Os jovens trazem “perspectivas frescas”, mas o voto aos 16 ainda não convence todos

Pela primeira vez, jovens de 16 anos vão votar para as europeias na Alemanha e Bélgica. Em Portugal, ainda não há consenso sobre a alteração da idade de voto.

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A Áustria, que em 2007 baixou a idade do voto para os 16, como um caso de sucesso nesta matéria Boris Zhitkov/Getty Images
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As eleições europeias arrancaram esta quinta-feira, 6 de Junho, nos Países Baixos – o primeiro país a deslocar-se às urnas num processo eleitoral que dura até dia 9, data marcada para as eleições em Portugal (por cá, já houve uma oportunidade de voto antecipado no domingo passado). Este ano, pela primeira vez, jovens com 16 anos vão votar nas eleições europeias na Alemanha e na Bélgica, juntando-se assim à Áustria (pioneira) e Malta, onde é possível votar aos 16, e à Grécia, onde a idade de voto se fixa nos 17. São, assim, mais 270 mil eleitores belgas e 1,4 milhões eleitores alemães.

O voto aos 16 há muito que dá que falar. Há partidos e movimentos que defendem activamente esta mudança, mas ainda prevalece a ideia de que nessa idade, e apesar de já ser possível trabalhar e pagar impostos, não há ainda “maturidade ou conhecimento político” suficiente, adivinha Lauren Mason, responsável do Fórum Europeu da Juventude pela participação jovem, em conversa com o P3.

Este fórum, uma associação internacional que funciona como agregador de diferentes organizações juvenis, é responsável por uma petição para baixar a idade do voto para os 16 anos. Nessa idade, defende Lauren, “os jovens já participam activamente na sociedade, tomam decisões informadas e envolvem-se em actividades políticas”. “Podem trabalhar, conduzir, tomar decisões médicas e juntar-se a partidos políticos, o que demonstra a sua capacidade de entender e contribuir para o discurso político. Dar-lhes o direito ao voto reconhece o seu já existente nível de responsabilidade”, continua.

Para o Fórum Europeu da Juventude, baixar a idade de voto é uma forma de “fortalecer as democracias, ao aumentar a participação eleitoral e estimular o hábito de votar”.

Um estudo que analisou a afluência às urnas nas eleições de 2021 para o Parlamento escocês revelou que os jovens que puderam votar mais cedo votaram em maior número do que os seus pares ligeiramente mais velhos. Também as diferenças entre classes sociais no hábito de voto foram menos acentuadas entre os jovens de 16 e 17 anos do que nos eleitores mais velhos e a população jovem no resto do Reino Unido.

Outro dado observado foi que, ao contrário da tendência (geralmente a afluência às urnas costuma ser mais baixa nos primeiros anos da idade adulta e aumenta à medida que os eleitores vão avançando na casa dos 20), quem tem entre 16 e 17 anos e pode votar, tende a fazê-lo mais do que os que estão entre os 18 e os 24. Foi assim na Escócia no ano em que a medida foi aplicada (2014) e assim se manteve até hoje. Ou seja, as pessoas que começaram a votar mais cedo parecem ser mais susceptíveis a adoptar esse hábito.

Além da possibilidade de cimentar hábitos, Lauren Mason refere que os jovens trazem “perspectivas frescas” à discussão: temas como “as alterações climáticas, os direitos digitais e a justiça social” parecem mover os jovens, e o seu envolvimento pode ser “uma ponte entre o eleitorado e os decisores políticos, garantindo que as leis reflectem melhor as necessidades das sociedades contemporâneas”.

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Lauren Mason DR

Ainda assim, salvaguarda, devem existir medidas a acompanhar esta alteração: “É essencial integrar educação cívica nos currículos escolares, garantindo que as pessoas entendem o sistema político e a importância do seu voto.” Além da adaptação das escolas, devem existir “campanhas” que contribuam para o envolvimento político, “fortalecimento do apoio a organizações de juventude” e ainda um processo de voto “mais acessível”: tudo isso pode “ajudar a garantir a participação informada e maior participação entre os mais jovens”.

Lauren Mason aponta a Áustria, que em 2007 baixou a idade do voto para os 16, como um caso de sucesso nesta matéria: “Saber que vais votar em breve tem-se mostrado ser um factor de motivação”, afirma. No site da Comissão Europeia, as estatísticas da participação eleitorais de 2017 mostram que 90,3% dos jovens com 16 e 17 anos se deslocaram às urnas. O número baixa significativamente nos 18 e 19 anos, fixando-se nos 74,6%. “Isto pode dever-se à possibilidade de uma melhor preparação para a eleição através da escola e dos pais. O grupo problemático na participação eleitoral mostra não ser o dos 16 e 17 anos (como temiam os críticos da diminuição da idade de voto), mas os de 18 e 19 anos”, lê-se no site.

E por cá?

Em Portugal, está consagrado na Constituição, desde 1976, o direito ao voto a partir dos 18 anos. Há quem queira mudar isso, mas a ideia ainda divide o Parlamento. Em Novembro de 2022, um projecto de revisão do PSD defendeu baixar a idade do voto como medida de “equidade intergeracional” e de “combate à sub-representação dos jovens”. A medida foi também defendida pelo Bloco de Esquerda, Livre e PAN e teve forte apoio da Iniciativa Liberal. Não conseguiu, no entanto, convencer o PS, que travou a medida, acompanhado pelo PCP e Chega.

