Um desporto “trans”?
1. Caminhando a passos largos para os Jogos Olímpicos de Paris, assistimos ao endurecer das posições de algumas federações internacionais quanto à admissibilidade da participação de mulheres transsexuais em provas femininas. Sabemos já todos que o tema é complexo, buscando evidências científicas da vantagem (ou não) competitiva perante as restantes participantes das provas femininas. De um lado, o apelo aos direitos humanos; do outro, a tese da desigualdade e injustiça na competição.
2. Neste ambiente, mais ou menos crispado e sempre aceso, vão surgindo manifestações de diferente natureza que se situam no domínio do direito de participação desportiva de atletas "trans" e, em particular das mulheres "trans". Hoje, adiantamos dois exemplos que nos chegam de Espanha (como estamos longe dessa realidade tão próxima, em termos de estudo e debate em torno do desporto e ainda do enquadramento jurídico-desportivo).
3. O primeiro registo vai, seguindo a imprensa espanhola, para Aura Pachecho, primeira mulher "trans" a competir na categoria feminina em Castilla-La Mancha. Basquetebolista de 18 anos, a atleta nasceu sendo do género masculino e desde os sete anos sempre praticou basquetebol nas categorias masculinas. Em 2023 a Federação de Basquetebol de Castilla-La Mancha recusou sua participação na categoria feminina até que fosse alcançada regulação sobre a matéria. Agora, o Comité de Justiça Desportiva veio afirmar que a postura da federação em causa viola a igualdade de tratamento e o direito à não-discriminação, dado que Aura foi excluída da competição “pela sua mera condição de mulher 'trans' sem uma justificação objectiva e razoável fundada em evidências científicas.”
4. O segundo exemplo vem do País Basco, plasmado na sua Ley 4/2024, de 15 de Fevereiro, de no discriminación por motivos de identidad de género y de reconocimiento de los derechos de las personas "trans". Destaquemos algumas das normas constantes do seu artigo 41.º (Deporte, ocio y tiempo libre). De acordo com o n.º 1, o Governo Basco promoverá e velará para que a participação na prática desportiva se realize em termos de equidade, sem discriminação por motivos de identidade sexual. Nos eventos e competições desportivas organizadas pela Administração Pública considerar-se-á as pessoas transsexuais que participem atendendo à sua identidade sexual para todos os efeitos.
5. No n.º 2 adianta-se que os profissionais ou as profissionais que gerem tais actividades desportivas dirigir-se-ão às pessoas transexuais pelo nome que elas tenham escolhido, bem como se respeitará o direito da sua utilização em todas as actividades. Respeitar-se-á a imagem das pessoas "trans". Se se realizarem actividades diferenciadas pelo sexo, ter-se-á em conta a identidade sexual. O n.º 3 determina que se adoptarão medidas que garantam uma formação adequada dos profissionais e das profissionais da didáctica desportiva, que integrarão a realidade "trans" e o respeito do colectivo frente a qualquer discriminação por identidade sexual ou de género. Remata o n.º 4: Promover-se-á um desporto inclusivo e não segregador, erradicando toda a forma de manifestação transfóbica nos eventos desportivos realizados na Comunidad Autónoma de Euskadi.
6. O Programa do XXIV Governo Constitucional promete – sem concretizar um exemplo – a reforma da legislação desportiva estruturante, para além da Lei de Bases. É já tempo de pensar. Mas o mais certo, como sempre, é eu estar enganado.