O digital é o caminho do futuro, mas profissionais de saúde precisam de mais formação
Segundo investigação que recolheu informação de cinco países, é fundamental desenvolver programas de formação em competências digitais “focados nas necessidades reais” dos profissionais de saúde.
A transformação digital na saúde já está a acontecer um pouco por todo o mundo. Mas, apesar de o recurso às novas tecnologias ser uma realidade — e promete sê-lo ainda mais no futuro com o recurso à inteligência artificial —, ainda há caminho a fazer. Segundo uma investigação que recolheu informação de cinco países – incluindo Portugal —, é fundamental desenvolver programas de formação em competências digitais “focados nas necessidades reais, colaborativas e individuais dos profissionais de saúde”. E a formação deve ser contínua, para os profissionais poderem acompanhar a transição num sistema que já é complexo por si só.
Estas são duas das conclusões do estudo Training Needs Assessment for the Design of Health Care Digital Transformation Courses in EU, que revelou também que a formação a dar aos profissionais de saúde deve ser em formato híbrido: ter uma componente presencial – a solução preferida dos profissionais, especialmente com interacção entre pares – e uma online para formação teórica, tendo em conta a informação recolhida na investigação.
Realizada no primeiro semestre de 2023 e liderada por uma equipa de investigadores da Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Engenharia Mecânica e Industrial da NOVA FCT, esta investigação procurou fazer um levantamento das necessidades formativas digitais dos profissionais de saúde em Portugal, Bélgica, Letónia, Noruega e Itália. Além de médicos e enfermeiros, também houve contributos de outras profissões ligadas à saúde, assim como de gestores e especialistas em ferramentas digitais.
Co-financiado pelo projecto EU4Health, da Comissão Europeia, o trabalho tem duas componentes: uma quantitativa, com base num inquérito disponibilizado online que contou com 293 respostas validadas (das quais 16% recolhidas junto de profissionais de saúde em Portugal), e uma qualitativa, resultante da discussão realizada por 14 focus group (no total, participaram 97 pessoas dos cinco países).
De acordo com os resultados, 53% dos profissionais de saúde inquiridos nos cinco países disseram ter capacidade de criar e editar conteúdo digital em diferentes formatos (Word, Excel, PowerPoint), 27% referiram ter capacidade para identificar e resolver problemas técnicos no seu ambiente de trabalho, 44% disseram ter capacidade de analisar e interpretar conteúdos digitais. Ainda de acordo com a informação recolhida, apenas 21% dos inquiridos assumiram ter capacidade para usar soluções digitais nos cuidados ao doente (por exemplo, aplicações de telemedicina para seguimento do paciente).
Aposta de futuro
“Estamos a tentar dar passos tão à frente com a inclusão da inteligência artificial quando os profissionais de saúde ainda não têm algo tão básico como um computador com câmara e um microfone para fazer uma conexão em equipa”, disse ao PÚBLICO Mélanie Maia, uma das investigadoras e primeira autora do artigo, salientando que “o valor acrescentado” desta investigação é fazer a ponte entre a evolução que está a acontecer e o que sentem os intervenientes no terreno.
Sobre a realidade nacional, a responsável referiu que, embora os profissionais digam que conseguem trabalhar com ferramentas digitais, depois na prática confrontam-se com problemas como, por exemplo, não conseguir descarregar programas informáticos. “É tudo muito dependente de um administrador técnico – engenheiro ou técnico informático –, que acaba por não ter capacidade para dar resposta a toda a Unidade Local de Saúde”, exemplificou Mélanie Maia, que salientou a multidisciplinaridade dos participantes.
Em Portugal já existem vários projectos-piloto de telemonitorização de doenças crónicas, consultas com recurso a vídeo, marcação e consulta de resultados de exames através de aplicações nos telemóveis. E o objectivo do Governo, plasmado no recentemente aprovado Plano de Emergência da Saúde, é alargar ainda mais a utilização dos meios digitais para aumentar a capacidade de resposta do serviço público.
“Quando se fala de planos estratégicos e do futuro do SNS, coloca-se sempre a componente digital”, apontou a especialista, referindo que é preciso “começar já a integrar nos programas formativos, incluindo nas universidades, a formação digital”.
Os resultados da investigação vão ser apresentados num paper, que será divulgado no congresso científico IEEE MELECON 2024, que se realiza na próxima semana no Porto, na European Public Health Conference 2024, marcada para Novembro em Lisboa.