Agora, dois anos mais tarde, as posições mantêm-se. Há quatro partidos que, inequivocamente, defendem esta mudança, incluindo-a, aliás, no seu programa eleitoral: Bloco de Esquerda, PAN, Livre e AD.

O Bloco, antigo defensor desta medida, inscreve-a no programa eleitoral como uma das formas de “reforço da participação popular”. Para a AD, esta é uma forma de “aumentar a participação dos cidadãos e aprofundar a sua ligação ao sistema democrático”. O PAN acredita que o voto aos 16 é um dos caminhos para uma “democracia renovada” e o Livre aponta esta medida como uma “forma de garantir maior diversidade e pluralidade do sistema político”.

A Iniciativa Liberal não inclui a medida no programa eleitoral, mas refere que “viabilizaria esta proposta”, ainda que considere que o tema “deve ser discutido aprofundadamente”. “O envolvimento dos jovens mais cedo na vida política activa, numa fase de formação de hábitos, pode ajudar a consolidar eleitores participativos e informados no longo prazo. Parece-nos ser esta a principal vantagem”, esclarece Pedro Schuller, responsável pelo pelouro da juventude na Comissão Executiva do partido.

“A redução da idade do voto traz um equilíbrio ao perfil médio do eleitor, num país cada vez mais envelhecido. É importante que aqueles que vão lidar com as consequências das decisões democráticas durante mais tempo tenham a sua voz ouvida.” Pedro Schuller salvaguarda, no entanto, que a lei deve ser acompanhada de “mais literacia política, por exemplo, nas escolas, e de reforço de competências dos organismos de juventude ou outros mecanismos de representação”.

Por outro lado, o PCP acredita que “o actual quadro legal é adequado”. “A participação juvenil na vida democrática vai muito para além do voto”, considera o partido, que defende que “o combate à abstenção no geral tem de passar inevitavelmente pela resolução dos problemas que as pessoas enfrentam no dia-a-dia e pela resposta às suas reivindicações, como as obras necessárias nas escolas, a redução da carga horária no ensino profissional, o fim das propinas e restantes barreiras de acesso ao Ensino Superior, o aumento dos salários ou a habitação ao acesso de todos”.

Para o Chega, também contra a medida, “o voto aos 16 ou 17 anos não resolve o problema da abstenção”: “Se aos 16 anos um jovem não pode conduzir, beber álcool ou realizar um conjunto de acções que pressupõem maioridade, não faz sentido que possa votar”, justifica a deputada Rita Matias. Aos 16 ou 17 anos um jovem pode, no entanto, conduzir ciclomotores e beber cerveja ou vinho.

Junto da população, também não parece existir grande vontade em proceder à alteração. Um estudo feito em 2022 por João Cancela, da Nova FSCH, e José Santana Pereira, do Iscte, a uma amostra de 2700 pessoas, reportou que os mais jovens não são mais propensos a manifestar uma preferência pela redução da idade de voto. Dos 84% que conseguiram responder à questão “Na sua opinião, a partir de que idade é que se devia poder votar em Portugal?”, 60% disse ser a favor da manutenção dos 18 anos. Mesmo os mais jovens não se mostraram particularmente interessados na ideia.

Viragem radical à direita?

As sondagens à boca da urna do ICS/ISCTE mostram uma clara viragem dos jovens entre os 18 e os 34 anos, que representaram quase um quarto do total de votantes nas eleições legislativas de Março último, à direita. “Partidos ‘novos’ (IL, Livre, Chega e, ainda ‘novo’, o BE) atraem os mais jovens muito mais que os partidos ‘velhos’ (PS, CDU, AD)”, explicam os investigadores João Cancela e Pedro Magalhães, na análise que acompanha os gráficos publicados.

O caso do PS é especialmente expressivo. Quase metade (48%) dos eleitores com mais de 65 anos votaram neste partido; mas, na faixa etária dos 18 aos 34 anos, o número desceu para os 13%. Essa mesma faixa etária deu 25% dos votos ao Chega; os mais velhos deram apenas 8%. A IL contou com 11% dos votos dos mais novos e 1% dos mais velhos. O Bloco conseguiu convencer 6% dos mais novos, contra 3% dos mais velhos. A CDU contou com 2% e 5%, respectivamente, e o PAN com 3% e 1%. A AD conseguiu um empate: 28% em ambas as faixas etárias.

A viragem para a direita radical é, para Lauren Mason, um dos motivos para os decisores políticos terem algumas ressalvas em relação a esta medida. Medos que considera infundados: “Os jovens já demonstraram capacidade para um voto responsável e informado.” Outro dos motivos apontados é o facto de, em alguns países, como em Portugal, a alteração da idade requerer uma alteração constitucional, havendo “um certo medo” de abrir este precedente. E, mais ainda, pode haver resistência de alguns políticos que não querem alterar o status quo ou redistribuir o poder político.”

O Fórum Europeu da Juventude não está alheio ao efeito “que os partidos da direita radical parecem estar a ter nos jovens europeus”. “É claro que há frustração entre os mais jovens que os partidos tradicionais não têm conseguido resolver nos últimos anos”, aponta. A “crise da habitação, os mercados de trabalho estagnados, os impactos da covid-19 e os efeitos das alterações climáticas” são alguns deles.

Ainda assim, e mesmo que os partidos da direita radical “sejam populares entre os jovens nas redes sociais, não é claro se isto se vai traduzir em votos”. O dia 9 dirá.

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