Acordo militar entre Rússia e Coreia do Norte deixa EUA em alerta
Norte-americanos estão “incrivelmente preocupados” com pacto de defesa mútua entre Moscovo e o regime norte-coreano. Coreia do Sul admite fornecer armas à Ucrânia.
A assinatura do acordo de cooperação militar entre a Rússia e a Coreia do Norte, esta semana, voltou a colocar a península coreana no centro da tensão geopolítica mundial, 70 anos depois da guerra que estabeleceu o Paralelo 38 como linha de demarcação entre as zonas de influência de Moscovo e de Washington.
Os EUA manifestaram-se esta sexta-feira “incrivelmente preocupados” com a possibilidade de a Rússia fornecer armamento ao regime norte-coreano, dois dias depois de Vladimir Putin e Kim Jong-un terem assinado um pacto de defesa que prevê a assistência militar imediata e mútua em caso de ataque contra qualquer dos dois países, enquanto o embaixador russo na Coreia do Sul, Georgy Zinoviev, chamado pelo governo de Seul, disse que quaisquer ameaças ou chantagem contra Moscovo por causa do estreitamento dos laços com a Coreia do Norte seriam “inaceitáveis”.
Para deitar ainda mais achas para a fogueira da crescente tensão entre as duas Coreias, o Exército sul-coreano disse ter disparado tiros de aviso depois de soldados norte-coreanos terem atravessado, por momentos, a fronteira entre os dois países na quinta-feira, na que terá sido a terceira incursão neste mês.
Ao mesmo tempo, Kim Yo-jong, a poderosa irmã do líder norte-coreano, lançou uma ameaça velada de retaliação depois de activistas sul-coreanos, liderados pelo desertor norte-coreano Park Sang-hak, terem feito voar balões com panfletos de propaganda anti-Pyongyang através da fronteira.
Esta sexta-feira, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, e o ministro dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Sul, Cho Tae-yul, afirmaram que o tratado entre a Rússia e a Coreia do Norte representa uma “séria ameaça” à paz e à estabilidade na península coreana. Blinken afirmou mesmo que os EUA iriam considerar “várias medidas” em resposta ao pacto estabelecido entre Putin e Kim.
Para além do fornecimento mútuo de armamento convencional, os EUA estão também preocupados com o apoio tecnológico e científico que a Rússia poderá fornecer à Coreia do Norte para acelerar o desenvolvimento do programa nuclear, proibido por resoluções das Nações Unidas, e que é visto como uma das maiores ameaças à segurança do continente asiático.
No próximo mês, o Presidente norte-americano Joe Biden, o primeiro-ministro japonês Fumio Kishida e o Presidente sul-coreano Yoon Suk-yeol deverão encontrar-se para uma cimeira em que os EUA deverão reafirmar o seu compromisso com a dissuasão alargada, o chamado “guarda-chuva nuclear” com que protegem os seus aliados asiáticos. Mas a possibilidade de cooperação entre Moscovo e Pyongyang junta uma nova ameaça neste capítulo em particular.
“O Presidente dos Estados Unidos terá de pensar não só nas armas nucleares da Coreia do Norte, mas também nas armas nucleares da Rússia, pelo que podemos prever uma situação em que a dissuasão alargada dos Estados Unidos seja enfraquecida”, afirma Tetsuo Kotani, professor de estudos globais na Universidade Meikai, citado pelo Washington Post.
Armas de Seul para Kiev
Também esta sexta-feira, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, avisou que a Rússia deve respeitar as sanções impostas pela ONU à Coreia do Norte. “Existem sanções aprovadas pelo Conselho de Segurança em relação à Coreia do Norte, que devem ser integralmente respeitadas”, afirmou Guterres.
À preocupação do Ocidente e da Coreia do Sul com o acordo militar entre Moscovo e Pyongyang, a Rússia contrapôs outra inquietação: a possibilidade, já admitida, de Seul vir a fornecer armas à Ucrânia.
Durante a sua visita ao Vietname, na quinta-feira, o Presidente russo Putin afirmou que o fornecimento de armas a Kiev seria “um erro muito grande”, dizendo que a Coreia do Sul “não se deve preocupar” com o acordo assinado com Kim se não estiver a planear uma agressão contra Pyongyang.
"Aqueles que enviam mísseis para a Ucrânia pensam que não estão a lutar contra nós, mas eu disse, incluindo em Pyongyang, que nos reservamos o direito de fornecer armas a outras regiões do mundo, tendo em conta os nossos acordos”, disse Vladimir Putin.
A Coreia do Sul já forneceu ajuda humanitária e outros apoios à Ucrânia, ao mesmo tempo que se associou às sanções económicas contra Moscovo. Mas, até agora, o fornecimento directo de armamento estava fora dos planos de Seul, ao abrigo de uma política de longa data de não fornecer armas a países activamente envolvidos em conflitos.
Segundo a agência noticiosa sul-coreana Yonhap News, o Governo de Seul já terá inventariado o armamento que poderia enviar para a Ucrânia, com os obuses de artilharia de 155mm no topo da lista, com um stock estimado em mais de três milhões de unidades. De acordo com mesma agência, a redução no seu armazenamento não preocupa a Coreia do Sul, já que o vizinho do Norte terá visto o seu próprio stock ficar consideravelmente reduzido com o envio para a Rússia de mais de quatro milhões de obuses.