Mário Rocha cresceu no meio do mobiliário e não surpreendeu quando decidiu seguir os mesmos passos da família. Agora o empresário quis honrar a tradição da marcenaria portuguesa num novo museu com mais 800 metros quadrados. Ao longo dos últimos 15 anos, reuniu mais de mil peças, avaliadas em 150 mil euros, que foram organizadas para contar a história deste ofício em Paredes, no complexo industrial da Antarte, que celebrou 25 anos em 2023.
A história de Mário Rocha é inseparável da marcenaria e, quando deixou a rotina da oficina, começou a procurar coleccionar algumas ferramentas antigas, numa tentativa de reconstruir a história deste ofício. A missão assumiu-se mais a sério quando, em 2009, depois de ser vereador na Câmara Municipal de Paredes, pelo PSD, comprou uma colecção privada de marcenaria que serviu de base para a aventura que se seguiria.
Nos anos seguintes, percorreu feiras portuguesas (e não só) à procura de peças esquecidas, que, para ele, têm “valor inestimável”, conta apaixonadamente ao PÚBLICO. Certa vez, numa viagem a Inglaterra, visitou uma garagem para “comprar um carro clássico”, mas acabou “deslumbrado” com duas máquinas de marcenaria que por lá estavam perdidas. “Não comprei o carro, mas sim as máquinas, que mandei para Portugal”, confessa, com humor, enquanto seguimos a visita.
Há vitrinas repletas de ferramentas, que foram evoluindo com o tempo, como a gaipira, que era utilizada para alisar superfícies na fase de acabamento, os guilhermes de molduras, que abrem ranhuras numa placa de madeira, ou, claro, outras mais comuns, como os serrotes, expostos em todos os tamanhos e feitios. Ao centro das salas, estão máquinas mais imponentes: ferradores, tornos ou até máquinas de costura norte-americanas. “Todas as máquinas ainda trabalham, porque não são eléctricas”, explica.
Mas, qual é a diferença entre carpintaria e marcenaria? Esta última “é muito mais fina do que carpintaria, mais pormenorizada. Por exemplo, as mesas têm muita marcenaria, porque têm muitos encaixes, peças e componentes. Já, por exemplo, uma cama tem muito menos, porque são peças maiores que já saem prontas do equipamento”, responde, apontando para um quadro de São José, que adorna uma das paredes do museu. “Pelas ferramentas que tem na mão consigo ver que era marceneiro e não carpinteiro.”
Contudo, nem a marcenaria tem ficado indiferente à transição tecnológica, que também é contada no museu. Este foi inaugurado em Abril, a par do novo complexo industrial da empresa, num investimento de seis milhões de euros ─ foram 1,4 milhões só para este espaço de exposição. E reconhece: “Hoje, 80% dos trabalhos são feitos com máquinas computorizadas. Ainda há uma componente de mão-de-obra forte, mas é menor o risco, é necessário menos conhecimento técnico e mais tecnológico.”
São estas peças mais tecnológicas que se mostram na segunda metade da exposição, que recorda algumas das peças mais emblemáticas feitas pela Antarte, conhecida pelo design minimalista, durante este século, como a estante Oslo ou os sofás que são campeões de vendas ─ só em 2023, produziram e venderam mais de oito mil sofás. É por isso, que uma das janelas do espaço se abre para a fábricas de estofos, onde é possível ver a máquina de corte a planificar os tecidos ou os trabalhadores a estofarem a estrutura em madeira dos sofás. “A maioria dos clientes procura conforto, apesar de os jovens se preocuparem muito com o design”, detalha, lembrando que muitos os procuram pelo acompanhamento personalizado que fazem em loja.
Além dos sofás, há várias peças “especiais” em exposição, como o cadeirão com a bandeira de Portugal feito para o antigo seleccionador nacional, Fernando Santos, os cabides Árvore interpretados por vários artistas portugueses ou as peças que o arquitecto Siza Vieira desenhou para o pavilhão do Vaticano na Bienal de Arquitectura de Veneza. “Fizemos três exemplares e o arquitecto deixou-nos ficar com um deles”, orgulha-se, explicando que as esculturas foram feitas em madeira de criptoméria, uma espécie açoriana.
Os próximos 25 anos
A utilização de madeiras autóctone tem sido uma das apostas da empresa, que, em 2021, lançou um projecto de plantação de árvores. Com o Love Nature propunham-se até 2025 a plantar 50 mil árvores autóctones portuguesas, que distribuíram gratuitamente aos clientes e embaixadores ─ o objectivo já foi cumprido. “Temos pessoas a mandar fotografias para acompanharmos o crescimento da árvore”, conta.
Mas a missão de sustentabilidade não se esgota aí e, com recurso à energia solar, já são responsáveis por gerar “70 a 80%” da energia necessária para o complexo industrial de mais de 19 mil metros quadrados na Rebordosa, Paredes. “Também temos baterias que guardam a energia nos períodos em que é mais produzida de forma a ser armazenada para os dias mais encobertos”, declara.
Os clientes que procura a empresa interessam-se por esta costela ambiental. “São pessoas que querem design e qualidade, mas valorizam o que é português e preferem marcas com responsabilidade ambiental”, insiste. É só assim que acredita ser possível diferenciar-se das marcas de mobiliário massificadas, cuja tabela de preços é impossível de competir. “Hoje o cliente é muito informado e isso veio favorecer a Antarte.”
“Antes da pandemia, o mercado português representava menos de 50% e actualmente é 78% da nossa facturação. É muito”, revela, avançando que, durante este mês de Junho, abrem um novo complexo em Leiria, que terá não só loja, mas também centro de distribuição, num investimento de 2,5 milhões de euros. Além-fronteiras, o principal mercado é Espanha e, no início deste ano, abriram uma nova loja no Dubai. “O Médio Oriente está em franco crescimento em relação à Europa e acreditamos que lá terá mais sucesso”, declara.
Todas as lojas têm disponível o serviço de design de interiores (só em Portugal empregam mais de 30 arquitectos e designers), que ajuda o cliente a organizar os espaços. “É muito procurado quando se trata de remodelar uma casa, porque as pessoas nem sempre conseguem visualizar como vai ficar”, argumenta. Recentemente, passaram também a oferecer uma ferramenta de realidade virtual no site, que permite colocar móveis de num espaço vazio através da câmara do telemóvel.
Para quem quiser ir ao complexo de Paredes, há showroom de mais de mil metros quadrados. A visita ao museu da Antarte é sempre gratuita e só é necessária marcação aos domingos. “Pensávamos que ia ser um projecto mais regional, mas à medida que foi avançando percebemos a dimensão que estava a tomar. Têm vindo todo o tipo de pessoas e ainda bem”, termina.