Costa alentejana arrisca “falência económica, social e ambiental” sem dessalinizadora

Inviabilizar uma dessalinizadora na costa alentejana significa a “falência económica, social e ambiental” da região, conclui estudo sobre a viabilidade desta infra-estrutura que servirá zona do Mira.

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Canais de rega a partir da Barragem de Santa Clara Rui Gaudêncio
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Barragem de Santa Clara em Novembro de 2023 Rui Gaudêncio
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Sistema de tubagem que retira Agua da barragem de Santa Clara para o canal de rega - Rui Gaudêncio
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Falta de água na zona da albufeira de Santa Clara, em Odemira, tem afectado de forma grave os agricultores Rui Gaudêncio
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A Associação de Horticultores do Sudoeste Alentejano (AHSA) acaba de divulgar uma síntese de um estudo prévio que propõe a viabilização de uma central dessalinizadora na costa alentejana. Se esta infra-estrutura ficar pelo caminho, estarão em causa cerca de 10.000 empregos directos e 300 milhões de euros em exportações de produtos agrícolas, conclui o estudo divulgado nesta quarta-feira.

O documento prevê “três potenciais localizações, entre Odemira e Sines,” para colmatar a “grave escassez” de água que os agricultores e produtores pecuários com explorações no perímetro de rega do Mira (PRM) enfrentam há vários anos.

A AHSA sustenta a solução baseada numa central dessalinizadora na persistente “deterioração e limitação” do abastecimento de água a partir da “única” fonte hídrica da região, a barragem de Santa Clara, localizada no concelho de Odemira desde os anos 50 do século passado, para regar cerca de 12 mil hectares de solos agrícolas.

Com efeito, a infra-estrutura apresenta, neste momento, uma reserva de água que se situa nos 41% (200,6hm3), quando a sua capacidade máxima é de 485hm3. Há cerca de cinco anos que o fornecimento de água de rega é garantido a partir do volume morto da albufeira. E nem os vários temporais que fustigaram a Península Ibérica entre Janeiro e Abril devolveram à albufeira de Santa Clara uma reserva de água que garantisse as necessidades do PRM.

Mesmo assim, a AHSA admite que Santa Clara dispõe “somente de quatro a cinco anos de garantia máxima de fornecimento de água, tendo por base um consumo agrícola anual de 12 milhões de metros cúbicos e uma precipitação anual de 350mm”, o que obriga forçosamente a continuar a recorrer ao volume morto da albufeira, degradando a qualidade da água para consumo humano, dada a elevada concentração de sedimentos.

O presidente da AHSA argumenta que os agricultores têm feito um “elevado esforço de racionalização do uso da água”, passando de 40 milhões de metros cúbicos de consumo anual, em 2019, para 12 milhões de metros cúbicos em 2023.

Perante o agravamento da situação e das previsões meteorológicas desfavoráveis, o estudo da AHSA sugere a construção de uma dessalinizadora e de um reservatório ligado à rede da Associação de Beneficiários do Mira (ABM). “A não execução do projecto prevê a falência económica, social e ambiental da região”, refere a associação de horticultores com um alerta: [Sem dessalinizadora] “estarão em causa cerca de 10.000 empregos directos e 300 milhões de euros em exportações de produtos agrícolas”.

Dada a continuada escassez de recursos hídricos, a solução alternativa à albufeira de Santa Clara terá necessariamente de passar pela construção de uma dessalinizadora, com tecnologia baseada na osmose inversa. É um processo físico-químico que envolve o tratamento selectivo de substâncias através de uma membrana semipermeável. Esta membrana apresenta poros que são permeáveis à água mas que retêm e impedem a passagem de micropartículas, microrganismos e outros contaminantes. Permite remover até 99% das substâncias que contaminam a água.

Três cenários tecnicamente viáveis

A unidade que está a ser programada, com capacidade para depurar 25 milhões de metros cúbicos anuais de água retirada ao oceano, exige uma potência necessária na ordem dos 10MW (megawatts) e a área ocupada pela estação será de três a quatro hectares.

O primeiro cenário contempla a hipótese de construção de uma dessalinizadora junto à costa no concelho de Odemira e em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV). A alternativa proposta a esta localização encontra-se em Sines. A essa estação seria acoplado um adutor de água dessalinizada, que, por mar ou por terra, estaria ligado a Odemira, a um reservatório de regularização com capacidade para armazenar cerca de seis milhões de metros cúbicos, que garantem três meses de fornecimento de água à agricultura. A central dessalinizadora terá um custo de 200 milhões de euros.

Contudo, “questões legais e custos significativos” obrigaram à elaboração de um terceiro cenário, que coloca a instalação da dessalinizadora, de novo, em Odemira, a cerca de três quilómetros de distância da costa, refere o estudo apresentado pela AHSA.

Os três cenários da dessalinizadora avaliados “poderão ser tecnicamente viáveis”. Contudo, prossegue a associação de horticultores, as três opções “dependem da recolha de informação adicional, tal como a definição do envolvimento do sector privado e do Estado, fontes de financiamento como o PRR e o compromisso dos agricultores, entre outros”.

Importa analisar agora o custo estimado da água dessalinizada, com base num custo da energia necessária ao processo de dessalinização da água do mar, que ficará em oito cêntimos por kilowatt-hora (KWh), e uma taxa de juro de 5%, que faria rondar um euro o metro cúbico da água tratada, com sensivelmente metade desse valor a resultar de “custos operacionais”, explica a AHSA. O documento ressalva um dado que os autores consideram importante: “Em nenhum caso os agricultores dependerão a 100% desta água, pelo que o custo médio ponderado poderá ser de metade do valor indicado.” Está, no entanto, por explicar onde vão os agricultores buscar recursos hídricos na região de Odemira. A alternativa só poderá estar em furos ou charcas.

Fazendo um termo comparativo com o tarifário actualmente praticado em Alqueva, observa-se que o preço por metro cúbico de água varia entre os 0,0344 cêntimos para a que é fornecida aos perímetros confinantes (que não estão abrangidos pelo Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, EFMA) e os 0,0883 cêntimos para a água destinada aos agricultores precários (que têm as suas explorações na periferia dos blocos de rega do EFMA).

O estudo da AHSA será apresentado ao Governo, à Casa Civil da Presidência da República e aos vários organismos que a associação considera “relevantes”.

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