Em Gaia, um bar de vinhos da torneira e de intervenção mínima: Tão Longe, Tão Perto
O bar traz do Brasil para Portugal o conceito do vinho da torneira, com foco no “vinho artesanal”. Ideia é “fechar o ciclo” do produto e ter no Tão Longe, Tão Perto uma casa onde todos se sintam bem.
Vinho de intervenção mínima — bem feito e sem defeito, diga-se já —, servido de seis torneiras ligadas a kegs, aqueles barris de plástico PET, com revestimento muito semelhante ao do bag-in-box, até agora usado por cá sobretudo no universo da cerveja artesanal. Aqui, servem para fornecer um original e descontraído bar de vinhos que procura “fechar o ciclo” do produto, num negócio “praticamente sem resíduos”, que permite “diminuir a pegada de carbono” da distribuição, ao mesmo tempo que convida a conviver como se estivéssemos “em casa” e com vista para a Ribeira do Porto.
O espaço, Tão Longe, Tão Perto, fica na curva mais bonita da Rua General Torres, do centro histórico de Vila Nova de Gaia. E é um projecto de Ariel Kogan, Ana Carolina Chaves e Carlos Chaves. Um argentino e dois brasileiros, unidos por laços familiares — Ariel é casado com a irmã de Carlos; e Carlos e Carol, como lhes chamam os mais próximos, são um casal —, e com formações que se completam. Ariel é engenheiro industrial, especializado em sustentabilidade, Ana Carolina é publicitária e Carlos financeiro num banco em Portugal.
O projecto de Ariel no Brasil começou durante a pandemia, em 2020, com a sócia e conhecida empresária e sommelier Gabriela Monteleone (restaurante D.O.M). O nome e o conceito das torneiras surgiram ainda antes de haver a Casa Tão Longe, Tão Perto, no outrora bairro industrial, hoje cultural, da Barra Funda (no espaço paulista, "salvaram" 4240 garrafas de vidro em 2023 e até Maio deste ano já pouparam a/na produção de 2266). O negócio começou com o argentino, radicado no país do samba e do chope (cerveja), a levar a casa das pessoas diferentes produtores de vinhos brasileiros, que já não podiam ter as vinícolas abertas a visitas.
Daí às food trucks “dos Los Mendozitos” (de Mendoza, na Argentina) foi um saltinho. E, até surgir a ideia dos “kegs”, foi outro. “O vinho é uma bebida extremamente elitista no Brasil e isso, enquanto argentino, sempre me fez confusão. Na Argentina, faz parte do nosso dia-a-dia. Todos os projectos que fui criando [uma marca de bag-in-box; vinho em lata; o livro Conversas Acerca do Vinho; a importadora de vinhos naturais...] tinham, têm que ver com isso.”
Com isso e com a formação de base de Ariel. “Aqui, você fecha o ciclo [do produto]. Não há praticamente resíduos.” Os kegs apareceram quando a dupla, Kogan e Monteleone, pensaram “o que podemos fazer mais?” e começaram “a encher growlers [garrafas de vidro escuro reutilizáveis] e a encher kegs [os tais barris, de 20 e 30 litros] para vender no delivery”, ou seja, na distribuição. “E muitos restaurantes diziam-nos: quando eu puder abrir, também quero.”
Quando chegou a hora, muitos até já tinham torneiras instaladas; foi fácil. E um deles, o Futuro Refeitório, foi muito importante para o negócio. Foi lá que Ariel montou as primeiras seis torneiras e o restaurante, hoje em dia, só trabalha com vinho da torneira.
Um modelo “muito simples”, que não obriga a ter cozinha, e vive sobretudo de duas coisas: de as pessoas se sentirem em casa e da relação do bar com quem produz o vinho. “Não queremos contar a nossa história, queremos contar a deles. Todo o projecto nasceu dessa relação com os produtores.”
