Pinkwashing sionista

Tal técnica de desumanização está a ocorrer com o pinkwashing israelita, que leva a que se acredite que lutar pela libertação da Palestina é inerentemente anti-LGBT+.

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Manifestantes com faixa onde se lê "LGBT pela Palestina" participam numa marcha de solidariedade com a Palestina em Paris CHRISTOPHE PETIT TESSON
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A desumanização dos colonizados, de quem é vítima do imperialismo e de discriminações racistas, xenófobas e religiosas é uma táctica utilizada pelas potências do norte global há séculos. Já em Robinson Crusoé vemos que a personagem principal quer transformar Sexta-feira num perfeito homem inglês, porque a sua cultura, modo de estar e hábitos são inferiores aos ingleses, que são sinónimo de modernidade, civilização e "bons costumes". Tal técnica de desumanização está a ocorrer com o pinkwashing israelita, que leva a que se acredite que lutar pela libertação da Palestina é inerentemente anti-LGBT+.

Em Israel/Palestine and the Queer International, Sarah Schulman fala-nos sobre “homonacionalismo”, fenómeno em que “gays, lésbicas e bissexuais [que] já ganharam uma grande panóplia de direitos legais [deixam de ser] temidos como uma ameaça à família e nação (…). [E a sua] integração sob os termos mais normativos é exposta como um símbolo do comprometimento daquele país com o progresso e modernidade”. A autora sublinha que este processo cria um outro, normalmente racializado, levando estas pessoas não-heterossexuais a juntar-se a movimentos opositores à imigração e diferença racial e cultural. Assim, pinkwashing acontece quando um governo explora ideias "homonacionalistas" através de políticas, legislação e marketing. Schulman considera que este processo tem o seu extremo em Israel, embora esteja presente em muitas outras nações.

Sa’ed Atshan, antropólogo palestiniano, fala-nos de quatro pilares essenciais do pinkwashing: 1. Destacar os direitos LGBT+ em Israel, enquanto se ignora a homofobia existente; 2. Destacar a homofobia palestiniana, enquanto se ignora a agência das pessoas queer palestinianas; 3. Contrapor estas duas experiências como um discurso civilizacional, destinado a destacar uma superioridade humana israelita e relegar a Palestina para a sub-humanidade; 4. Representar Israel como um refúgio gay para israelitas, palestinianos, e internacionais, com o objectivo de atrair turismo e outras formas de solidariedade e apoio.

Para melhor compreender este fenómeno, o antropólogo mobiliza a realidade da “etno-heteronormatividade”, um “resultado da vida como sujeitos queer racializados experienciando opressão entrelaçada vinda de sistemas duais de etnocracia, por um lado, e de heteronormatividade e masculinidade tóxica, pelo outro” (Queer Palestine and The Empire of Critique). Esta formulação permite melhor compreender o activismo queer palestiniano, que tende a ser apagado pelo pinkwashing israelita.

Pegando nas palavras de Sarah Schulman, os nacionalistas que empregam tácticas de pinkwashing “constroem um outro, frequentemente muçulmano ou Árabe, Sul Asiático, Turco ou de origem africana, como ‘homofóbico e fanaticamente heterossexual’”.

Os nacionalistas têm tentado fazer uma higienização da vida queer nas suas nações, higienização essa que bebe de concepções patriarcais de género e do racismo estrutural.

Esta ideia de superioridade civilizacional acaba por ser apenas performativa: o casamento homossexual é ilegal em Israel, tal como a terapia hormonal para pessoas trans e não existe protecção legal para estas em caso de discriminação em locais de trabalho. Se uma mulher israelita se quiser casar com outra mulher tem de ir a outro país fazê-lo e apenas depois o casamento será visto como legal em Israel. No entanto, para o pinkwashing esta incompletude tem que ser escondida.

Esta desumanização, esta construção dos palestinianos como menos desenvolvidos, menos civilizados que os israelitas e os ocidentais, continua a ser utilizada como justificação para o genocídio que está a acontecer, tal como a ideia de que povos nativos eram "selvagens" permitiu que se fizessem massacres. A colonização formal pode ter acabado, mas a colonialidade continua presente.

“If I had known that bombs raining down on us would take you from me, I would have gladly told the world how I adored you more than anything. I’m sorry I was a coward.” Estas palavras, que se lêem numa plataforma que espalha palavras de pessoas queer à volta do mundo, reflectem exactamente o que se passa com pessoas queer na Palestina neste momento: não morrem por homofobia ou transfobia, mas sim pelas bombas do país que se diz como a única democracia do Médio Oriente.

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