Tribunal condena Cláudia Simões e agente da PSP Carlos Canha em caso de agressões na Amadora

Colectivo aplicou um ano de pena suspensa a Cláudia Simões e três anos de prisão, também suspensa, ao agente Carlos Canha por agressão a outras duas pessoas e não à arguida. Ambos vão recorrer.

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Cláudia Simões apresentou queixa por agressão de um policia da PSP a 19 de Janeiro, mas o agente visado foi absolvido dessa acusação Rui Gaudêncio (arquivo)
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O Tribunal de Sintra condenou nesta segunda-feira Cláudia Simões por morder o agente da PSP Carlos Canha, quando este tentava imobilizá-la para depois a deter, enquanto o polícia foi absolvido das acusações de agressão na detenção desta mulher, mas condenado por agredir outras duas pessoas na esquadra.

Na leitura do acórdão, realizada no Juízo Criminal de Sintra, sobre um caso de agressões numa paragem de autocarro na Amadora em 2020, a juíza Catarina Pires, que presidiu ao colectivo, aplicou um ano de pena suspensa a Cláudia Simões, por um crime de ofensa à integridade física qualificada; e condenou o polícia Carlos Canha a três anos de prisão, também com pena suspensa, por dois crimes de ofensa à integridade física e dois crimes de sequestro relativamente aos cidadãos Quintino Gomes e Ricardo Botelho, que tinham sido levados para a esquadra.

Os agentes Fernando Rodrigues e João Gouveia foram absolvidos do crime de abuso de poder, tendo o tribunal entendido que os dois polícias que foram chamados à ocorrência na Amadora não actuaram à margem da lei no exercício das suas funções.

Contactadas pelo PÚBLICO, ambas as advogadas disseram que vão recorrer das condenações. Fátima Esteves, em representação de Carlos Canha, limitou-se a confirmar essa intenção, dizendo que não iria prestar "nenhuma outra declaração".

Já Ana Cristina Domingues, advogada de Cláudia Simões, lamentou "a decisão muito injusta", sem no entanto manifestar surpresa: "Eu não esperava outra decisão tendo em conta a grande animosidade da juíza para com a Cláudia [Simões] e com as testemunhas indicadas por ela", acrescentou. "A justiça falhou em toda a linha. Eu atrevo-me a dizer que a juíza já tinha a decisão na sua cabeça antes de começar o julgamento. Mas temos o Tribunal da Relação de Lisboa. Obviamente, vamos recorrer."

Questionada sobre o que de mais injusto houve nesta decisão, a advogada disse ter sido "o facto de o agente da PSP não ser condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, por sequestro e abuso de poder relativamente à pessoa da Cláudia". E acrescentou: "Há perícias médicas, gravações, fotografias. É factual. Não entendemos como uma decisão judicial pode contornar factos."

Ministério Público acusou ambos

Os acontecimentos remontam a 19 de Janeiro de 2020, quando Cláudia Simões, cozinheira de profissão, se envolveu numa discussão entre passageiros e o motorista de um autocarro da empresa Vimeca, pelo facto de a sua filha, à data com oito anos, viajar sem passe por se ter esquecido dele em casa. Chegados ao destino, o motorista decidiu chamar a polícia e, após alguns momentos de tensão, o agente Carlos Canha decidiu imobilizar Cláudia Simões, junto à paragem do autocarro, depois de esta se recusar a ser identificada.

Carlos Canha vinha acusado pelo Ministério Público de três crimes de ofensa à integridade física qualificada, três de sequestro agravado, um de injúria agravada e um de abuso de poder, enquanto os agentes João Gouveia e Fernando Rodrigues respondiam por um crime de abuso de poder, por não terem actuado para impedir as alegadas agressões do colega. Cláudia Simões vinha acusada de um crime de ofensa à integridade física qualificada.

Ainda na sala do tribunal, a juíza Catarina Pires sublinhou que, na análise de todas as provas recolhidas, não foi possível deduzir qualquer motivação racista por parte do agente da PSP. Houve, sim, “idiossincrasias, preconceitos e pretensões” por parte dos cidadãos que, alega a juíza, retiraram as suas próprias conclusões ao verem Cláudia Simões ser detida.

Junto à entrada do tribunal de Sintra, algumas dezenas de pessoas manifestaram-se esta manhã em solidariedade com Cláudia Simões, segurando faixas onde se lia “contra a justiça racista” e “violência policial mata”. Terminada a leitura da sentença, os arguidos deixaram o tribunal acompanhados por cânticos anti-racistas dos manifestantes. “Punho em riste, Cláudia resiste”, ouviu-se também.

"Vítima transformada em culpada"

Perante a manifestação anti-racista de cerca de 30 pessoas com tarjas e cânticos à porta do tribunal, depois da leitura do acórdão, uma das filhas de Cláudia Simões leu, emocionada, uma curta declaração na qual garantia que vão lutar pelos seus direitos e avançar com o recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

"Estávamos longe de imaginar que, depois do que fizeram à nossa mãe, no dia 19 de Janeiro de 2020, ela fosse retratada neste tribunal como selvagem, arrogante e exagerada, mesmo perante todas as evidências. A vítima não pode ser transformada em culpada. Embora cansados, anunciamos que recorreremos desta sentença, pela minha mãe e por todas as pessoas que já estiveram ou possam estar a passar pela mesma situação", afirmou.

O mandatário dos arguidos, os polícias Fernando Rodrigues e João Gouveia, insurgiu-se contra os protestos à porta do tribunal. "Estudem, vejam e analisem os processos. Isto é um circo que está montado à porta do tribunal e eu não tenho interesse nenhum nisto. Não estamos num país de justiça popular. Os juízes decidem em nome do povo, mas não é o povo que decide. São os juízes, que têm preparação técnica para esse efeito", salientou José Abreu Fonseca. com Lusa


Notícia actualizada às 14h40 com reacções de advogadas de defesa

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