Rui Rio: António Costa “deve estar arrependido” de ter recusado reforma da justiça
Ex-líder do PSD e subscritor do Manifesto dos 50 pressiona Marcelo a promover reforma da justiça para acabar com “corporativismo e opacidade”.
Os subscritores do Manifesto por Uma Reforma da Justiça em Defesa do Estado de Direito Democrático reúnem-se na segunda-feira na Culturgest, em Lisboa, para reflectir sobre o que fazer para continuar a pressionar os decisores políticos e influenciar a opinião pública. O ex-presidente social-democrata Rui Rio lamenta a oportunidade perdida quando era presidente do PSD e António Costa primeiro-ministro.
Defende a demissão da procuradora-geral da República, Lucília Gago. Luís Montenegro deve promover a demissão já, não basta esperar pelo fim do mandato? Gostaria de ver Joana Marques Vidal voltar a ser procuradora-geral?
Eu, realmente defendo a demissão, mas nem todos os signatários do manifesto têm essa opinião. A uns escassos quatro meses do fim do mandato, a demissão seria apenas simbólica. Mas em face da gravidade do que se tem passado, e da ausência de explicações por parte da procuradora-geral, desprezando assim o próprio povo português, acho esse simbolismo relevante. Mas, infelizmente, somos uma sociedade que tende para a cultura da desresponsabilização.
Apesar de ter defendido a manutenção de Joana Marques Vidal na altura própria, neste momento não me parece que isso seja exequível. Preferia ver alguém independente, de fora da corporação, à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Criticou duramente a forma como a procuradora-geral provocou a demissão de António Costa. O ex-primeiro-ministro estará arrependido por não o ter acompanhado quando, enquanto líder do PSD, desafiou o Governo e o PS a negociarem uma reforma da justiça?
Desafiei, não só o PS e o Governo, como o Presidente da República e todos os demais partidos que, em 2018, tinham assento parlamentar – a quem entreguei uma proposta de documento de trabalho que nos demorou quase cinco meses a construir.
Não sei se António Costa está arrependido. Acho que devia estar, porque é raríssimo haver um líder da oposição disponível para cooperar numa reforma tão profunda, pondo o interesse nacional à frente de tudo o mais. E sujeitando-se a ser apelidado de muleta do Governo, de oposição fraca e de mais não sei o quê. Quantos anos não teremos de esperar para que uma oportunidade dessas possa voltar a surgir?
Nessa altura, António Costa recusou a sua abordagem, criticando o que seria uma ingerência do poder político no judicial. Para si não há reforma possível da justiça que não passe por atribuir maior poder ao poder político?
Ninguém defende a intromissão do poder político em esferas de decisão que têm de caber exclusivamente ao poder judicial num Estado de direito democrático. O que eu defendo é que haja um escrutínio independente e uma avaliação democrática e transparente do poder judicial, tal como há em todos os demais sectores de actividade, a começar pelo próprio poder político.
O corporativismo e a opacidade que hoje impera não são consentâneos com os princípios que devem reger uma sociedade plenamente democrática. Esse avanço civilizacional, vamos ter de o fazer.
Pediram audiência ao Presidente da República que já os recebeu em Belém. Que tipo de acção esperam de Marcelo Rebelo de Sousa? O Presidente deve assumir o papel de principal promotor de uma ampla reforma ao funcionamento da justiça?
Tenho pena que ele não tenha já assumido esse papel em 2018, quando teve condições excelentes para tal. Condições que nenhum outro Presidente da República teve. Mas também é evidente que se ele agora o fizer de modo empenhado e com coragem para tocar nos pontos mais difíceis, isso seria muito bom e, de certeza, que melhorava bastante a impressão pouco favorável que as pessoas têm hoje deste seu mandato.
O manifesto dos 50 já leva mais de 100 signatários. De que forma pretendem concretizar as vossas propostas? Há o risco de este movimento constituir mais um sobressalto cívico que não passa do papel à prática?
Um manifesto não é um programa de acção. O que nos une é um conjunto de objectivos que emanam do diagnóstico negativo que fazemos do estado da justiça, no momento em que a democracia celebra os seus 50 anos. Pretende-se, através da intervenção cívica, pressionar os poderes político e judicial no sentido de assumirem as suas responsabilidades, ganhando a coragem e a dimensão necessárias para enfrentar aquele que é o maior problema de regime com que nos confrontamos.
Os signatários podem dar mais ideias e colocá-las em debate na sociedade, mas, obviamente, não podem fazer o que não depende deles. Aliás, é normal que num grupo tão heterogéneo nem sequer estejam todos de acordo sobre as diversas soluções possíveis para resolver cada um dos estrangulamentos existentes.