Onde estão os fósseis no financiamento climático?

Recuso desde já o argumento falacioso de que “não há dinheiro”: não há falta dinheiro, há falta de acção e vontade política.

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A conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas em Bona (Alemanha), SB60, está a começar e decorrerá durante as próximas duas semanas. Esta, que é a 60.ª Sessão dos Órgãos Subsidiários da UNFCCC, constitui um marco importante a meio do caminho para a COP29 em Bacu, no Azerbaijão. O foco das negociações climáticas desde ano está na área do Financiamento Climático, e em concreto em estabelecer as bases para um novo acordo global. Enquanto delegada, cá estarei —, com especialistas e activistas de todo o globo —, a contribuir para os esforços da sociedade civil e para o progresso das negociações.

Este ano, os governos devem chegar a um acordo acerca da Nova Meta Quantificada Colectiva de Financiamento Climático (NCQG). Esta nova meta para o financiamento de acção climática substituirá o objectivo dos 100 mil milhões de dólares por ano (2020-2025), acordado em 2015 na COP21, em que os denominados países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar a respectiva quantia para ajudar os mais vulneráveis a fazer face à crise climática, em particular nos seus esforços de mitigação e adaptação.

Esta última meta estava repleta de lacunas, por isso, o NCQG deve agora marcar um ponto de viragem — e ainda está tudo por decidir. Quantia, fontes do financiamento, base de contribuidores, prazos e cronologia, e garantia de transparência são algumas das questões urgentes e que estarão em cima da mesa. Quanto a mim (e à sociedade civil presente), algumas das reivindicações incluem que a quantia seja baseada na justiça e na ciência, de acordo com as necessidades dos países beneficiários; o financiamento deve ser concedido sob a forma de subvenções, não de empréstimos que apenas constituirão mais dívidas para o Sul Global; devem existir submetas para mitigação, adaptação e perdas e danos (os pilares do financiamento para a acção climática) e o foco deverá estar em financiamento público e não privado.

Recuso desde já o argumento falacioso de que “não há dinheiro”: não há falta dinheiro, há falta de acção e vontade política. Um estudo recente mostrou que um só imposto sobre a extracção de combustíveis fósseis pelos países da OCDE poderia gerar 900 mil milhões de dólares até 2030 (começando em 2024 com uma taxa inicial baixa de 5 dólares por tonelada de CO2, aumentando 5 dólares por tonelada a cada ano). Não é novidade que a indústria fóssil tem lucrado milhares de milhões de dólares à custa das pessoas. Ao mesmo tempo, a crise climática já nos tem vindo a mostrar as suas diferentes facetas — quer seja na forma de inundações, secas, incêndios ou injustiças sociais crescentes. A era dos combustíveis fósseis tem de terminar.

O princípio das Responsabilidades Comuns mas Diferenciadas e Respectivas Capacidades, consagrado como um princípio básico no Artigo 3 da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (UNFCCC) de 1992, reconhece que a responsabilidade entre países é desigual devido às suas diferentes contribuições históricas para as alterações climáticas e às suas capacidades económicas variadas. Adicionalmente, o princípio do poluidor-pagador do Direito Internacional do Ambiente responsabiliza quem polui o meio ambiente, exigindo uma compensação dos danos causados: os poluidores devem arcar os custos da destruição que causaram, incluindo os das medidas tomadas para prevenir, controlar e reparar os mesmos, assim como os custos impostos à sociedade.

Desta forma, estes princípios não só constituem uma base para o financiamento climático que tanto tem sido e continuará a ser discutido, como nos levam a concluir que também a indústria fóssil tem de pagar pela destruição que não só tem causado e continua a causar dia após dia, como da qual lucra diariamente. E o momento para tal é agora.

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