A prática tem vingado sobretudo em campanhas eleitorais, uma estratégia que há muito os especialistas de marketing político denominam como o "engana-me que eu gosto". O essencial é que a mensagem inclua algo que vá ao encontro dos desejos dos eleitores, sempre receptivos àquilo que mais gostariam de ouvir, por mais utópico ou irrealista que seja.

No vinho, parece que navegamos um pouco nas mesmas águas, com propostas, reivindicações, projectos e promessas que podem ter apenas efeito paliativo e desviar as atenções dos agentes do sector da concreta realidade com que estão confrontados. Na política, já se sabe, sobra o descrédito e degradação crescentes, pelo que será prudente reflectir um pouco sobre a panóplia de remédios e soluções que vão surgindo a propósito do problema do vinho que se acumula nas adegas.

Por mais que o queiramos ignorar (ou justificar), a realidade nua e crua é que o consumo tem caído de forma drástica e as novas gerações afastam-se crescentemente do vinho. Em França, que nisto do vinho tem sido sempre o farol do mundo, nas últimas décadas o consumo geral individual caiu para menos de metade. Desde 1960, quando o consumo anual per capita era de 120 litros, a queda é superior a 70%, tendo passado em 2020 para menos de 40 litros.

Mas a tendência é geral, mesmo nos países histórica e culturalmente ligados ao vinho. No primeiro semestre do ano passado, a Comissão Europeia contabilizava um acentuado recuo no consumo, que era de 7% em Itália, 10% em Espanha, 15% na França, 22% na Alemanha e 34% em Portugal. Note-se que no conjunto formam a maior região produtora do mundo, que ao mesmo tempo avançava para um aumento de 4% na produção.

O problema é sobretudo geracional e, como tal, com tendência para evoluir em crescendo. Um estudo recente dá conta de que 25% da geração Z — os nascidos entre 1995 e 2010, aqueles que estão agora a chegar ao consumo — são abstémios e que 35% dos restantes não são consumidores de vinho, enquanto numa outra avaliação feita no Reino Unido se conclui que esta geração bebe menos 28% que a anterior, a Y, dos nascidos entre 1980 e 1994.

A evidência é que os consumidores regulares tendem a diminuir com a renovação geracional, pouco ou nada resultando as medidas que têm sido adoptadas pelo sector. É certo que têm conquistado alguma notoriedade tendências como os vinhos de baixo grau, ou até sem álcool, e os chamados naturais e, sobretudo, tem crescido o consumo de brancos, espumantes e rosés. Mera questão de cores, no entanto, já que tudo é largamente superado pela constância e consistência no abandono dos tintos.

E nem se argumente com o factor económico, já que, como se tem visto, a baixa dos preços não leva apenas à degradação da qualidade. Tem sido também o caminho para a ruína do negócio e dos produtores, a fraude e a insegurança. Sim, porque é fraude a importação barata de mostos para colocar no mercado vinhos que os consumidores julgam depois tratar-se de produção local.

Por outro lado, no meio de tudo há também aqueles que prosperam e sobrevivem. São os nichos de luxo, os vinhos caros, que a uma clara aposta na qualidade associam a adequação entre a oferta e a procura. Vinhos que não são para consumo regular, extraordinários e para situações extraordinárias, cujo preço resulta também da ideia de exclusividade.

E não é uma questão de escassez. Pense-se nos Barca Velha e seus seguidores ou equiparados de outros mercados, cujos preços e procura não param de crescer. Mesmo as categorias superiores do vinho do Porto, cada vez mais caras e mais procuradas, ao contrário dos segmentos de baixo preço. Isto para já não se falar de Champagne, que limita a produção pelas vendas do ano anterior e tem visto preços e procura cavalgarem em sintonia.

Quer isto dizer que o futuro do vinho passa pelo luxo, que se vai converter em produto de luxo? Não sendo necessariamente assim, a evidência é que tende a deixar de ser de consumo regular, cada vez menos e cada vez melhor. Os preços — como se sabe desde sempre — resultam do ajuste entre a oferta e a procura, sendo o luxo já mais do foro psicológico, da sensação de prestígio e exclusividade que consigam criar junto do consumidor.

Mostra a razão que, para ter futuro e ser rentável, a produção de vinho terá que acompanhar a queda no consumo, produzir apenas aquilo que o mercado está disposto a consumir. Daí que apelos para apoios ou investimentos, subsidiar o consumo, compensações ou destilação de excedentes devam ser maduramente avaliados. Por muito bem que possam soar aos ouvidos dos aflitos produtores, podem não passar do tal "engana-me que eu gosto", de um logro com efeitos paliativos que podem tornar ainda mais agreste o choque com a realidade.

É claro que a situação é de calamidade e exige medidas urgentes. Há uma crise social, gravíssima sobretudo no Douro, e para muitos produtores o momento é de aflição e não podem ser abandonados. Mas vale a pena pensar também se é com reivindicações de apoios à produção e comercialização que se resolve o problema do excesso de produção, se isso não vai contribuir apenas para agudizar ainda mais o problema.

É um clássico dizer-se que aquilo que é a causa não pode nunca fazer parte da solução. Se há um problema social nas populações e financeiro nas empresas, não será então mais ajustada a adopção de medidas sociais e soluções financeiras, em vez de se estar a alimentar aquilo que está na origem de todos os problemas?

O excesso de produção é o grande mal que hoje afecta o sector do vinho. Como nas grandes doenças, urgente é salvar os doentes, depois combater as causas. E, se o consumo tende a diminuir, não há outro remédio senão baixar também a produção. Menos, melhor e mais caro, porque o luxo mesmo é o equilíbrio saudável.