A direita radical alemã está a apropriar-se de uma canção techno sobre amor
A música fala de amor, mas um grupo de alemães cantou slogans nazi ao som dela. Há relatos semelhantes noutras festas, nomeadamente do partido de nacionalista e xenófobo AfD.
L’Amour Toujours, do DJ italiano Gigi D’Agostino, em nada se assemelha à mensagem da extrema-direita: “Amor, eu vou estar sempre / Ao teu lado / Não me deixes muito tempo à espera / Por favor, anda”, ouve-se colado à batida techno. Mas, nas últimas semanas, a música de 1999 foi associada à direita radical, depois de algumas pessoas terem gritado coisas como “Imigrantes fora” e “A Alemanha para os alemães” ao som dela.
Foi no Pony Bar, na ilha de Sylt (Alemanha), que, na semana passada, as expressões nacionalistas foram ouvidas enquanto a música, que não tem qualquer relação com a direita radical, se ouvia. Num vídeo que se tornou viral, vê-se um homem a fazer aquilo que parece ser uma saudação nazi e a colocar dois dedos em cima dos lábios, no que pode ser interpretado como uma referência ao bigode de Hitler.
A Euronews refere ainda que uma jovem negra foi insultada e esmurrada na cara.
Os organizadores da Oktoberfest, o célebre festival de cerveja, que se realiza em Setembro em Munique, já disseram querer proibir a canção. “Não há lugar para esse lixo de extrema-direita no festival”, disse Clemens Baumgärtner, responsável pelo festival. O evento, considera, é “leve e bonito” — e também “apolítico”.
Perante o sucedido, a Vodafone e o Deutsche Bank, anunciaram consequências para os funcionários que, alegadamente, estiveram envolvidos no momento. Thorkild Petersen-Thrö, do Ministério Público de Flensburg, referiu que as frases proferidas são “puníveis” — e usou o exemplo de Björn Höcke, do partido de direita radical Alternativa pela Alemanha (AfD), que foi levado a julgamento por proferir o slogan nazi “Tudo pela Alemanha!” numa campanha eleitoral regional.
Ihr habt den "verbotenen Ohrwurm" durch Eure aufgesetzte Empörung zum Meme gemacht. Jetzt müsst Ihr damit leben, dass in ganz Deutschland dieser Text durch die Köpfe der Jugend rauscht, sobald irgendwo "L’Amour toujours" läuft. pic.twitter.com/1JgUVjafcr
— Hirnschluckauf (@Hirnschluckauf) May 24, 2024
Também a ministra do Interior, Nancy Faeser disse, num programa de televisão, que as frases são “profundamente desumanas e racistas”. As expressões e simbologias nazis são proibidas no país e podem levar a multa ou pena de prisão entre um a três anos.
O Pony Bar também se manifestou. Numa publicação no Instagram disse que estavam a receber “insultos e ameaças de morte”. “Decidimos divulgar o vídeo para nos protegermos, aos nossos funcionários e aos nossos convidados fiéis. Podem ver por vocês que a maioria se está a divertir, enquanto um pequeno grupo está a cantar algo que não está de acordo com os nossos valores fundamentais.”
Tim Becker, um dos proprietários, disse, citado pelo Guardian, que nem ele, nem o DJ que passou a música, tinham qualquer conhecimento de que esta pudesse estar associada à direita radical. “Não vamos voltar a passar a música”, garantiu.
Há relatos de que a música já foi usada noutras festas alemãs, nomeadamente em Janeiro, na sequência de uma conferência do AfD, recentemente expulsos do seu grupo no Parlamento Europeu, depois de o cabeça de lista da AfD, Maximilian Krah, ter afirmado que nem todos “os que usavam uniforme das SS eram automaticamente criminosos”. Nessa festa, que contava com membros do partido e da juventude do partido, terão sido proferidos os mesmos slogans.
À revista Der Spiegel, o autor da música terá dito desconhecer o aproveitamento da sua música para fins racistas e nacionalistas. “A minha canção é sobre um sentimento maravilhoso, grande e intenso que liga as pessoas. É o amor.”