O desobediente
A recusa de Nuno Rebelo de Sousa em comparecer na comissão de inquérito ao “caso das gémeas” é uma afronta a todos os portugueses e um acto de sobranceria.
O fundador e ex-presidente do grupo BPN José Oliveira e Costa estava em prisão preventiva e com o estatuto de arguido quando, acompanhado por vários guardas prisionais, compareceu perante a comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso BPN, em 2009.
José Oliveira Costa foi uma das centenas de personalidades que ao longo dos últimos anos foram chamadas a depor em comissões de inquérito parlamentar, figura que só começou a ganhar mais importância na década de 90, já no fim da segunda maioria absoluta de Cavaco Silva, com a comissão que investigou a privatização do Banco Totta & Açores. Desde então tem havido investigações a vários temas, com os casos que envolvem a banca a ganhar especial atenção (CGD, Banif ou BES), mas já houve inquéritos sobre a tragédia de Entre-os-Rios, o acidente de Camarate ou a Junta Autónoma de Estradas, só para nomear alguns cujas conclusões foram úteis ao Ministério Público.
Isto tudo a propósito da CPI ao “caso das gémeas” em que uma das pessoas chamadas pelos deputados, Nuno Rebelo de Sousa, ex-presidente da Câmara de Comércio Portuguesa de São Paulo e filho de Marcelo Rebelo de Sousa, se recusa a responder à Assembleia da República, alegando ser arguido no caso do tratamento de duas crianças luso-brasileiras com o medicamento Zolgensma. Em causa, está a suspeita de crimes como prevaricação ou abuso de poder.
Nuno Rebelo de Sousa, que relatou ao Ministério Público uma versão do encontro com o então secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, que configura ser a terceira versão dos factos, não demonstra só um autêntico desrespeito pelo Parlamento, mas incorre também no crime de desobediência qualificada, o que está claramente indicado no regulamento das CPI.
O trabalho das comissões parlamentares de inquérito tem contribuído inegavelmente para o prestígio da Assembleia da República e o esforço de muitos deputados tem sido reconhecido na opinião pública (foi o caso, por exemplo, de Mariana Mortágua, do BE, e Cecília Meireles, do CDS, sobre a recapitalização da CGD).
Trata-se de um dos mais nobres trabalhos de fiscalização política a actos do Governo e da administração pública, que é reforçado com algumas obrigações como a de não haver lugar à falta de comparência ou a recusa de depoimento.
Não são só os deputados que merecem respeito, mas todos os cidadãos que estão representados em São Bento e que sentem, justamente, como uma afronta e sobranceria qualquer recusa em se responder na CPI.