O que querem fazer os candidatos às europeias pela ferrovia?

Num país isolado em termos internacionais e onde o investimento tem sido dirigido de forma maioritária para a rodovia, o que podem fazer os futuros eurodeputados portugueses?

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O PÚBLICO questionou os candidatos ao Parlamento Europeu sobre o transporte ferroviário Miguel Manso
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O PÚBLICO perguntou a todos os candidatos ao Parlamento Europeu provenientes de partidos com lugar na Assembleia da República o que podem fazer pelo transporte ferroviário, num país isolado em termos internacionais e onde o investimento tem sido dirigido de forma maioritária para a rodovia.

As perguntas enviadas foram:

  1. Desde Março de 2020 que não há qualquer ligação ferroviária directa entre Lisboa e Madrid e nunca as ligações transfronteiriças sobre carris foram tão fracas como na actualidade. No contexto da Europa continental as duas capitais ibéricas são praticamente as únicas a não ter ligação por comboio. Qual a sua opinião sobre esta situação e o que poderá fazer no PE para a mudar?
  2. ​A actual Comissão é contra a atribuição de subsídios para a exploração de comboios nocturnos entendendo que estes só devem existir se forem rentáveis. No entanto, vários estados membros subsidiam companhias aéreas low cost para que estas lhes transportem passageiros-turistas. O que espera fazer para corrigir este desequilíbrio?

Aqui ficam na íntegra as respostas dos candidatos de Bloco de Esquerda, CDU, PAN, Livre e Iniciativa Liberal. Os partidos são apresentados pela ordem decrescente face aos resultados eleitorais nas eleições europeias de 2019.


Catarina Martins - Bloco de Esquerda

Resposta à pergunta 1. Portugal perdeu uma oportunidade histórica para assegurar a ligação à rede europeia de alta velocidade. O Governo Sócrates cedeu à pressão da direita e suspendeu a obra em Maio de 2010 e o Governo de Passos Coelho deu a machadada final em Novembro de 2011 quando abandonou o projecto. A falta de visão e determinação dos partidos do bloco central constitui um crime de lesa-pátria, que atrasou toda a nossa política de mobilidade mais de uma década.

Este erro juntou-se a várias décadas de um equívoco de desenvolvimento que levou governos do PS e do PSD a canalizarem os fundos comunitários para a rodovia em detrimento da ferrovia. Os investimentos previstos são previstos no Plano Nacional Ferroviário são sistematicamente adiados e o próprio Plano está em permanente revisão.

O Bloco tem defendido e vai continuar a defender uma aposta muito mais determinada na ferrovia, transferindo para este sector todos os recursos que têm sido desperdiçados no apoio e benefícios fiscais aos transportes aéreo e marítimo, apoios que são completamente contraditórios com os compromissos climáticos da União.

Essa aposta deve incluir apoios ao relançamento e inovação em indústrias de produção de material circulante, assegurando que o investimento na ferrovia é marcado por uma forte incorporação produtiva nacional, construindo competências e criando emprego qualificado.

O Bloco também se irá bater pela alteração das regras de governação económica acordadas entre socialistas, liberais e direita. Essa alteração deve assegurar, pelo menos, uma verdadeira protecção ao investimento nos serviços públicos e na transição climática, em que a ferrovia terá um papel fundamental.

Resposta à pergunta 2. Essa é apenas uma das dimensões em que tem existido um enviesamento injustificável das políticas europeias a favor do transporte aéreo, em detrimento do transporte ferroviário. É consensual, do ponto de vista do combate às alterações climáticas, a necessidade substituir voos de curto e médio curso. Os comboios nocturnos permitem substituir muitos desses voos, além de permitirem rentabilizar ao máximo a estrutura ferroviária existente.

Mais uma vez, trata-se de deslocar os avultados apoios de que beneficia a indústria aérea, que constituem um subsídio ao fóssil e um atentado ambiental, pagos com dinheiro público. Usar esses recursos no apoio aos comboios nocturnos e a outras soluções de transporte ferroviário é um imperativo de eficiência económica e exigência ambiental.

O apoio à ferrovia não deve aliás restringir-se a esta solução específica. A ferrovia, por ser de longe a solução de mobilidade mais sustentável e eficiente, deve ser entendida como um serviço público universal. Isto significa caminhar no sentido de garantir transporte ferroviário gratuito nos grandes centros urbanos, para os movimentos pendulares quotidianos e é assegurar preços muito baixos para o transporte ferroviário de médio e longo curso.

Os apoios ao investimento e utilização do transporte ferroviário são a aposta segura numa mobilidade com futuro e em qualquer política séria de combate às alterações climáticas.

