Reino Unido impede atleta de viajar de avião com o cão-guia: “É mais incapacitante do que a cegueira”
Por ordem do Governo britânico, as companhias aéreas do país só transportam cães de assistência que tenham sido treinados por duas associações. Max, o cão de Már Gunnarsson, não é um deles.
O Governo britânico está a dificultar o dia-a-dia do nadador paralímpico Már Gunnarsson, de 24 anos, que é cego e conta com a ajuda do cão-guia Max para se deslocar.
O jovem é da Islândia, mas estuda em Manchester, no Reino Unido. Antes do Brexit, que aconteceu em 2020, Gunnarsson podia viajar de avião com o cão de e para o Reino Unido sem restrições, mas agora a situação mudou.
No pós-Brexit, o Governo britânico decidiu alterar as regras de viagem com cães de assistência para impedir que os passageiros sem incapacidades físicas declarassem que os animais tinham este estatuto para evitar o pagamento do bilhete. Contudo, estas regras também impedem que as pessoas com incapacidades físicas viajem com os cães de assistência que não tenham sido reconhecidos pelo Departamento do Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais britânico (Defra, na sigla original).
As companhias aéreas deste país só aceitam transportar cães de assistência que tenham sido treinados por duas organizações: a Assistance Dogs International (ADI) e a International Guide Dog Federation (IGDF). O cão-guia Max foi treinado na Suécia e cedido a Gunnarsson pelo Instituto Nacional para os Cegos, Deficientes Visuais e Surdo-Cegos da Islândia.
Além disso, salientou o atleta em declarações do jornal Guardian, Max foi reconhecido como cão-guia pelo Governo islandês. Mas o documento, reitera, parece não ter qualquer valor no Reino Unido.
Segundo o diário britânico, esta alteração pode pôr em causa a presença do nadador nos Jogos Olímpicos de 2024 que começam a 26 de Julho, em Paris. Mas, a acontecer, não seria a primeira vez que falha uma competição por este motivo. Gunnarsson não tem ido a campeonatos desportivos fora do Reino Unido — e também não conseguiu regressar à Islândia com o cão de avião.
“Ser uma pessoa a lutar contra um país é um desafio, mas recuso-me a ceder até que a justiça seja feita e eu e o Max possamos recuperar a liberdade de viajar”, escreveu no Instagram no dia 23 de Junho.
O jovem tem aproveitado as redes sociais para denunciar o que apelida como “discriminação” e para pedir que a lei seja revista. Até à data, Gunnarsson só conseguiu viajar com Max duas vezes. O primeiro voo foi para a Islândia, no dia 17 de Dezembro de 2023, através da companhia aérea islandesa Play Airlines.
“Foi de longe a nossa melhor experiência de voo. A companhia aérea reservou-nos três lugares na primeira fila, onde o Max tinha espaço suficiente para se deitar confortavelmente no chão, sem incomodar ou ocupar espaço dos outros passageiros. Durante o voo, esta é a zona mais sossegada a bordo do avião, o que o ajuda muito a concentrar-se e a relaxar num ambiente de grande carga de trabalho”, escreveu no Facebook.
No início de Junho conseguiu embarcar novamente, desta vez de Luxemburgo para o Reino Unido. Afirma ter sido o primeiro passageiro com um cão-guia a usufruir do novo serviço — antes dele, a companhia não aceitava qualquer cão a bordo, mas abriram uma excepção por se tratar de um cão-guia.
"Depois de inúmeras horas a lutar contra as barreiras burocráticas através de telefonemas, emails e queixas, conseguimos finalmente abrir a porta à mudança", escreveu nas redes sociais.
Ao Guardian, Gunnarsson disse estar “de castigo”, isto é, sem poder embarcar com Max, desde Fevereiro porque a autoridade de aviação civil do Reino Unido (CAA) reforçou as regras para voos com cães-guia. No entanto, o site desta entidade diz apenas que as companhias aéreas “devem aceitar todos os cães-guia em viagens gratuitamente” e que os animais devem ficar sempre junto dos tutores.
O atleta, por outro lado, diz que só tem uma alternativa para voar com Max: primeiro apanha um transporte público de Manchester até Londres, depois vai de comboio pelo Canal da Mancha e só em França, que não impõe restrições a cães-guia, consegue ir de avião até à Islândia.
Segundo o mesmo jornal, se o jovem escolher ir de avião do Reino Unido para outro país da União Europeia (UE), é obrigado a apresentar um certificado de saúde do animal emitido por um veterinário. Este documento substituiria o passaporte europeu do cão, mas pode custar até mais de 2300 euros. A par disto, os cães de assistência que não são treinados pela ADI ou IGDF têm de viajar no porão, e aos donos é cobrada uma taxa extra de mais de 400 euros.
Gunnarsson e os activistas pelos direitos dos animais pedem uma definição de cão-guia que seja internacionalmente aceite, para evitar entraves como estes. Enquanto isso, o jovem destaca que os custos de viajar de comboio com o cão estão a afectar os estudos.
"Esta discriminação é mais incapacitante do que a cegueira. Cheguei ao meu limite. O Max é os meus olhos e facilitou muito a minha vida ao guiar-me em várias situações difíceis. Recuso-me a trocá-lo por qualquer cão-guia atribuído aleatoriamente com um carimbo burocrático”, afirmou.