Afinal, já não haverá proposta de estatuto de dona de casa entregue ao Governo
Paulo Otero diz que o que tem pronto é um documento que aborda a questão e que será publicado numa colectânea de textos de Direito, que o Governo poderá “aproveitar”, se quiser.
A proposta para que seja criado o estatuto legal e fiscal de dona de casa, que segundo foi noticiado, deveria ser entregue pelo Movimento de Acção Ética ao Governo em Maio, afinal já não vai existir. Paulo Otero, um dos membros do movimento e coordenador do livro Identidade e Família, que esteve na base da discussão deste tema, afirma agora que “está posta de lado” a criação de tal proposta. O que irá existir, diz, é um texto “com linguagem inteiramente jurídica”, que será publicado numa colectânea de estudos de Direito, cuja data de publicação diz desconhecer.
A sugestão para que fosse criado um estatuto legal e fiscal para a “mulher dona de casa”, divulgada pelo professor catedrático de Direito e conotado com a Direita mais conservadora, esteve envolta em polémica, devido a declarações proferidas pelo próprio sobre o papel da mulher ou da família e de direitos como o casamento homossexual ou o aborto. Posições que levaram mesmo outros membros do Movimento Acção Ética, como o antigo ministro António Bagão Félix, a demarcarem-se da suposta proposta de criação de um subsídio para a mulher dona de casa, que Paulo Otero admitiu que também poderia abranger os homens que estivessem nessa situação, embora defendendo que as mulheres são "mais propensas" a estar em casa, uma vez que realizam "actividades insubstituíveis”, dando como exemplo a maternidade que, disse, “é reservada às mulheres”.
O mês de Maio terminou sem que fosse conhecida a suposta proposta e, agora, Paulo Otero diz ao PÚBLICO que ela não vai existir. “Essa hipótese está posta de lado. Se o Governo quiser aproveitar o texto que será publicado, já é outra coisa”, diz.
E o texto que será publicado (“é exclusivamente meu”, frisa) irá abordar a possibilidade de criação de “um regime que tem que ver com a família em si, não apenas as donas de casa, mas com as pessoas que exercem determinadas funções junto de filhos menores, deficientes ou pessoas em situação de velhice”, explica. Garantindo que a discussão sobre se estas pessoas “devem ter ou não um tratamento especial” é abordada “independentemente de serem homens ou mulheres”, Paulo Otero afirma que o que ali se discute é a possibilidade de estas pessoas deverem “ter ou não rendimentos, se esses rendimentos são acima do salário mínimo e, nesse caso, se devem ter uma repercussão fiscal”.
Defensor do que diz ser a “família tradicional”, ou seja, um casamento entre um homem e uma mulher, o catedrático afirma ainda que outra questão abordada é se quem tem licença de maternidade “pode ou não optar pelo direito de ficar três anos em casa, recebendo a mesma remuneração se estivesse no activo, como acontece na Alemanha”. E, aqui, já não prevê que essa licença alargada possa ser exercida pelo pai. “A questão é saber se nos três anos não se deve dar preferência à mulher, por razões que não são jurídicas, mas de natureza afectiva”, afirma.
Apresentado a 8 de Abril, o livro Identidade e Família, promovido pelo Movimento Acção Ética, conta com textos de 22 autores quase exclusivamente ligados à Direita portuguesa, incluindo Paulo Otero, António Bagão Félix, João César das Neves, Jaime Nogueira Pinto ou Gonçalo Portocarrero de Almada. Apresentado pelo ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, o livro causou polémica, por algumas das posições ali defendidas e que levaram alguns sectores da sociedade a temer pelo retrocesso de alguns dos direitos conquistados, como o casamento e a adopção por casais do mesmo sexo.
A discussão em torno da criação de um subsídio para a mulher dona de casa foi levantada por Paulo Otero a partir desta obra, mas a discordância sobre este tema por parte de outros elementos do movimento foi notória quase de imediato. Apesar de a elaboração de uma proposta nesse sentido, a ser entregue em Maio, ter sido amplamente divulgada e nunca desmentida, o professor catedrático diz agora que “nunca” teve “a intenção” de o fazer, vincando que o texto cujo “articulado está pronto desde Maio” é da sua exclusiva autoria, sem vincular o movimento.