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Com a pandemia, os comboios internacionais entre Lisboa e Madrid (Lusitânia Comboio-hotel) e entre Lisboa e Hendaia (Sud-expresso) deixaram de circular e não regressaram, deixando Portugal mais isolado em termos ferroviários

João Oliveira - Coligação Democrática Unitária (PCP/PEV)

Resposta à pergunta 1. A razão desse atraso é dupla: a ligação em Alta Velocidade a Madrid esteve prevista, o processo de construção foi iniciado (seguindo a errada opção de um modelo PPP), mas o Governo PSD/CDS cancelou o projecto em 2011, sobre o qual o Estado português está condenado a pagar 220 milhões de euros de indemnizações sem ter sido construído qualquer metro de linha. Os comboios nocturnos para Madrid e Paris foram abandonados por falta de vontade política do Governo PS, que permitiu o seu encerramento durante a pandemia e não quis impor a sua reabertura após. As responsabilidades da União Europeia existem, nomeadamente nas consequências desastrosas do processo de liberalização que está a impor, e nas regras orçamentais que promovem o desinvestimento público, mas as causas profundas do atraso nacional devem-se às opções de PS, PSD e CDS enquanto Governos da República.​

Resposta à pergunta 2. A visão neoliberal da Comissão Europeia - e da maioria dos deputados eleitos ao Parlamento Europeu - é errada, e tem como único resultado real o aumento da concentração e centralização de capitais, o crescente domínio do sector por multinacionais, tendo como contrapartida uma redução da oferta. Os comboios nocturnos são já uma importante realidade numa grande parte da Europa, mas não na maioria dos países da União Europeia. A opção pelo modo ferroviário é decisiva e implica a manutenção ou reconstrução de fortes e unificadas empresas públicas nacionais ferroviárias, que desenvolvam mecanismos de cooperação internacional entre si, e usem os apoios públicos para assegurar um nível de oferta adequado às necessidades dos povos da Europa. É preciso romper com o caminho da liberalização e dos sucessivos pacotes ferroviários.​


Pedro Fidalgo Marques - Pessoas-Animais-Natureza (PAN)

Resposta à pergunta 1. O Partido Pessoas-Animais-Natureza defende a melhoria e expansão das infra-estruturas ferroviárias. A ausência de uma ligação ferroviária directa entre Lisboa e Madrid é uma lacuna significativa que deve ser resolvida para promover uma alternativa ecológica ao transporte aéreo e rodoviário, reduzindo as emissões de carbono e incentivando o uso de transportes públicos. Tal será crucial para uma transição verde e para a redução da pegada de carbono da União Europeia.

No Parlamento Europeu, pretendemos pressionar a Comissão Europeia e os Estados-Membros a priorizarem e financiarem projectos de infra-estruturas ferroviárias transfronteiriças. Iremos também apresentar resoluções que prevejam a criação de programas de financiamento específicos para a expansão das redes ferroviárias, assim como apoiar acordos bilaterais entre Portugal e Espanha para reinstaurar e melhorar a ligação ferroviária directa entre Lisboa e Madrid.

Resposta à pergunta 2. O PAN é crítico da política actual da Comissão Europeia de não subsidiar os comboios nocturnos, especialmente quando se considera que vários Estados-Membros subsidiam companhias aéreas low cost. Defendemos que os comboios nocturnos são uma alternativa sustentável ao transporte aéreo e devem ser apoiados como parte da transição para um sistema de transporte mais ecológico.

Para corrigir este desequilíbrio, podemos propor e apoiar medidas legislativas que incentivem os Estados-Membros a redireccionarem subsídios para transportes mais sustentáveis. Isso pode incluir:

  • Propostas para que a Comissão Europeia crie um fundo específico para subsidiar os comboios nocturnos.
  • Pressionar para a revisão das políticas de subsídios que favorecem as companhias aéreas low cost, argumentando que esses subsídios deveriam ser condicionados a critérios ambientais mais rigorosos.​

Francisco Paupério - Livre

Resposta à pergunta 1. No nosso programa, propomos ligar todas as capitais europeias, assim como, as principais cidades e regiões, até 2035. O investimento deve ainda ter prioridade em zonas com fraca ou inexistente presença de mobilidade, pelo que é necessário criar uma estratégia comum de ligação ferroviária, adaptada as realidades dos Estados membros.

Precisamos de apostar na utilização de fundos europeus direccionados para a infra-estrutura ferroviária de forma a que se resolvam os entraves que hoje existem à operação de comboios directos entre as duas capitais - Lisboa e Madrid - e outras ligações transfronteiriças por ferrovia.

