Com 22 mortos de balanço, Presidente queniano recua na lei das finanças

Primeiro enviou militares para ajudar a polícia a reprimir as manifestações, depois William Ruto dirigiu-se à nação para reconhecer a derrota: “Vou ceder e não assinarei a lei das finanças de 2024”.

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Pichagem na parede em Nairobi a pedir a demissão do Presidente William Ruto DANIEL IRUNGU / EPA
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William Ruto falhou no teste. Em menos de 24 horas, a sua entrada de falcão transformou-se numa humilhante saída de pomba, num episódio que lhe custará popularidade e 22 mortos a pesar na consciência. Depois de ter dito que os protestos “legítimos” tinham sido “sequestrados por um grupo de criminosos organizados”, garantindo que o seu Governo usaria de todos os meios para impedir a violência “a qualquer custo”, incluindo enviar militares para ajudar a polícia a repor a ordem, o Presidente do Quénia recuou.

“O país assistiu a uma manifestação generalizada de insatisfação com o projecto de lei tal como foi aprovado, o que lamentavelmente resultou na perda de vidas, na destruição de bens e na profanação das instituições constitucionais”, reconheceu Ruto esta quarta-feira, numa comunicação ao país difundida pela televisão. “Vou ceder e, por conseguinte, não assinarei o projecto de lei das finanças para 2024 e este será posteriormente retirado.”

Para um Presidente que havia afirmado na terça-feira, que os acontecimentos do dia “marcavam um ponto crítico” na forma como o Governo seria capaz de lidar com o que chamou de “ameaças à nossa paz”, o seu passo atrás amplifica o significado político.

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É uma vitória para os manifestantes, que tinham convocado nova jornada de protesto para esta quinta-feira, desafiando a sangrenta repressão policial – “Não podem matar-nos a todos”, escreveu na rede social X (antigo Twitter) Hanifa Adan, jornalista e activista que chegou a ser presa durante estes protestos. “Vestiremos de branco por todos aqueles que caíram. Não serão esquecidos.”

Segundo o correspondente da Al-Jazeera em Nairobi, é provável que haja, mesmo assim, manifestantes nas ruas na quinta-feira, porque as palavras de Ruto foram recebidas por muitos com “cepticismo”. O recuo parece demasiado, demasiado rápido, razão para desconfiar.

"Acabámos de falar com um dos principais advogados do Quénia, que representa a oposição política, e que explicou que o discurso de Ruto comunica a sua posição sobre o projecto de lei, mas, constitucionalmente, não tem qualquer valor", disse Malcolm Webb.

Os protestos, com milhares de pessoas, sobretudo gente jovem, começaram pacificamente na semana passada contra uma lei que, originalmente, previa uma subida de impostos generalizada que incluía subida dos preços do pão e nas fraldas.

Na terça-feira, depois de a lei ter sido aprovada no Parlamento, uma parte dos manifestantes invadiu a assembleia e deitou-lhe fogo, tendo a polícia carregado em peso contra os manifestantes, com canhões de água, balas de borracha e gás lacrimogéneo, bem como munições reais, tendo resultado na morte de pelo menos 22 pessoas e centenas de feridos.

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A mensagem de Ruto, diz a BBC, é uma tentativa de recuperar as rédeas do país feita por um Presidente que chegou ao poder em 2022 com a promessa de lutar contra a corrupção, inverter a tendência de declínio económico e ajudar os mais pobres e que defendia esta lei das finanças como parte essencial dessa promessa. Por isso, Ruto recomendou cortes imediatos no orçamento operacional da presidência e de todo o executivo e conversações com os representantes dos jovens para incluir as suas preocupações na legislação.

"Proponho igualmente que, nos próximos 14 dias, se realize um encontro multissectorial e multilateral com vista a definir o caminho a seguir em questões relacionadas com o conteúdo do projecto de lei, bem como questões adjacentes levantadas nos últimos dias sobre a necessidade de medidas de austeridade e de reforço da nossa luta contra a corrupção", afirmou o Presidente na sua mensagem à nação.

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