Na inauguração, há cerca de uma semana, o Tão Longe, Tão Perto de Gaia convidou os produtores dos vinhos que estão de momento nas torneiras (dois tintos, dois brancos, um rosé e um orange wine). Textura Wines (Dão), do casal de brasileiros Marcelo Villela de Araújo e Patrícia Berardi (também ela especialista em sustentabilidade, em concreto, economia circular), que destacámos na última Fugas Especial Vinhos; Vinhos Pormenor (Douro), de Pedro Coelho; Vinhos à Parte (Trás-os-Montes, Dão, Lisboa e Península de Setúbal, onde fica a adega), do trio Diogo Yebra (sommelier no JNcQUOI), Guilherme Maia e Luís Formiga; Quinta do Javali (Douro), produtor de vinhos desde 1982 que, em 2015, reconverteu a totalidade das vinhas para biológico e começou a fazer experiências enológicas como a que têm para prova no bar de Gaia; e Tubarão Vinhos (Verdes), de Ricardo Garrido, com vinhas nas masseiras da Aguçadoura e em Paredes.
Produções pequenas a médias (entre 10.500 e 100 mil garrafas/ano), já bem sérias, com vinhos bem feitos e feitos sem obedecer a regras estabelecidas; originais no nariz e na boca. Conta Carol que o trio do Tão Longe, Tão Perto passou “um ano a visitar produtores e a conversar com eles”. E declara: “Está a ser a realização de um sonho.”
O resultado é então uma oferta de vinhos, sempre referências exclusivas para o bar, “de qualidade, a um preço justo e ainda por cima num formato supersustentável”, atalha Ariel. A saber: jarro (para consumo no local) com medidor impresso no vidro, a partir de 3,50 euros (preço para 100 mililitros); growlers de 500 mililitros, entre 11,50 e 15 euros (formato para levar, em que há que somar os 5 euros da garrafa, que traz um código QR com ligação a instruções de lavagem e cuja ideia é voltar a encher); e a garrafa de litro, entre 21 e 27 euros (idem). A ideia, de resto, é que os vinhos na prateleira (engarrafado) e nas torneiras vão mudando; essa pesquisa continua.
“Quem nos apresentou os vinhos foi o Ariel. A gente foi para Mendoza e aí era vinho o dia inteiro. Ficou muito fácil. No ano passado, o Ariel veio cá, onde já vivíamos, para o aniversário dele, e começámos a falar da estrutura que ele tinha em São Paulo. Fiquei superentusiasmado e achei que fazia total sentido”, conta o cunhado Carlos, que nos últimos cinco anos dedicou o tempo que tinha livre do trabalho a “aprofundar conhecimento na área do vinho” e frequentou, inclusive, a escola de gastronomia Le Cordon Bleu em São Paulo.
Essa bagagem ajuda agora na pesquisa de outros produtos. Para além do vinho — e no Tão Longe, Tão Perto também há vinho engarrafado, embora sempre seguindo a lógica da intervenção mínima na enologia e da produção sustentável —, também há queijos, enchidos, pão e outras maravilhas que se enquadram no conceito de logística leve.
Os queijos são da Ponte dos Cavalheiros, produtor pequeno de Gouveia, na Serra da Estrela. A tábua inclui queijos de ovelha (normal e curado) e de mistura (ovelha e cabra) e custa 15 euros. Os enchidos, de porco preto, chegam da alentejana Absoluto, com a tábua (17 euros) a incluir presunto, paiola, chouriço e salsichão curados e caña do lombo — por 19 euros, há uma tábua mista. O pão de massa mãe é feito na padaria artesanal Madan, do outro lado do rio, na Foz do Douro. E na calha está a parceria com um produtor de cidra artesanal.
“Fechar o ciclo dos produtos” e “democratizar” o vinho (no Brasil, a bebida em si mesma; por cá, o “vinho artesanal”), resume Ariel. “Um sonho” bonito, que soube ultrapassar a resistência inicial de um ou outro produtor — “então, agora, vamos vender vinho de pacote?” — e que tem tudo para vencer a eventual resistência de alguns enófilos.