Carola Rackete desafiou Salvini ao resgatar migrantes no Mediterrâneo. Agora, é eurodeputada
A candidata do Die Linke foi eleita para o Parlamento Europeu. Apesar de ter ficado conhecida por auxílio a migrantes, a sua bandeira é o ambiente.
Carola Rackete é uma dos 720 eurodeputados (mais 15 que na última legislatura) eleitos no passado domingo. Alemã, 36 anos, activista e ecologista, candidata do partido Die Linke (A Esquerda) – que conseguiu 2,7% dos votos, e, assim, levar três deputados ao Parlamento Europeu – ficou conhecida por ter resgatado 40 migrantes e ter atracado em Lampedusa, contra as ordens de Matteo Salvini, na altura ministro do Interior de Itália.
O caso remonta a 2019, quando Rackete era capitã do Sea-Watch 3, um navio que resgatou dezenas de migrantes à deriva no Mediterrâneo. Depois de os salvar, esteve 16 dias no mar, à espera de autorização para atracar, que nunca chegou. Acabou, por isso, por atracar no porto de Lampedusa e tornou-se, assim, num símbolo de resistência à política de portas fechadas de Salvini.
Esta decisão fez com que fosse detida e levada a julgamento, mas não com que vacilasse em relação à sua decisão. Na altura, disse em entrevista ao El País: “Se estivesse na mesma situação, sim [faria igual outra vez]. Não tínhamos escolha, tínhamos de zelar pela segurança daquelas pessoas. Mas o mais interessante de toda essa atenção mediática e do que fizemos é que houve mudanças. O Alan Kurdi (navio da ONG alemã Sea Eye), por exemplo, pôde desembarcar em Malta, deram-lhes barcos para o transbordo e a Europa ofereceu-se para acolher os migrantes. Isso é exactamente o que queremos e o que se conseguiu em duas semanas. Mostra o impacto directo da acção.”
Apesar disto, não foram as migrações a sua grande bandeira para esta candidatura. Nem quer ser esse símbolo que se tornou. Ao site InfoMigrants contou como trabalhou com migrantes “durante seis meses, apenas” e que, ao longo dos últimos anos, “muitas pessoas foram presas” por fazerem resgates marítimos. “Foi por acaso que me tornei conhecida nos media. Entendo que, de fora, possa ser visto como simbólico, mas acreditar que eu apenas devo seguir assuntos de migração não faz sentido”, referiu. Até porque, explica, durante toda a vida se dedicou ao ambiente.
E foi precisamente a olhar para o ambiente que se candidatou como independente. “Trabalho na área de conservação ambiental há muitos anos, sobretudo em campanhas da sociedade civil para proteger o meio ambiente e os direitos humanos. Como parlamentar, vou continuar a trabalhar pela justiça climática e a conservação/biodiversidade, incluindo também a agricultura”, disse, em entrevista ao site da organização alemã Fundação Rosa Luxemburgo, vinculada ao partido Die Linke.
As suas visões para o Parlamento Europeu, explicou na mesma entrevista, passam por “novos impostos para empresas transnacionais e multinacionais”, “um imposto sobre transacções financeiras e uma tributação unitária para empresas ao nível da União Europeia, com um imposto de 25% sobre os lucros das empresas”. Para Rackete, esse dinheiro deveria “ser investido em medidas para a justiça climática e para transformar sectores relevantes, como os transportes públicos”, que acredita que devem ser gratuitos e ampliados.
A eurodeputada eleita acredita que o combate à crise climática deve passar por “leis que proíbam os combustíveis fósseis, que obriguem os poluidores a pagarem e que diminuam o fardo sobre a população mais pobre”. “Não existe capitalismo verde”, defende. “A solução está na redistribuição radical de riquezas e na transformação das relações de poder.”
Ao Guardian disse, em Janeiro último, que sentia que “não tinha outra escolha” que não envolver-se em política. “Este é o momento que deve politizar-nos a todos, se ainda não estivermos. Queremos aqueles que estão a favor dos direitos humanos e da justiça climática em maioria, ou vamos deixar as coisas para a direita e os fascistas?”, referiu, citada na mesma entrevista.
O Die Linke nasceu em 2007 e passou um período conturbado depois de a antiga líder, Sahra Wagenknecht, ter saído do partido para criar um novo, e ter levado consigo nove membros. Para Rackete, essa foi “uma oportunidade para começar um novo caminho, atrair novos membros, acabar com a retórica nacionalista e virar para um sítio sólido da esquerda progressista”.
Depois de ocupar pontes em Londres com o Extinction Rebellion em 2018, defender os direitos ambientais do povo lapão, na Finlândia, Rackete senta-se agora no Parlamento Europeu com “expectativas limitadas” e com uma data de validade. Porque já avisou que não se vê na política e quer voltar a climas “mais frescos”. Como o Pólo Norte.