Proibir os telemóveis nas escolas ou educar os alunos para o seu uso?

Claramente, este é o momento de repensar e equacionar o papel dos pais no processo de educação e a sua parentalidade nos dias de hoje.

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Os telemóveis podem ser utilizados para apoiar a inclusão de diversos grupos de crianças e jovens DR
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À medida que as tecnologias digitais se tornaram parte integrante das nossas vidas, o vício dos telemóveis também se tornou um problema no mundo da Educação. No entanto, parece que uma “recomendação” de proibição do uso de telemóveis nas escolas portuguesas (a Direção Regional de Educação da Madeira já referiu que não seguirá essa recomendação) resolverá todos os seus problemas atuais.

Observamos que esta é uma recomendação popular na sociedade civil, depois das manchetes de que a Suécia, a Finlândia e a Espanha reduziram (sim, apenas reduziram e não na generalidade) o uso de telemóveis nas escolas. A razão por detrás destas restrições parece ser a descida nos resultados académicos do último relatório PISA (OCDE, PISA, 2022), nomeadamente na matemática e na leitura (também será interessante rever os indicadores e dimensões que estes instrumentos avaliam e como avaliam). Esta ideia também parece sair reforçada pelo recente estudo de Sara Abrahamsson do Norwegian Institute of Public Health. Este estudo, realizado na Noruega, deixa claro que usar telefones sem propósito na escola pode levar a problemas como notas mais baixas e mais stresse. Outros estudos internacionais encontram evidências que suportam e refutam a noção de que a proibição da utilização de telemóveis melhora o desempenho académico. No entanto, aqui a tónica deve ser o “sem propósito”, pois o mesmo estudo de Sara Abrahamsson também sublinha que quando a tecnologia é bem utilizada pode tornar a aprendizagem divertida e eficaz. Sim, o que realmente importa é a forma como a tecnologia é usada para a aprendizagem.

Num mundo cada vez mais digital, a capacidade de utilizar a tecnologia de forma eficaz é crucial. Uma proibição pode limitar as oportunidades de os estudantes desenvolverem algumas competências essenciais. Restringir completamente o uso de telemóveis pode limitar as oportunidades dos alunos para desenvolverem competências essenciais de literacia digital, necessárias para as futuras carreiras e para ser competente numa sociedade de século XXI.

Portugal celebra meio século de liberdade, desde o fim de uma ditadura que sufocou gerações, e que deixou marcas profundas nas nossas vidas e no nosso conceito de democracia. Uma democracia que se baseia em princípios de igualdade, de cidadania e de liberdade. Mas, curiosamente, neste mesmo ano simbólico, a grande questão que agita a sociedade não é tanto a liberdade, mas sim a proibição dos… telemóveis nas escolas.

Compreendemos que na base da decisão está o facto de que proibir é sempre mais fácil do que educar, ou seja, enfatiza-se o problema da tecnologia e não de quem e como a utiliza, tal como se as árvores fossem as responsáveis pelos incêndios nas florestas.

É importante não esquecer que a proibição dos telemóveis nas escolas também não resolverá o problema central. O verdadeiro desafio está na educação para o uso consciente da tecnologia e esse só acontece usando-a. Ensinar uma criança ou um jovem a usar o telemóvel de forma responsável é como ensiná-la a nadar, e não o conseguimos fazê-lo sem a colocar dentro de água com o natural acompanhamento.

Pensamos que também o problema está mal colocado. Cremos que o que acontece é o excesso e uso abusivo fora da sala de aula, nomeadamente nos espaços de recreio e, maioritariamente, fora do contexto escolas (em casa). Sobre o primeiro aspeto, o facto de quanto mais as crianças ficam viciadas nos telemóveis, menos participam no envolvimento social, isso acontece nos intervalos de aula. Então é preciso limitar o uso nos recreios e não na sala de aula. Seria bom que as escolas definissem momentos ou espaços de utilização dos telemóveis, regulassem os recreios com a oferta de outras atividades. A simples falta de outras atividades e de redes sociais das crianças pode inibir interações sociais confortáveis, o que pode aumentar o seu desejo de “fugir” para os telemóveis. Ainda assim, seria bom que se analisasse o porquê de uma criança se refugiar sozinha num telemóvel; ao invés de o culpabilizar, compreender a causa.

Há ainda a questão de os jovens de hoje não lerem (no papel), porque não se valorizam e contabilizam leituras intermodais. No entanto, refere a APEL - Associação Portuguesa de Editores e Livreiros que o mercado livreiro português em 2023, obteve um aumento de 7% nas vendas face ao ano anterior. A maior mudança registada foi "no perfil dos compradores, tendo em conta que a faixa etária dos 25 aos 34 anos passou a ser a que mais compra (76%) e que a faixa etária dos 15 aos 24 foi a que respondeu ter comprado mais livros do que em 2022, com 41% do total dos inquiridos".

Sobre o segundo aspeto, o controlo parental é um mecanismo utilizado pelos adultos para controlar o acesso que as crianças podem ter a diferentes conteúdos ou equipamentos, mas também uma forma de colocar um limite à quantidade infinita de conteúdos e exposição, e essa não acontece em casa, onde o abuso de ecrãs acontece maioritariamente. Se um aluno chega à escola cansado, mal dormido e sem foco de atenção, a culpa é do telemóvel na escola ou do tempo passado em casa em jogos ou redes sociais, sem qualquer tipo de controlo ou supervisão?

O mais intrigante, no entanto, é entender a libertação que esta proibição traz para algumas famílias. Há pais que, ao que parece, encaram a escola como o lugar onde todas as responsabilidades devem ser depositadas, esquecendo que são eles muitas vezes que permitem que os seus filhos usem o telemóvel à mesa ou que durmam com o telemóvel no quarto. No fundo, transferem para a escola a tarefa de disciplinar e estabelecer regras. Os pais deveriam preocupar-se em passar tempo de qualidade com os filhos, estabelecer horários e definir regras claras.

Proibir os telemóveis na escola não é solução. Os telemóveis podem fornecer recursos educativos valiosos. Uma proibição total limita o acesso a estes recursos. Os telemóveis podem ser utilizados para apoiar a inclusão de diversos grupos de crianças e jovens, incluindo melhorar a acessibilidade do conteúdo educativo e aumentar a personalização da aprendizagem, nomeadamente aqueles que, por razões económicas, nunca têm acesso a estes dispositivos em casa.

Há uma necessidade de controlo parental e em parceria com a escola. É a escola que tem especialistas qualificados para desenhar atividades de regulação e aprendizagem com o digital, tal como numa piscina o professor de natação adequa a aula num espaço com pé, com boias e exercícios para evitar que a criança se afogue. Também na piscina nunca é garantido que não existam angústias e ansiedades, mas a forma como as atividades e regulação são definidas e pensadas reduzem significativamente essa probabilidade.

Claramente, este é o momento de repensar e equacionar o papel dos pais no processo de educação e a sua parentalidade nos dias de hoje, havendo uma desresponsabilização desse papel. Os conteúdos digitais e os próprios equipamentos digitais estão sem revisão, pelo que ainda mais se justifica esse controlo parental, para não ampliar o prejuízo das crianças e jovens.

Ao olharmos para esta esquizofrenia sobre os telemóveis nas escolas, torna-se claro que o problema não é o telemóvel em si. O problema está em como o usamos e, mais importante, em como ensinamos as crianças e os jovens a usá-lo. Se deixarmos de lado a proibição e começarmos a promover uma utilização responsável, estaremos a formar cidadãos mais conscientes, preparados para enfrentar um mundo onde a tecnologia é omnipresente.


Os autores escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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