Buscas no Ministério da Saúde e no Santa Maria. Ex-secretário de Estado Lacerda Sales constituído arguido

Buscas da PJ estão relacionadas com caso das gémeas luso-brasileiras que receberam tratamento para atrofia muscular espinhal no Hospital de Santa Maria. Lacerda Sales foi constituído arguido.

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Vários inspectores da Polícia Judiciária estão no Hospital de Santa Maria, em Lisboa Miguel Manso
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A Polícia Judiciária (PJ) está a realizar, esta quinta-feira, buscas no Ministério da Saúde e no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, avançou a SIC Notícias e confirmou o PÚBLICO junto de várias fontes. De acordo com o canal televisivo, as buscas estarão relacionadas com o alegado favorecimento na marcação das primeiras consultas das gémeas luso-brasileiras que receberam um medicamento, com um valor de cerca de dois milhões de euros, para o tratamento da atrofia muscular espinhal.

Em causa estará o alegado envolvimento do então secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales no pedido de marcação da primeira consulta das gémeas luso-brasileiras, na altura a viver no Brasil, no Hospital de Santa Maria, onde viriam a receber o Zolgensma.

Segundo a SIC Notícias, o antigo secretário de Estado da Saúde foi constituído arguido no início desta semana. Ao PÚBLICO fontes ligadas ao processo confirmaram que Lacerda Sales foi constituído arguido e que a sua casa foi alvo de buscas. O PÚBLICO tentou contactar o antigo responsável, mas sem sucesso até ao momento.

Fonte oficial do Ministério da Saúde confirmou ao PÚBLICO a presença de elementos da PJ no ministério. Também fonte oficial do Hospital de Santa Maria confirmou o mesmo, reforçando que a unidade, que agora faz parte da Unidade Local de Saúde Santa Maria, “irá prestar toda a colaboração”.

Numa nota divulgada pela secção Regional do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, que se dedica ao combate da criminalidade económico-financeira, confirma-se a realização de buscas a instalações do Ministério da Saúde e da Segurança Social, a duas unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a domicílio, visando a recolha de documentação.

O objecto da investigação relaciona-se com as circunstâncias relativas ao tratamento de duas crianças luso-brasileiras com o medicamento Zolgensma. Em causa estão factos susceptíveis de configurar, nomeadamente, crime de prevaricação, em concurso aparente com o de abuso de poderes, crime de abuso de poder na previsão do Código Penal e burla qualificada, adianta a nota, referindo que as investigações prosseguem, encontrando-se o processo em segredo de justiça.

Em comunicado, a PJ adiantou que em causa estão o cumprimento de 11 mandados de busca, a fim de consolidar a investigação em curso à prática de crimes de prevaricação, abuso de poderes, tráfico de influência, abuso de poder e burla qualificada. Com estas buscas, realizadas pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ e que ocorreram na Área Metropolitana de Lisboa, procurou-se a recolha de equipamentos de telecomunicações, informáticos, prova de natureza documental, correio electrónico, elementos que serão submetidos a exames e perícias, tendentes ao cabal esclarecimento dos factos. Na operação participaram cerca de 40 inspectores e diversos magistrados do Ministério Público e magistrados judiciais.

Em campanha para o Parlamento Europeu, a ex-ministra socialista da Saúde Marta Temido garantiu não temer que os acontecimentos a prejudiquem na corrida eleitoral. “Sei que as pessoas sabem que a intervenção da ministra da Saúde relativamente à autorização de medicamentos não existe. Os ministros não autorizam a administração de medicamentos”, disse a candidata socialista aos jornalistas. “Sobretudo quando não são médicos.”

Repetindo uma vez mais que não teve conhecimento do que se passou, mostrou-se disponível para fornecer todos os esclarecimentos necessários. “Espero ser chamada pela Judiciária para isso”, observou, recordando que já foi ouvida pela IGAS sobre o caso. Afirmando confiar na justiça, no Ministério Público e nesta polícia, Marta Temido recusou-se a comentar o timing destas buscas. E deixou uma garantia: “Digo, olhos nos olhos: eu não tive nada que ver com isto!”

