Auroras boreais podem voltar esta noite a Portugal: como se formam?
Na última noite, Portugal foi brindado com um espectáculo muito raro nos céus do país: auroras boreais. Vejamos como se formam, os seus aspectos bons e menos bons e outras curiosidades.
Num fenómeno considerado raro e que há muitas décadas não era avistado em Portugal, o país pôde assistir na noite de sexta-feira para sábado, em vários locais, a auroras boreais. Explica-se aqui o que se está a passar com o Sol, como surgem as auroras e o que esperam os especialistas para os próximos dias.
O que se passa no Sol para vermos auroras em locais fora do comum, como Portugal?
O ciclo solar – que tem 22 anos, em média – está a atingir o seu máximo neste ano de 2024, pelo que estamos a assistir a grande actividade no Sol. Este pico de actividade, a cerca de cada 11 anos do ciclo de 22 anos, traduz-se em mais manchas solares activas e em ejecção de mais material pelo Sol para o espaço. Ao longo das últimas semanas, houve precisamente várias erupções solares de classe X – as maiores e mais energéticas na classificação das erupções solares designadas por “ejecções de massa coronal”, ou CME na sigla em inglês.
Estas ejecções de massa coronal são erupções de gases ionizados a altas temperaturas provenientes da coroa solar, a camada mais externa da atmosfera do Sol. Quando estes gases, que fazem parte dos ventos solares, atingem o campo magnético terrestre, podem perturbá-lo. Ou seja, podem originar tempestades geomagnéticas e, claro, um espectáculo inesquecível de auroras pelos céus da Terra. Os materiais vindos do Sol interagem com os gases e as partículas presentes na atmosfera da Terra e eis que se produzem os efeitos luminosos das auroras boreais.
Também as tempestades geomagnéticas têm uma classificação conforme a perturbação que provocam no campo magnético da Terra: designadas por “índice G”, vão de uma escala de 1 a 5. Uma tempestade G5 é, assim, considerada “extrema”.
Ora, na última semana assistiu-se a uma forte actividade solar, como dizem dois investigadores do Departamento de Física da Universidade de Coimbra, Fernando Pinheiro e Alexandra Pais, que enviaram informação para o PÚBLICO sobre o que se está a passar no Sol. “Ocorreram diversas erupções solares de classe X, com origem na região activa do Sol ‘chamada AR3664’, um aglomerado de manchas solares com 16 vezes o diâmetro da Terra. Dessa região ocorreram cinco ejecções de matéria coronal entre os dias 8 e 9 de Maio, que se dirigiram para a Terra”, explicam os dois investigadores.
“A chegada das primeiras CME às vizinhanças da Terra teve lugar cerca das 18h de sexta-feira, 10 de Maio, fazendo-se sentir no aumento súbito de intensidade do campo magnético observado, por exemplo, no observatório magnético de Coimbra”, continuam os cientistas. “Este aumento de intensidade é causado pela compressão da magnetosfera terrestre, do lado voltado para o Sol, como resultado da colisão das CME. Desta interacção resultou uma forte perturbação do campo magnético terrestre – [ou seja,] uma tempestade geomagnética –, classificada pela agência norte-americana NOAA com o índice G5, numa escala de 1 a 5.”
Resumindo, segundo as classificações da NOAA, a agência norte-americana para o oceano e a atmosfera, o Sol registou várias erupções solares de classe X nos últimos dias, que provocaram uma tempestade geomagnética G5.
Há um lado menos bonito das tempestades geomagnéticas?
Sim. Se o lado bonito das tempestades geomagnéticas é aquele que nos proporciona a observação de auroras, o lado menos positivo é precisamente o da perturbação que elas podem causar em sistemas cruciais para a civilização de hoje.
“Este é o género de evento que pode causar distúrbios vários nos serviços fornecidos por satélites, como de comunicações e de posicionamento global, em serviços de comunicação por via de ondas de rádio de alta frequência, para além de perturbações nas infra-estruturas de transporte de energia eléctrica e em sistemas de acantonamento automático de comboios que controlam a ocupação das linhas”, explicam, no comunicado enviado, Fernando Pinheiro e Alexandra Pais.
