A maratona paraolímpica feminina e o Direito Europeu

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1. Recolhendo citação de Gonçalo M. Tavares a que gentilmente acedi, por intermédio de um colega, “– É assim mesmo. As leis são como o oxigénio: estão em todo o lado, mas não as vês.” (O Torcicologologista, Excelência).

2. A atleta espanhola Elena Congost, após ter terminado a maratona em 3.º lugar, veio a ser desqualificada por soltar a corda que a unia ao seu guia, por alguns segundos, a escassos metros da meta, num acto instintivo de ajudar o guia que estava caindo.

O bronze foi finalmente atribuído à japonesa Misato Michishita, que ficou mais de três minutos atrás de Congost.

3. Chorando, totalmente desiludida, expressou a desilusão, aludindo à injustiça e surrealismo da decisão de desclassificação. Segundo as notícias, aditou:

“Gostaria que todos soubessem que não fui desclassificado por trapacear, mas por ser uma pessoa e por aquele instinto que surge quando alguém cai”.

4. Na opinião da advogada María José López González (consultar https://iusport.com/), visando o recurso da decisão de desqualificação, adianta que argumento a utilizar-se na aplicação de qualquer norma, quer no âmbito disciplinar, quer no desportivo, será o da denominada justiça corretora ou distributiva, como manifestação de interesses colectivos, expressando que se observa, perante os factos e imagens, um acto de fair play.

5. Mas não se ficam por aqui as leituras jurídicas. Uma bem interessante – e valiosa-, vem de Jean-Luis Dupont (ainda acessível em https://iusport.com/), o célebre advogado do não menos afamado “Caso “Bosman” (1995).

Criticando duramente a decisão de desqualificação da atleta espanhola, chega a afirmar que estamos perante uma "estupidez reglamentaria merece sin duda la medalla de oro a la injusticia".

Para o advogado está em causa uma decisão que atenta contra o direito da atleta à livre prestação de serviços, garantida pelo Direito Europeu. Nesta leitura, a atleta espanhola é vista como uma prestadora de serviços e uma “federação internacional ou o COI [Comité Olímpico Internacional] não podem interferir na sua prestação de serviços de forma injustificada ou desproporcionada.

E, à laia de conclusão, afirma: "Evidentemente, este é o caso que nos ocupa: privar a Sra. Congost da sua medalha (...) com o argumento de que ajudou um outro ser humano é um absoluto disparate regulamentar e, portanto, constitui um obstáculo injustificado (e, a fortiori, desproporcionado) ao seu direito à livre prestação de serviços.

6. Vem-nos logo à memória o "Caso Meca Medina" onde o tribunal europeu “ousou” indagar regras desportivas – dir-se-ia, “puramente desportivas” - respeitantes a normas antidopagem. Tais regras seriam proporcionais a esses valores puramente desportivos? No caso, entendeu-se que sim, mas ficou uma porta aberta à análise dessas regras. Ver-nos-emos no Luxemburgo?

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