Começa a conta-gotas rastreio de cancro associado a amianto
Um total de 200 pessoas deverão participar neste novo programa Fundação Champalimaud, destinado a trabalhadores expostos a amianto.
Um programa de diagnóstico de trabalhadores expostos a amianto arranca a conta-gotas, esta segunda-feira, na Fundação Champalimaud, em Lisboa. A parceria com a associação SOS Amianto visa aumentar a detecção precoce de Mesotelioma Pleural Maligno.
O amianto, também conhecido como asbesto, é um conjunto de minerais fibrosos durante décadas usado na indústria, principalmente da construção civil. Outrora encarado como quase mágico, é hoje considerado um dos mais importantes agentes tóxicos cancerígenos.
Um total de 200 pessoas identificadas pela SOS Amianto deverão participar neste programa. “Nesta primeira fase, procurámos pessoas que trabalharam nas fábricas de fibrocimento”, salienta Cármen Lima, da SOS Amianto, detalhando que havia três – Cimianto, Lusalite e Novinco. “Também estamos à procura de pessoas que trabalham na indústria naval, quer na construção, quer na reparação, independentemente da função.”
A lista não está fechada. Segundo Cármen Lima, qualquer pessoa que tenha trabalhado mais de dez anos nas fábricas de fibrocimento e na indústria naval poderá contactar aquela associação no sentido de se juntar ao programa. “É importante, nesta fase, que tenham trabalhado lá pelo menos dez anos”, diz. “Se têm esta história de vida, podem contactar-nos através de email ou site ou telefone. E nós depois verificamos o resto dos critérios.” A pessoa não pode, por exemplo, ter tido algum tipo de cancro.
A relação entre cancro e amianto está estabelecida há muito. Seguindo uma directiva europeia, Portugal delineou em 2005 um plano nacional para a sua remoção em edifícios públicos e privados.
De acordo com a legislação agora em vigor, o uso de amianto é completamente proibido. Persiste, porém, em várias partes do país, em edifícios públicos e privados, sobretudo em tectos falsos ou telhas de fibrocimento construídos entre 1960 e 1990. A remoção só pode ser realizada por empresas especializadas, com apertadas normas de segurança. Tem vindo a ser feita em escolas.
Ano após ano, o amianto responde por inúmeros casos de mesotelioma (mais comum na pleura), asbestose (forma de fibrose intersticial pulmonar), cancro do pulmão, do ovário, da laringe ou gastrointestinal.
Lembra Jorge Cruz, cirurgião da Unidade de Pulmão da Fundação Champalimaud, que a asbestose é benigna, mas a mesotelioma não e “só era diagnosticada numa fase avançada”. “A sobrevida era de quatro a sete meses, se não tratada, e de sete a 16 meses, se tratada.”
De acordo com daquele especialista responsável por este novo programa, Portugal regista uns 38 casos por ano de Mesotelioma Pleural Maligno. Como a proibição só começou em 2005, “milhares de pessoas tiveram um contacto prolongado com amianto”. Sendo o aparecimento da doença lento (10 a 40 anos), estima que entre 2020 e 2050 ocorra o pico da doença.
“Para melhorar a resposta no tratamento desta doença é necessário criar uma estratégia de diagnóstico precoce”, diz. Além disso, há que desenvolver estratégias terapêuticas. “Não temos terapêuticas eficientes. Onde temos melhores resultados é na cirurgia. E a cirurgia tem de ser feita na fase inicial.”
O chamado Programa do Mesotelioma Pleural Maligno (MPM) por exposição ocupacional ao Amianto recorre ao método de análise de metabolitos voláteis no ar exalado da respiração, o que é considerado inovador. “Tentamos diagnosticar com um simples sopro. Para não trabalhar no escuro, também fazemos uma TAC [tomografia axial computorizada] torácica de baixa dose.”
As três primeiras pessoas são esta segunda-feira sujeitas ao rastreio na Fundação Champalimaud. As próximas três deverão ser atendidas daqui “por quinze dias”. Seguir-se-ão as outras, de forma faseada.
Cármen Lima lembra que “este é um estudo científico”. “Leva algum tempo até amadurecer.” Jorge Cruz diz que conta gastar “um ano e meio a dois anos” no estudo. Adianta que irá delinear perfis.