Bactérias que consomem gás hilariante podem ajudar a reduzir emissões na agricultura

Emissões agrícolas podem ser reduzidas através de adubo especial que contém grandes quantidades de bactérias capazes de consumir o óxido nitroso, sugere estudo publicado na revista Nature.

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Elisabeth Gautefall Hiis, primeira autora do estudo da revista Nature, trabalha com amostras de uma estirpe bacteriana no laboratório da Universidade Norueguesa de Ciências da Vida Tonje Halvorsen Walde
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O uso excessivo de fertilizantes na agricultura agrava a crise climática porque liberta para a atmosfera óxido nitroso (N2O), um gás com efeito de estufa potentíssimo, também conhecido como gás hilariante devido às suas propriedades psicoactivas. Estas emissões agrícolas podem agora ser reduzidas através de um adubo especial que contém grandes quantidades de bactérias capazes de consumir o óxido nitroso, sugere um estudo publicado quarta-feira na revista científica Nature.

O que estas bactérias têm de especial é o facto de terem sido seleccionadas com muito cuidado, pelo Lars [Bakken] e outros colegas meus, há alguns anos, que criaram e desenvolveram um método para enriquecer e isolar bactérias com características muito específicas. Elas não só consomem N2O e libertam substâncias inofensivas, como também crescem num certo tipo de resíduo orgânico que pode ser usado como fertilizante e são capazes de sobreviver no solo”, explica ao PÚBLICO Elisabeth G. Hiis, primeira autora do estudo da Nature.

Elisabeth Hiis, uma estudante de doutoramento da Universidade Norueguesa de Ciências da Vida, refere que o óxido nitroso (ou gás hilariante) é um gás com efeito de estufa de longa duração que se acumula na atmosfera e tem um poder de retenção de calor quase 300 vezes maior do que o dióxido de carbono (CO2). É o terceiro mais preocupante no que toca à crise climática, ficando apenas atrás do CO2 e do metano.

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Lars Bakken, cientista norueguês, co-autor do estudo que propõe o uso de bactérias para reduzir emissões de óxido nitroso na agricultura Alexander Benjaminsen/DR

Habitam hoje a Terra mais de oito mil milhões de pessoas e a utilização de azoto na agricultura é vista como “essencial” para a produção vegetal, nomeadamente sob a forma de fertilizantes sintéticos. Temos então um círculo vicioso: quanto mais tentamos devolver produtividade aos solos desgastados, injectando fertilizantes no sistema agrícola, mais gases perigosos estamos a enviar para a atmosfera e mais distantes estamos de cumprir o Acordo de Paris.

A equipa norueguesa, liderada pelo co-autor Lars Bakken, acredita ser possível quebrar este ciclo usando este adubo com bactérias capazes de “devorar” o óxido nitroso e, em seguida, libertar azoto, um gás inofensivo para a atmosfera. Os investigadores desenvolveram o método recorrendo à estirpe bacteriana Cloacibacterium sp. CB-01, que consome gás hilariante durante a respiração.

A estirpe bacteriana CB-01 foi seleccionada para duas características: crescimento rápido na mistura e capacidade de sobrevivência no solo. De pouco serviria as bactérias gostarem de “devorar” o gás hilariante se, depois, morressem logo ou não se reproduzissem nos solos onde os adubos com a mistura foram depositados. Os microrganismos também deveriam ser capazes de crescer numa mistura de resíduos orgânicos.

“Os autores mostram que o declínio da estirpe CB-01 foi gradual e que as células sobreviveram por vários meses. Isto mostra o poder da estratégia de enriquecimento duplo para isolar microrganismos que combinam funções desejadas, com tenacidade e robustez, para aplicações na vida real em diferentes tipos de solos agrícolas”, escrevem os cientistas Guang He e Frank E. Löffler num comentário ao estudo, publicado na mesma edição da Nature.

Testar a eficácia no terreno

A eficácia do novo “adubo” foi testada através da fertilização de três parcelas de campo com a mistura CB-01, que eram comparadas com outros três talhões adubados com a mesma mistura, mas com uma diferença: antes da aplicação, o produto havia sido submetido ao calor para garantir que os microrganismos não sobreviveriam. Depois, um robô percorreu os terrenos fazendo medições da quantidade de gás hilariante libertada por cada parcela após a fertilização.

Os resultados mostram que a mistura rica em bactérias da estirpe CB-01 permitiu reduções de emissões de óxido nitroso de 50 a 95%, dependendo do tipo de solo. Os cientistas puderam ainda verificar que, “apesar de um ligeiro declínio, a abundância de CB-01 permaneceu relativamente alta, sugerindo que esta abordagem tem o potencial de limitar as emissões durante uma estação de crescimento”, refere uma nota de imprensa da Nature. Por outras palavras, o efeito “devorador” de gás hilariante é aparentemente duradouro.

Os autores do estudo acreditam que o método pode ser uma forma acessível e eficiente de reduzir emissões no sector agrícola, mas enfatizam que o aprimoramento das estirpes das bactérias pode melhorar a eficácia e dotar estes microorganismos de maior resistência às agressões ambientais.

O meu supervisor de doutoramento, Lars Bakken, que também é o líder do nosso grupo, tem estado a trabalhar há várias décadas em bactérias que convertem compostos de azoto e, por isso, este novo método está alicerçado em todo esse conhecimento prévio. Quando temos algo com bons resultados para mostrar às pessoas, e aos políticos, é óptimo, mas não podemos esquecer que o que fizemos depende de muita investigação básica, que é algo que não é tão fácil de vender, recorda Elisabeth Hiis, numa videochamada com o PÚBLICO.

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