É necessário electrificar as linhas de ambos os lados da fronteira na mesma tensão eléctrica e instalar sistemas de sinalização e comunicação interoperáveis. Garantir que há fundos e se avança para cumprir os prazos da Linha de Alta Velocidade Lisboa (LAV) - Madrid e que se adquirem comboios novos para operar. Também partilhamos com os Verdes Europeus a proposta, que defenderemos no Parlamento Europeu, do sistema de bilhética único e interoperável para ser mais acessível a aquisição de bilhetes entre países da união. A LAV Lisboa - Madrid enquadra-se na Rede Trans-Europeia de Transportes (RTE-T) que é um plano a ser desenvolvido pela UE, de infra-estrutura de transportes públicos de alta qualidade, e que tem de ser finalizado e deve ainda incluir a Linha de Trás-os-Montes para permitir uma ligação internacional através de Bragança.

A LAV Lisboa - Madrid enquadra-se, juntamente com as LAV Porto - Vigo, Aveiro - Salamanca e Faro - Sevilha na Rede Trans-Europeia de Transportes (RTE-T) que é um plano a ser desenvolvido pela UE, de infra-estrutura de transportes públicos de alta qualidade, e que tem de ser finalizado com a inclusão da Linha de Trás-os-Montes para permitir uma ligação internacional através de Bragança.​

Resposta à pergunta 2. Os comboios nocturnos são um meio de transporte importantíssimo para as pessoas se deslocarem entre os estados membros da forma mais ecológica e confortável possível e são especialmente importantes para países periféricos como Portugal onde mesmo os comboios de alta velocidade não conseguem competir com o avião devido às longas distâncias.

O LIVRE defende um forte investimento na ferrovia, incluindo nos transportes nocturnos, de forma a dar alternativas verdes aos voos. Esta incoerência da Comissão não pode passar despercebida numa década em que a diminuição das emissões é uma prioridade para cumprimos com os Acordos de Paris. E, neste contexto, deve ser considerado o redireccionamento dos subsídios dados às companhias aéreas para a ferrovia, o que seria uma solução ecológica e sem impacto orçamental. Em paralelo, o novo Pacto Verde e Social que propomos, juntamente com os Verdes Europeus, visa a emissão de nova dívida conjunta que deverá suportar o investimento em mais transportes públicos de qualidade, incluindo o desenvolvimento da ferrovia, de modo a criar alternativas verdes e de utilização alargada na área da mobilidade.

Os comboios nocturnos enfrentam os mesmos problemas de interoperabilidade entre estados-membros que os restantes. Portanto os fundos europeus para renovar e construir novas linhas devem ser aplicados a par da cooperação entre operadores estatais dos países (no caso a CP e a RENFE).

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A Comissão Europeia tem colocado entraves à atribuição de subsídios públicos para serviços nocturnos transfronteiriços, mas fecha os olhos aos subsídios atribuídos às companhias áreas low cost

João Cotrim de Figueiredo - Iniciativa Liberal (IL)

Resposta à pergunta 1. Actualmente há um grave défice de infra-estruturas ferroviárias entre as duas capitais – seja por falta de capacidade, por falta de performance ou pelo simples facto de os traçados existentes não responderem aos padrões de mobilidade existentes e aos que poderão existir. Uma prova de que os fundos estruturais não estão a ser devidamente atribuídos, aplicados e monitorizados é esta realidade de termos um amplo consenso europeu sobre a edificação da rede TEN-T, onde o corredor Lisboa – Madrid devia ter altas prestações na sua íntegra até 2030, mas depois não existir real urgência de governos e da própria comissão. Lutaremos assim por tornar consequentes os diversos programas europeus com real interesse social e económico, como é o caso deste, ao invés de serem tão facilmente secundarizados por prioridades de curto prazo que governos nacionais e comissão episodicamente utilizam para desfocar a atenção deste tipo de assuntos.​

Resposta à pergunta 2. Não podemos ter um discurso sobre ambiente a tolerar subsidiação a companhias aéreas ou a estradas (vejam-se as muitas ajudas que o governo português tem atribuído com dinheiros públicos), e depois deixarmos de fora o transporte que consensualmente melhor promove a sustentabilidade ambiental e a maior eficiência económica. Parece também caricato que nos últimos anos empresas públicas tenham preferido eliminar material circulante pago com dinheiro dos contribuintes, em vez de venderem a empresas interessadas em o revalorizar a custo contido para operar esse tipo de serviços – caso da European Sleeper, que é um sucesso. Um dos maiores bloqueios à entrada, além do desequilíbrio que há na subsidiação de oferta, é a oportunidade de poder ter material circulante disponível para arriscar em novos serviços. Para tráfegos cuja escala será sempre mais pequena, a oportunidade de intervenção pública europeia pode ser a de incentivar a criação de pools europeias de material, com procurement conjunto e em benefício de todas as empresas que possam estar interessadas, mas cuja encomenda individual representaria sempre custos inviáveis de aquisição. Isto e disponibilizar todo o parque sem uso que as empresas estatais detêm e que não fazem questão de voltar a utilizar.​


Os candidatos do Partido Socialista, Aliança Democrática e Chega não responderam às perguntas do PÚBLICO.

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