção. “Nós inalamos o vírus, ele penetra nas células do tracto respiratório e é muito rápido a multiplicar-se. Essa é uma das razões por que é tão difícil evitar a reinfecção – a menos que a pessoa tenha uma concentração de anticorpos no sangue muito razoável e consiga responder a esta rapidez do vírus”, explica Carmo Gomes.
A DGS confirma que o período de incubação – ou seja, o tempo entre a exposição ao vírus e o aparecimento dos primeiros sintomas – “tem sido mais curto com a variante Ómicron, variando, sobretudo, entre dois e cinco dias”.
Quanto ao período de transmissão, de acordo com a DGS, “para as variantes Ómicron regista-se maior infecciosidade até ao quinto dia de sintomas, estimando-se que diminua progressivamente após este dia”. “Mesmo que com menor probabilidade, é possível transmitir o vírus para além do período de maior infecciosidade, pelo que é fundamental manter o cumprimento das medidas básicas de prevenção e controlo de infecção, e utilização de máscara com bom ajuste facial na presença de outras pessoas até, pelo menos, dez dias desde o início de sintomas.”
Como surge a imunidade contra doença grave?
A imunidade contra doença grave é um “outro tipo de resposta imunitária” que evita que o vírus se espalhe pelos órgãos internos. “Mas esse tipo de resposta imunitária – a que chamamos “imunidade celular” – leva, no mínimo, cinco dias”, afirma Carmo Gomes.
O epidemiologista salienta que “não há evidência de que a patogenicidade do vírus esteja a diminuir ou a aumentar” e acredita que “aquilo que determina a gravidade da infecção é o sistema imunitário, o estado de saúde da pessoa, a dose de vírus que foi inalada, a idade e todos aos factores de risco”. Ainda assim, alerta que “este vírus continua a ser uma roleta russa” e “é extremamente perigoso”.
Que medidas de protecção devemos então adoptar?
Além de evitar espaços fechados e pouco arejados, Carmo Gomes sublinha que, quando a pessoa sabe que está infectada, deve “isolar-se e proteger os outros” – por exemplo, através do uso de máscara – durante pelo menos sete a dez dias. E se tiver sintomas deve fazer um teste.
Já Luís Graça salienta que as recomendações actuais “para uma pessoa que está infectada são independentes da infecção respiratória que tem” – seja gripe, covid-19 ou outro vírus respiratório. “Quando uma pessoa tem uma infecção respiratória, deve tomar as precauções adequadas para evitar transmitir essa infecção a outros, nomeadamente o uso de máscara, se estiver em contacto com outras pessoas enquanto durar a sua infecção ou evitar situações em que há um convívio próximo.”