A Galiza grita: “Altri non”!

Por cá, sabemos bem quão “verdes” são os impactos nos incêndios florestais associados às plantações de eucalipto e às suas projeções, na perda de solos, nos recursos hídricos, na biodiversidade.

Ouça este artigo
00:00
04:21

Tem sido notícia neste jornal a forte contestação ao investimento que o grupo Altri pretende realizar no coração do território galego. Trata-se de uma contestação sem precedentes, tais são os nefastos impactos para o território e suas populações, do “modelo de negócio” associado ao grupo empresarial português.

Por cá, temos bem na memória os efeitos da poluição no rio Tejo, o maior rio da Península Ibérica, ocorrida entre 2015 e 2018. A governação na altura associou-a à produção de celulose em Vila Velha de Ródão. No início de 2018, a Agência Portuguesa do Ambiente detetou nas águas do Tejo níveis de celulose “cinco mil vezes” superior ao normal. No investimento que o grupo Altri pretende realizar na Galiza muda o rio. Trata-se agora do rio Ulha, o segundo maior curso de água que atravessa esta comunidade autónoma espanhola, depois do rio Minho. De facto, o histórico para exportação deste modelo de negócio luso é péssimo!

Para este grupo empresarial, a produção industrial está associada a extensas plantações de uma monocultura arbórea de espécie exótica e invasora (do ponto de vista científico, não da decisão política), o eucalipto. Uma memória mais apurada permite recordar a suspensão do certificado de gestão florestal de que o grupo Altri foi alvo em 2011. Na ocasião, foram demasiados os atropelos às normas de boa gestão silvícola, a par das múltiplas ilegalidades cometidas, incluindo em áreas protegidas, como o Parque Natural do Tejo Internacional. Na Galiza, as plantações de eucalipto incidirão em áreas de elevada biodiversidade, existentes na bacia hidrográfica do rio Ulha. A suspensão do certificado do Forest Stewardship Council (FSC) abrangeu uma área de 82 mil hectares sob gestão da Altri Florestal.

O investimento anunciado para a Galiza segue o mesmo “modelo” de lóbi usado em Portugal pela indústria de celulose. Lá como cá, o investimento desta indústria recorre à “consultoria” de agentes políticos, membros dos principais partidos na partilha do poder. Se por cá é possível estabelecer ligações entre as empresas de celulose com personalidades ligadas ao PS e ao PSD, incluindo no passado, entre 2006 e 2011, ao atual Presidente da Assembleia da República com o grupo sediado na Península da Mitrena, na Galiza são estabelecidas ligações a personalidades ligadas ao PP, no poder autonómico, e ao PSOE, no poder nacional. Claro, estes investimentos contam sempre com a generosidade dos contribuintes por toda a União Europeia e a facilitação do acesso aos corredores do poder, seja em Lisboa, em Santiago de Compostela e em Madrid, bem como em Bruxelas, é determinante.

Os anúncios a estes investimentos das celuloses têm sempre associados um cunho “verde “bio”, “sustentável” e “renovável”. Por cá, sabemos bem quão “verdes” são os impactos crescentes nos incêndios florestais associados às plantações de eucalipto e às suas projeções, na perda de solos, nos recursos hídricos, na biodiversidade e, ainda, no pouco estudado impacto na saúde pública. Na economia rural, estes investimentos resultam no acelerar do empobrecimento, com efeitos na aceleração do despovoamento e da desertificação. A desvalorização da paisagem e o perigo iminente no território associados à presença das plantações de eucalipto tem forte impacto no turismo.

É certa a recorrente ameaça em abandonar o investimento em Portugal. Saudamos o anúncio, mas não migrem este modelo de negócio para regiões vizinhas e amigas. Como nós, elas dispensam modelos de negócio social e ambientalmente irresponsáveis.

Os atuais acontecimentos na Galiza, em particular na província de Lugo, lembram os ocorridos há 35 anos no Norte de Portugal, nomeadamente nos concelhos de Marco de Canaveses (Manhuncelos), Mirandela e Valpaços (Veiga de Lila). Ao se oporem às celuloses, são hoje regiões de paisagens de menor perigo de incêndios, assentes em modelos agroflorestais de maior valor acrescentado, socialmente de menor impacto de despovoamento e de menores riscos para a saúde pública. Diferem bem de outros concelhos algarvios, do litoral alentejano e, em particular, do Centro de Portugal.

Necessitamos de fibras de celulose? Necessitamos, mas bem menos do que usamos atualmente. O que claramente dispensamos são modelos de negócio que priorizam a distribuição de dividendos a acionistas, através da depreciação e da delapidação dos nossos territórios e dos seus recursos naturais.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico