Exame de Português. Associação de docentes quer rever peso das perguntas de escolha múltipla

Exame de Português do 9.º ano foi alvo de críticas, temendo-se descida de resultados. Peso da escolha múltipla deve ser revisto, defende vice-presidente da Associação de Professores de Português.

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Exame do 9.º alvo de críticas Rui Gaudêncio
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O peso da escolha múltipla e a escolha de um texto de uma autora que não fazia parte do programa da disciplina de Português causou mal-estar junto de pais, professores e alunos do 9.º ano de escolaridade por todo o país. Apesar de considerar que a prova foi equilibrada e testou múltiplas competências, João Pedro Aido, vice-presidente da Associação de Professores de Português (APP), teme que os resultados possam piorar face às boas notas no exame final de 2023, defendendo uma redução da preponderância dos itens de escolha múltipla.

O PÚBLICO deu voz, na forma de um artigo de opinião, a uma professora de Português que mostrou desagrado pela forma e conteúdos do exame do 9.º ano à disciplina. Sente que este descontentamento é generalizado?
É possível que haja algumas críticas em relação ao modelo da prova de Português do 9.º ano ou até do 12.º e nós queremos discutir mais em pormenor diferentes modelos possíveis. Acho que essa pode ser uma questão eventualmente a reflectir. Mas, considerando o modelo que foi seguido, com poucas variações, dos últimos anos, o que podemos dizer é que é um modelo que incorpora itens que são de vários tipos, nomeadamente itens de selecção, ordenação ou associação, por exemplo, e itens de construção. Os alunos fazem uma resposta restrita, com poucas linhas, digamos assim. A resposta extensa é de desenvolvimento e dá um texto mais estruturado e mais longo, com – tipicamente mais de 20 linhas. Dentro deste tipo de itens, a prova está bem construída e os itens são rigorosos, avaliam de facto as aprendizagens e respondem às exigências dos documentos curriculares que estão em vigor, desde as aprendizagens essenciais ao perfil dos alunos.

Mas acha que, numa prova pensada para avaliar a capacidade de expressão dos alunos, faz sentido dar-se tanta relevância a perguntas de escolha múltipla?
No caso da prova do 9.º ano, no parecer que a APP fez, sugerimos que possa haver uma evolução do modelo da prova para um número menor de itens de selecção. Na verdade, os itens de selecção nesta prova, mais ou menos à imagem do que aconteceu, por exemplo, no ano passado, atingem uns 80%, quase 81%. Já agora, por comparação, a prova do 12.º ano tem cerca de 45% de itens de escolha múltipla. Sugerimos que possa haver um maior equilíbrio, digamos assim, entre os itens de escolha múltipla e os de construção. No entanto, convém vermos que há implicações em todos estes modelos que nós naturalmente podemos discutir. O facto de a prova ter 21 itens quer dizer que foi possível criar modelos de avaliação para aprendizagens dos alunos de todos os domínios da disciplina de Português e é de salientar que a avaliação dos alunos do 9.º ano, no final de ciclo, inclui também a avaliação da oralidade.

Ou seja, a solução para reduzir a escolha múltipla passaria também por reduzir o número de restantes itens?
Seria inevitável. Os alunos demoram naturalmente mais tempo a escrever um item de resposta restrita ou, nomeadamente, um item de resposta extensa. A prova teria que ter um número menor de itens e, provavelmente, não conseguíamos avaliar tantas competências e tantos conhecimentos que os alunos acabam por reflectir num modelo de prova como este.

A APP reconhece que a dificuldade da prova foi “relativamente elevada num grande conjunto de itens”. Os professores receiam resultados mais negativos do que no ano passado?
Os resultados do ano passado foram surpreendentemente positivos. Estávamos a prever, pelas dificuldades que tínhamos analisado na prova, que os resultados pudessem ser mais fracos. A média final foi superior a 60%. Em média, os alunos têm resultados melhores nos itens de selecção do que nos itens de resposta restrita. Mas é óbvio que, para itens de complexidade mais elevada, há alunos que não conseguem resolver os itens de selecção e os itens de resposta escrita.

Mas é relativamente expectável que os resultados deste ano, dada esta dificuldade em grande parte da prova, não sejam tão positivos?
À partida, diríamos que sim, mas o ano passado fomos surpreendidos pela positiva, pelos resultados que os alunos tiveram.

Tendo os professores de cumprir um programa que sugere 30 autores portugueses e estrangeiros, que sentido faz utilizar um texto dramático de uma autora que não consta do programa?
Nem todos os autores que são citados nessa lista são de leitura obrigatória. Mas, no fundo, acho que o ponto principal é a ideia de que, se olharmos para muitos resultados das práticas de leitura, e há estudos que podemos citar, os alunos não lêem muito. Há muitos alunos – cerca de um terço – que atravessam os vários ciclos, desde o primeiro até chegar ao secundário, que nunca lêem livros ou que raramente lêem livros. Esse é o desafio talvez mais difícil e mais importante, termos alunos a ler mais e com mais qualidade, de uma forma mais aprofundada.

Por outro lado, é importante, e penso que provavelmente algumas destas reflexões dos textos de opinião e das discussões públicas deixam implícito que há um determinado modelo de ensino que está subjacente e que pressupõe que muitas vezes os alunos possam eventualmente reproduzir conhecimentos que foram adquiridos em aula, sobre um determinado texto que foi estudado.

Ou seja, testar efectivamente os conhecimentos dos alunos e não só a capacidade de decorar, de certa forma.
O desafio mais importante é precisamente os alunos mostrarem que conseguem ler qualquer texto, estudado ou não em aula, e que possam escrever de uma forma clara, completa e correcta sobre um tópico qualquer.

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