Os dois investigadores recordam ainda que a última tempestade geomagnética G5 ocorreu há mais de 20 anos, em Outubro de 2003: “Causou cortes de energia na Suécia e danificou transformadores na África do Sul.” E especificam: “A tempestade a que estamos a assistir é excepcional. É mais intensa do que a de Outubro de 2003, que provocou apagões na Suécia e na África do Sul, mas não é tão intensa quanto a de Março de 1989, que provocou um importante apagão de nove horas no Canadá”, contextualizam.
“Estes efeitos ocorrem em simultâneo com as coloridas auroras boreais (no Norte) e austrais (no Sul). Por norma, são mais intensos a latitudes mais próximas das dos pólos. Países como a Suécia e o Canadá (no hemisfério Norte) ou a Nova Zelândia e Austrália (no hemisfério Sul) têm um longo historial de registos deste tipo de incidentes e de ocorrência de espectaculares auroras”, referem os investigadores de Coimbra sobre os aspectos positivos e menos positivos das erupções solares e tempestades geomagnéticas. “Mas a noite de sexta-feira para sábado, 11 de Maio, foi especial, porque nos ofereceu também a nós, em Portugal, auroras em vários pontos do país.”
Em que zonas de Portugal foram agora vistas as auroras boreais?
Inúmeros relatos inundam, desde esta sexta-feira, as redes sociais com a partilha de fotografias tiradas de vários locais de Portugal – desde as regiões mais a norte no território continental, como Moimenta da Beira, Viseu, Coimbra ou Guarda, até ao Alentejo, como Portalegre –, incluindo os Açores e a Madeira.
Ao contrário das expectativas iniciais dos cientistas para o ano de 2024, as auroras boreais chegaram a Portugal. Sabia-se que o Sol ia atingir o máximo de actividade no ciclo solar este ano e que isso poderia trazer auroras boreais mais intensas e em locais de baixa latitude à volta do planeta, mas vários especialistas ouvidos pelo PÚBLICO no início do ano refreavam as expectativas, uma vez que é muito raro este fenómeno ser visível em Portugal. Daí que considerassem como pouco provável termos a sorte de observar auroras boreais em Portugal em 2024, dada a distância do pólo Norte a que o país já se encontra.
Afinal, as auroras boreais chegaram mesmo cá na noite de 10 para 11 de Maio. O céu encheu-se de tons cor-de-rosa. E há esperança de que voltem esta noite de sábado para domingo e até nas seguintes. Uma vez que o máximo do actual ciclo solar ainda está para chegar, Fernando Pinheiro e Alexandra Pais consideram agora que talvez outras tempestades geomagnéticas “mais intensas se avizinhem”: “Estejamos atentos aos magnetómetros, e espreitemos o céu das próximas noites!”
Além de Portugal, as auroras de 10 para 11 de Maio deram a volta ao globo terrestre, em latitudes mais baixas, maravilhando um pouco por todo o lado, desde o Canadá e grande parte dos Estados Unidos (indo aí até à Califórnia ou ao Alabama) até a França, Reino Unido, Suíça, Alemanha, Países Baixos, ilhas Canárias, Hungria, Ucrânia ou Rússia. No hemisfério Sul, há registo de auroras nos céus da Nova Zelândia e da Península Antárctica, por exemplo.
Qual o melhor sítio para ver as auroras?
O melhor sítio para desfrutar de tal espectáculo de luzes coloridas no céu é sempre mais perto dos pólos terrestres, tanto do pólo Norte (para as auroras boreais) como do pólo Sul (para as auroras austrais). Por isso, nos países do Norte da Europa, como a Suécia e a Noruega, é mais comum avistar auroras boreais do que nos países do Sul. O fenómeno assume aí uma variedade de cores azuladas ou esverdeadas.
Fora desses locais, e tendo elas agora chegado a Portugal, a recomendação para vermos as auroras boreais em todo o seu esplendor, caso se repitam, é procurarmos locais de pouca luminosidade. Isto para que não sejam ofuscadas pelas luzes de cidades e povoações.
