Palavras soltas sobre a justiça no futebol
1. Espera-se (embora não se veja ou se conheça publicamente qualquer passo dado nesse sentido) que o Governo atente numa revisão – para já não falar em extinção e substituição pelos tribunais administrativos em segmento especializado – do Tribunal Arbitral do Desporto. Seja qual for a origem, tal reforma tem sido acentuada com afinco, pois, no mínimo, tal como está delineado na lei, não oferece resposta adequada ao global do sistema desportivo.
Todavia, em abono da verdade, não basta, no caso do futebol, "alindar" o TAD. Há muito para reformar internamente. Ou seja, a justiça desportiva, tem de ser lida na vertente exógena (às organizações desportivas), mas também endógena (nos regulamentos das organizações desportivas).
2. Usando as competições desportivas profissionais de futebol como campo de análise, uma esmagadora maioria dos processos disciplinares são decididos, em sede de processo sumário, mediante decisão do Conselho de Disciplina, e têm como objecto questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares directamente respeitantes à prática da própria competição desportiva. Destas decisões cabe recurso – na prática muito pouco utilizado - para o Conselho de Justiça e desta decisão não cabe recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto, nem para os tribunais administrativos (solução já validada por um acórdão do Tribunal Constitucional) “fechando-se”, assim, o procedimento no quadro interno das organizações desportivas.
3. Sobram as questões disciplinares fora do apontado universo, muitas delas também iniciadas em processo sumário. O que sucede ou pode suceder nestes casos? Alcançada primeira decisão pelo Conselho de Disciplina, da mesma cabe ainda recurso para o mesmo órgão (agora em plenário da secção), o denominado recurso hierárquico impróprio. O próximo passo, no âmbito dos recursos é, obrigatoriamente, para o Tribunal Arbitral do Desporto.
4. Por seu turno, a decisão do colégio do Tribunal Arbitral do Desporto é passível de recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul. Em alternativa, se estiverem de acordo, as partes podem recorrer para a câmara de recurso (do TAD), renunciando expressamente ao recurso da decisão que vier a ser proferida. Esta alternativa nunca foi utilizada (desde a entrada em funcionamento do TAD – 1 de Outubro de 2015 - até à presente data). Esta não utilização da via recursiva interna diz bem do que as partes pensam do TAD. Recorrer para o TAD é obrigatório, mas no primeiro momento em que deixa de o ser, as partes “saltam” para os tribunais administrativos. Da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul ainda cabe eventual recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. A 31 de Dezembro de 2013, contabilizavam-se 295 recursos de decisões finais enviados ao TCAS, 41 recursos de decisões finais pendentes no TCAS e 105 recursos com subida ao STA. As decisões do TAD, em bom rigor, com este número de recursos para os tribunais do Estado, pouco valem. São uma espécie de apeadeiro obrigatório (que hoje só existem em linhas regionais dos caminhos de ferro).
5. Com dois momentos internos (Conselho de Disciplina), com a intervenção necessária do TAD, em sede de recurso, e depois, pelo menos do TCA SUL, um processo disciplinar só pode demorar tempo de mais para ser decidido a final.
6. Uma, entre outras, perspectiva reformista, poderia passar pela eliminação do recurso hierárquico impróprio, habilitando a entrada em jogo mais cedo do TAD. Como afirmei na anterior crónica é tempo de pensar – é sempre tempo de pensar. Todavia, o mais certo, como sempre, é eu estar enganado.