Pais das gémeas ainda não foram ouvidos, diz advogado

O advogado da família das gémeas luso-brasileiras, Wilson Bicalho, disse ao PÚBLICO que os pais das crianças não foram ainda ouvidos pelas autoridades, e muito menos constituídos arguidos. “Enviámos um email formal ao Ministério Público para nos inteirarmos dos factos que constam deste inquérito, mas não recebemos qualquer resposta”, explicou o advogado.

O neuropediatra do Hospital Santa Maria Levy Gomes, que denunciou o caso das gémeas luso-brasileiras, diz ter sido ouvido pelo Ministério Público no âmbito deste inquérito há já alguns meses. O inquérito foi aberto no final de Novembro passado, na sequência de uma investigação da TVI.

Quando inicialmente noticiado, a reportagem da TVI alegou que o Presidente da República poderia ter interferido no tratamento de duas gémeas luso-brasileiras​, o que Marcelo Rebelo de Sousa negou. Mais tarde admitiu, em conferência de imprensa, que o seu filho, a residir no Brasil, teria enviado uma carta dando conta da situação das gémeas, que a Casa Civil enviou para o Ministério da Saúde, um procedimento normal.

Caso o Ministério Público entenda ser necessário investigar a actuação do Presidente da República neste caso, serão seguidos procedimentos semelhantes aos que tiveram lugar na Operação Influencer relativamente ao então primeiro-ministro António Costa, ou seja, será extraída uma certidão do processo principal para que possa ser aberto um novo inquérito no Supremo Tribunal de Justiça. A dignidade destes cargos implica que os seus detentores tenham direito ao chamado “foro especial”, isto é, a serem investigados e julgados pelos procuradores de um tribunal superior.

Se o Ministério Público junto do Supremo quisesse pôr Marcelo Rebelo de Sousa sob escuta, competiria por lei ao presidente deste tribunal, Cura Mariano, que tomou posse esta semana, autorizar essa diligência – tal como sucede também no caso de se tratar do primeiro-ministro ou do presidente da Assembleia da República.

Irregularidades na marcação da consulta

O antigo secretário de Estado da Saúde Lacerda Sales — que deveria ter sido ouvido esta quinta-feira na comissão de inquérito parlamentar, mas que pediu adiamento da audição — confirmou numa entrevista ao Expresso no final do ano ter-se reunido duas vezes com o filho de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas sempre negou ter feito a marcação da consulta.

Contudo, o historial clínico das crianças indica que houve um pedido de consulta feito pelo secretário de Estado da Saúde. De acordo com a informação presente num dos vários documentos que constituem o processo clínico, a que na altura o PÚBLICO teve acesso, as crianças realizaram uma consulta presencial em Janeiro de 2020, na sequência de uma primeira consulta feita em Dezembro de 2019, mas apenas com a presença do pai das gémeas. Segundo a informação constante no documento, foi solicitada ao departamento pelo secretário de Estado da Saúde. A médica que assina essa indicação não refere, contudo, o nome do secretário de Estado.

As alegadas interferências deram origem a um inquérito interno no Hospital Santa Maria e a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) abriu um processo de averiguação. Quer num quer noutro, apurou-se que existiram irregularidades na marcação da primeira consulta. Não foram cumpridos os requisitos de legalidade no acesso das duas crianças a consulta de neuropediatria, deu nota a IGAS, que ouviu vários intervenientes no processo. As conclusões foram enviadas para o Ministério Público.

Nenhum dos procedimentos apurou que tivesse existido um acesso indevido ao medicamento. Segundo a auditoria interna do Hospital Santa Maria, a única diferença em relação a todas as outras crianças tratadas com o mesmo medicamento naquele hospital foi o facto de a referenciação para primeira consulta ter resultado de um telefonema da Secretaria de Estado da Saúde.

“Não há indicação de que tenha havido, do ponto de vista do tratamento clínico, diferença entre aquilo que é adoptado a qualquer outra criança nas mesmas circunstâncias clínicas”, reforçou o anterior ministro da Saúde Manuel Pizarro, na Comissão Parlamentar de Saúde em que foi ouvido sobre o assunto em Dezembro do ano passado.

​Entre Julho de 2019 e Julho de 2021, o Infarmed aprovou 17 pedidos de autorização do medicamento dado às gémeas luso-brasileiras. Na maioria dos casos, o deferimento não demorou mais de um dia.

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