É precisamente para um local muito escuro que, por coincidência, uma iniciativa que promoveu uma concentração de telescópio este fim-de-semana, no município de Moimenta da Beira, se vai deslocar na noite deste sábado para domingo. A 8.ª Concentração de Telescópios em Moimenta da Beira, entre 10 e 12 de Maio, juntou mais de 120 telescópios e 200 pessoas, entre astrónomos amadores e profissionais de Portugal e Espanha, para palestras, observações do céu, partilha de conhecimentos e convívio.
“Na primeira noite de observações fomos brindados por estas auroras. Os astrónomos que fotografavam o céu aperceberam-se do aparecimento das auroras boreais, o que não é normal nas latitudes em que nos encontramos, e foi o delírio...”, conta-nos Paulo Sanches, professor de Físico-Química e fundador e coordenador do Clube das Ciências do Agrupamento de Escolas de Moimenta da Beira. “Toda a gente a tirar fotos, toda a gente a partilhar fotos. Foi fantástico, porque não se estava à espera disto...”
Os participantes na 8.ª Concentração de Telescópios em Moimenta da Beira até se encontravam no estádio municipal, no meio da vila, que tinha desligado a iluminação pública de propósito para a iniciativa. E, por coincidência, apareceram as auroras. Na noite deste sábado para domingo, os mais de 120 telescópios vão espreitar o céu para o Santuário de São Torcato, a 12 quilómetros da vila de Moimenta da Beira. “O céu aí é mais escuro. Segundo os entendidos, os observadores do Sol, somos capazes de ainda conseguir ver auroras esta noite, talvez não com o espectáculo de ontem, mas há grandes probabilidades de as vermos esta noite, porque as tempestades solares demoram algum tempo.”
Desde 2009 que Paulo Sanches organiza a Concentração de Telescópios em Moimenta da Beira. “Em 2009 comemorava-se o Ano Internacional da Luz e eu lembrei-me: ‘Se se fazem concentrações de motas, porque não fazer uma concentração de telescópios?’ Teve um enorme sucesso no primeiro ano que repetimos de dois em dois anos”, refere Paulo Sanches.
Houve outras auroras boreais observadas em Portugal dignas de nota?
Sim, e algumas auroras boreais foram mesmo notícia nos jornais da época. Por exemplo, a 4 de Fevereiro de 1872, uma supertempestade solar abalou a Terra e originou uma aurora boreal que cobriu a Terra. Houve relatos em jornais, não só da Índia, Espanha, França e do País de Gales, mas também de Portugal. Chegou a ser vista em Guimarães, Coimbra, no Porto, em Aveiro, Setúbal e Lisboa, como concluíram José Ribeiro e Ana Correia, professores de Física e Química na Escola Secundária com 3.º ciclo de Henrique Medina (em Esposende), que estiveram envolvidos num estudo internacional sobre essa supertempestade publicado, no final do ano passado, na revista The Astrophysical Journal.
O Jornal do Porto publicava o seguinte relato dois dias depois da aurora de 4 de Fevereiro de 1872: “Aurora boreal. Reappareceu ante-hontem á noite este phenomeno meteorologico, estendendo-se do nascente a poente e pendendo para o norte. Principiou a distinguir-se perfeitamente na atmosphera, apezar de estar chumbada de nuvens, ahi por volta das sete horas da noite, sendo visivel por largo espaço. A noite é que estava pouco favoravel para observação d’este phenomeno, tão frequente nas regiões polares.”
Há cerca de dez anos, José Ribeiro e Ana Correia fizeram um levantamento das auroras boreais avistadas em Portugal nos séculos XIX e XX. Neste material didáctico, intitulado Auroras Boreais Observadas em Portugal, encontram-se registos curiosos deste fenómeno no país nos últimos 200 anos. Por exemplo, a 21 de Janeiro de 1957, o Diário de Lisboa dava conta de uma aurora boreal vista em vários pontos do país. Ou, antes disso, a 25 de Janeiro de 1938, o jornal O Cávado noticiava o avistamento deste fenómeno em Esposende.