Ex-director do Correio da Manhã recorre de indemnização a Fernanda Câncio
Octávio Ribeiro considera que não deve suportar parte da compensação de 18 mil euros, colocando responsabilidade nos autores dos textos e na empresa. Fernanda Câncio avançará com contra-recurso.
Depois da condenação do Correio da Manhã (CM) por ofensas ao bom nome e reputação da jornalista Fernanda Câncio, o director do jornal à altura dos factos, Octávio Ribeiro, avançou com um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em nome próprio, alegando que não deve ser abrangido pela responsabilidade de pagar a compensação à ex-namorada de José Sócrates. Fernanda Câncio avançará, por sua vez, com um contra-recurso, apurou o PÚBLICO.
O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou o pagamento de uma indemnização de 18 mil euros à jornalista, visada pelo jornal diário em várias peças relacionadas com a Operação Marquês, caso judicial que tem como principal figura o antigo primeiro-ministro José Sócrates, ex-namorado desta. Fernanda Câncio alegou que os títulos usados nos artigos jornalísticos – que ligavam a jornalista à ocultação de quantias avultadas de dinheiro e outras práticas ilícitas – eram falsos e atingiam a sua honra, reputação e bom nome, com o tribunal a dar-lhe razão.
Octávio Ribeiro foi condenado, enquanto director do CM, a suportar parte da indemnização, repartida pelos réus do processo, mas a defesa julga que foi cometido um erro nesta responsabilização. “No caso em apreço, o recorrente, enquanto director do jornal, nem sequer teve conhecimento das notícias em questão, não tendo tido, assim, a possibilidade de se opor à publicação e divulgação das mesmas”, pode ler-se num dos pontos do recurso apresentado ao Supremo, documento a que o PÚBLICO teve acesso. O responsável do CM considera ainda que, “não sendo o autor do texto em causa”, não pode ser responsabilizado por eventuais danos causados pelo trabalho.
Mesmo equacionando um cenário em que Octávio Ribeiro tivesse tido conhecimento dos textos e não se opusesse à sua publicação, as advogadas do então director do CM consideram que, segundo a Lei de Imprensa, a responsabilidade civil não podia ser atribuída ao director, transferindo essa responsabilidade para a empresa de comunicação social. A defesa do antigo responsável pelo jornal pretende que o Supremo Tribunal de Justiça se pronuncie sobre esta desresponsabilização (ou não) dos directores, decisão que poderá depois ser aplicada em casos futuros de contornos semelhantes.
“A lei não diz que o director tem de aprovar todos os artigos, ou sequer conhecê-los antecipadamente, como algumas interpretações mais radicais sugerem. Diz apenas que lhe cabe orientar, superintender e determinar, o que são coisas diferentes!”, reitera a defesa, sublinhando não ser “humanamente possível” que Octávio Ribeiro conhecesse antecipadamente "o conteúdo de todas as edições".
Se o caso se centrasse numa eventual "incúria ou negligência do director", a defesa admitiria uma responsabilização deste, algo que, defendem, não se verifica neste processo. As advogadas de Octávio Ribeiro dizem mesmo que existiu uma violação do n.º2 do artigo 29.º da Lei de Imprensa, normativo que diz o seguinte: "No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado."
Por este motivo, a defesa quer que a decisão de primeira instância seja revista e Octávio Ribeiro seja libertado do ónus da condenação. Contactado pelo PÚBLICO, o ex-director não quis comentar o caso.
O que está em causa?
Fernanda Câncio foi visada em vários textos do CM no âmbito da Operação Marquês. A jornalista foi uma das pessoas escutadas nas intercepções telefónicas do processo, não sendo, contudo, arguida ou suspeita. O antigo primeiro-ministro e ex-namorado da jornalista José Sócrates é suspeito de crimes de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal, com algumas das conversas de Câncio com o primeiro-ministro e pessoas do círculo do então ex-governante a serem reveladas pelo CM.
Num dos exemplos que serviram para a sentença favorável à jornalista, o título do jornal diz que Câncio tinha falado de dinheiro com José Sócrates, mas que tinha usado linguagem em código. "Fernanda Câncio fala de dinheiro com Sócrates mas usa código", escrevia o jornal. Contudo, uma análise mais detalhada do texto não mostrava este elemento na notícia, sendo que a referida conversa tinha sido com o motorista do ex-primeiro-ministro João Perna e que o referido código tinha sido usado pelo funcionário de Sócrates.
No total, a Relação de Lisboa considerou "ilícitos" cinco títulos de peças em que Câncio foi visada, mas sublinhou o manifesto interesse público das notícias relacionadas com a Operação Marquês. Notícias "que se referem a um ex-primeiro ministro alvo de acusação criminal por delitos de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais são de indubitável interesse público", estando também cobertas por este interesse referências a outras pessoas envolvidas na investigação.