Até que a morte nos separe dos colegas do trabalho

As coisas complicam-se quando ficamos com a sensação de que os nossos colegas têm mais férias do que nós. À partida, não têm, mas parece que estão sempre fora.

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Ninguém é indiferente às pessoas com quem trabalha. (Só as que trabalham por si.) É difícil assumirmos uma posição neutra em relação aos nossos colegas, já que passamos grande parte da nossa vida junto deles.

De facto, passamos demasiado tempo com eles. No X, gráficos disponibilizados por Sahil Bloom revelam realidades bastante deprimentes, mas não surpreendentes: na prática, se olharmos para os nossos anos de vida, passamos mais tempo com os nossos colegas de trabalho do que com os nossos pais, primeiro, e com os nossos filhos, depois. A informação diz respeito à sociedade norte-americana, mas a experiência portuguesa não será muito diferente. Realmente, Confúcio, devemos fazer algo de que gostamos; deste modo, o que custa deixa de custar tanto.

Mesmo que as rotinas do trabalho estejam a mudar (esperemos que para melhor), porque têm andado à boleia das novas tecnologias e de novas visões daquilo que se entende por trabalho, há realidades imutáveis, sobretudo esta: os nossos colegas têm sempre mais do que nós.

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Essencialmente, têm mais tempo. Os nossos colegas já viram o mais recente lançamento da Netflix. Da HBO Max. Da Apple TV. Da Disney +. Da Amazon. Do Filmin. (A história das subscrições é outra.) Nós não. Os nossos colegas vêem tudo e já viram tudo; não há nada que lhes escape. Não falham nenhuma estreia no cinema, e arranjam forma de assistir a concertos e a peças de teatro. Todos lêem muito mais do que nós. E todos têm mais energia do que nós. Os nossos colegas fazem mais desporto do que nós. Correm. (Estão a treinar para uma meia maratona.) Fazem escalada. Vão ao ginásio. Nos últimos tempos, uns têm jogado padel. Outros têm andado de bicicleta. (Modas! São o que são. Daqui a uns anos, há outras.) E ainda bem, olhem. É bom existirem pessoas assim: donas da sua vida. As coisas complicam-se quando ficamos com a sensação de que os nossos colegas têm mais férias do que nós. À partida, não têm, mas parece que estão sempre fora.

Todos os dias, chegamos ao escritório, ou começamos a trabalhar em casa, e tentamos perceber como é que há pessoas — que trabalham connosco, levando rotinas minimamente semelhantes — que vivem dias com mais de 24 horas. No fundo, admiramo-las, porque a sua gestão de tempo impressiona. Mas também é certo que não morremos de amores por todas as pessoas com quem trabalhamos. Ninguém fica ofendido, porque é o que é. É a experiência humana. Mas precisamos de todas. E os shareholders, que passaram a ser o bobo da corte da Gen Z no TikTok — ainda que continuem a mandar no mundo —, precisam de todos nós, e é por isso que trabalhamos em conjunto, em busca de objectivos aparentemente comuns e motivadores. De facto, somos todos livres até abrirmos uma nova folha de Excel.

No trabalho e fora dele, sozinhos não podemos estar, e duvido que o desejemos. Há muita coisa que, na prática, nos afasta e separa dos nossos colegas de trabalho — o percurso académico e profissional, o carro que conduzimos, o cube de futebol, a cor política (e a opinião sobre a energia de Sebastião Bugalho), o gosto musical, o comportamento à secretária e na copa, etc. — mas há uma realidade que nos une: somos todos colegas uns dos outros. Nós olhamos para eles e podemos invejar partes das suas vidas rotineiras. É possível que eles façam o mesmo connosco, mas não sabemos bem porquê. Nem como. Eu, pelo menos, não tenho tempo para nada. E eles, dizem, também não, mas já não têm nada para ver nas plataformas de streaming.

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